Picolé ou chuchu?

Editorial

Picolé de direita

* Otavio Frias Filho

Folha de S. Paulo

Picolé de direita NUMA ÚLTIMA cartada, a campanha de Geraldo Alckmin passou a adotar tom mais contundente na tentativa de atingir a imagem de Lula pelo flanco da corrupção. Logo se verá se a estratégia, um tanto desesperada e talvez tardia, vai ou não reverter o quadro favorável ao presidente.
Se a reversão não acontecer, o que parece mais provável, restará aos especialistas discutir as razões do fracasso eleitoral de Alckmin. Ao contrário da imagem agora corrente, poucas vezes um candidato presidencial pareceu tão talhado para atender as demandas que as próprias pesquisas identificam no eleitorado.
O eleitor é pós-ideológico, se é que foi ideológico alguma vez. Quase metade, segundo o Datafolha, prefere a "direita" em vez do "centro" ou da "esquerda" -e revela razoável consciência, mesmo que intuitiva, do que esses rótulos traduzem.
No figurino extraído das pesquisas qualitativas, o modelo de político tem virtudes de feitio publicitário. É honesto, trabalhador, experiente, religioso e preparado. É equilibrado, evita extremos, não insulta seus adversários, conhece dados e números. Ora, Geraldo Alckmin, para o bem e para o mal, cabe exatamente nesse figurino. Parece, aliás, ter moldado sua personalidade pública com vistas a preenchê-lo. Foi prejudicado pela imagem de político insosso que lhe valeu o famoso apelido de "picolé de chuchu".
Mesmo essa imagem de indefinição mal sobreviveu, porém, a duas manobras realizadas pelo então governador paulista. A primeira foi a adoção de uma política duríssima, chamada de neomalufista, na área da segurança pública em São Paulo. Os motins do crime organizado são evidente reação a essa dureza.
A outra manobra foi o vigor com que ele enfrentou a postulação do então prefeito José Serra dentro do PSDB. Enquanto Serra ficava numa posição hamletiana, à espera de que o partido o ungisse candidato, Alckmin mostrou capacidade de confronto e levou a indicação. Fala-se que nada disso adianta diante do "carisma" de Lula. Estranha explicação, pois ela implica admitir que Lula tem "carisma" agora, mas não tinha nas três eleições presidenciais que perdeu antes de finalmente conseguir se eleger em 2002.
O mais provável é que o amplo favoritismo de Lula se deva mesmo a um panorama econômico entre razoável e bom, somado ao pacote de bondades eleitorais que seu governo, conforme a praxe reeleitoral, vem desovando nos últimos meses.
A experiência internacional mostra também que reeleição de presidente no cargo é a regra, não a exceção. Neste momento em que Lula volta a acumular muito poder, é saudável que conheça limites, seja interpelado e submetido à crítica. Para que depois não se venha reclamar, mais uma vez, de estelionato eleitoral.

* OTAVIO FRIAS FILHO é diretor de Redação da Folha

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