Sanguessuga: Estarrecedor

Editorial do Jornal Folha de São Paulo de hoje
SANGUESSUGAS
É estarrecedora a acusação da assessora do Ministério da Saúde Maria da Penha Lino de que até 170 deputados receberam propina de uma empresa para tomar parte num esquema de venda de emendas ao Orçamento da União. A denúncia precisa ser recebida com cautela. Trata-se da palavra de uma pessoa presa por seu envolvimento com a quadrilha e que tenta beneficiar-se da chamada delação premiada.
Entretanto os fatos até aqui apurados pela Polícia Federal na Operação Sanguessuga -que investiga a venda de ambulâncias superfaturadas para prefeituras- tornam a afirmação da acusada incomodamente verossímil. A confirmarem-se a história e os números, ao menos um terço da Câmara é composta por pessoas que não merecem o cargo.
Tal proporção assusta até os mais céticos observadores do cenário político nacional. É também a "garantia" de que a Câmara não deverá tomar nenhuma atitude para depurar-se. Para aprovar uma cassação, são necessários os votos de 257 dos 513 deputados. Os 170 supostos envolvidos na máfia das ambulâncias estão, portanto, a apenas 87 escrutínios de tornar-se a maioria da Casa.
O inquietante é que esse sistema de fraudes aos cofres públicos é velho conhecido. Já fora exposto e destrinchado durante a CPI dos Anões do Orçamento, há mais de uma década. À época, muito se falou em reformas que aperfeiçoariam o processo de confecção da peça orçamentária. Foi mais um espetáculo de retórica vazia de políticos, pois nada mudou.
Parlamentares e membros do Executivo talvez não tenham percebido, mas a sociedade está profundamente desencantada com a política. A sucessão de escândalos e, principalmente, a tibieza das respostas que as instituições lhes dão comprometem a imagem da democracia.
É fundamental que órgãos distanciados do Congresso, como o Ministério Público, a PF e o Supremo Tibunal Federal, levem até o fim a tarefa de investigar, apresentar provas e produzir sentenças. A partir daí a sociedade poderá exigir a extinção de práticas clientelistas como as emendas individuais ao Orçamento.

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