E aí Thomaz?

Confira o artigo do jornalista paraibano José Nêumanne

ABC Polítiko










A banca do distinto
Desde que o ex-presidente Fernando Henrique nomeou o criminalista José Carlos Dias para o Ministério da Justiça, este colunista tem combatido com sua funda (sem sequer um pedregulhozinho) essa idéia de jerico brasileira de entregar o comando do Estado, em nome da cidadania, na guerra contra o crime organizado a um serviçal dos chefões desta indústria.

Quando o colega de José Carlos Dias Márcio Thomaz Bastos foi nomeado para o mesmo cargo, o assunto voltou a ganhar relevância, mas nem por isso alguém se proclamou publicamente incomodado com o fato de o titular da pasta mais antiga do governo federal haver declarado, alto e bom som, que estava deixando uma banca de advocacia que lhe rendia a impressionante quantia de US$ 200 mil por mês. Ninguém prestou atenção ao fato de criminalistas não terem cidadãos decentes como clientes nem para a evidência de que tanto dinheiro assim não seria pago por mães famintas que furtam biscoitos nas gôndolas de supermercados, mas por altos executivos da delinqüência.

Quaisquer lembranças incômodas como esta seriam abatidas sem piedade pelo argumento politicamente correto de que, como José Carlos Dias, Márcio Thomaz Bastos prestou inestimáveis serviços à democracia como defensor de presos políticos durante o regime militar. Entre estes, Luiz Inácio Lula da Silva em pessoa. Agora, diante da entrevista ao Estado de S. Paulo de domingo, em que o dr. Bastos diz, entre outras pérolas, que "o problema não é pôr mais gente na cadeia, é tirar da cadeia quem não precisa estar lá", fica difícil resistir à tentação de perguntar se o autor desta frase atende prioritariamente a sua biografia de herói da resistência democrática ou a seu currículo de causídico comprometido com as causas de delinqüentes ricos, cruéis e poderosos. Quem o Dr. Bastos defende?

Os tanques nas ruas
"São Paulo errou ao não aceitar que os tanques do Exército saíssem às ruas", disse Sua Excelência, cometendo triplo equívoco. O militante dos direitos civis contra a ditadura deveria saber que um democrata de verdade não convoca tanques. Os clientes do criminalista não lhe pagariam bem como pagam se ele tivesse a ilusão de que tropas na rua impedirão que as hordas sob o comando do Primeiro Comando da Capital (PCC) continuem cumprindo ordens emanadas das celas das prisões onde vivem seus líderes com celulares que não precisam de carregadores de bateria. E, escusado dizer, o ministro serviria melhor o cidadão se fosse menos submisso aos verdadeiros interesses que comandaram suas declarações: a reeleição do ex-cliente e atual chefe presidente.

Superávit para quê?

Em outra pérola da entrevista a Luiz Rila e Vannildo Mendes, o ministro Bastos tentou explicar por que, ao contrário do que o presidente prometera, as verbas orçamentárias destinadas à construção de presídios foram "contingenciadas", ou seja, não foram gastas nas obras previstas. "Há outros valores em jogo. No projeto de estabilidade macroeconômica, é necessário criar superávit primário. Governo é assim: um cobertor um pouco curto para tudo", disse. Bastos escusou-se de declinar que valor seria mais importante que a vida do cidadão, que delegou ao Estado de direito, em cuja cúpula figura, o exercício do monopólio da força legítima exatamente para evitar que ela seja extinta ou sofra danos. Para que servirá o superávit se o PCC matar todos?

Coragem, gente!
O ministro não perdeu a chance de elogiar o trabalho da Polícia Federal. Na verdade, as operações que seus subordinados daquela instituição têm protagonizado estão carreando votos ao candidato à reeleição, a quem o entrevistado serve, mas este seria mais correto e justo se cobrasse dos agentes federais uma ação mais efetiva no combate contra o tráfico de drogas. A perseguição aos criminosos de colarinho branco é uma tarefa útil e deve ser aplaudida por todos os cidadãos de bem. Mas é muito menos arriscada que o enfrentamento a bala dos chefões do tráfico, cuja atividade ilícita propicia o financiamento para as ações do PCC. Têm sobrado estratégia e inteligência na PF, como o ministro apregoou, mas um pouco mais de coragem não lhe faria mal.

Cadeias só no papel
Na semana passada, entrevistada num canal de TV por assinatura, a socióloga Julita Lemgruber desmascarou, de forma implacável, o cinismo oficial federal em relação à guerra contra o crime organizado. Autora do capítulo específico sobre a questão penitenciária no tal Plano Nacional de Segurança Pública, a especialista disse com todas as letras e exibiu todos os números como provas de que a maioria das 27 propostas feitas para reverter a catástrofe das prisões e deter a ousadia do PCC não foi posta em prática pelo governo federal. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), por exemplo, R$ 140 milhões do Fundo Penitenciário (Funpen) não foram usados para a construção de novas celas.

José Nêumanne é jornalista e escritor. Artigo publicado no Jornal da Paraíba.

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