De bichos-gente corruptos

Anfíbios e tubarões

O Estado do Tapajós

  • Onyx Lorenzoni

Ensina a sabedoria popular que é melhor prevenir do que remediar. Quando se busca combater a corrupção, não existe caminho mais eficiente. É muito mais difícil recuperar dinheiro roubado do erário do que impedir que o cofre seja arrombado. A maioria dos casos que vêm sendo analisados pela equipe da sub-relatoria de Normas de Combate à Corrupção da CPMI dos Correios mostra que, na maior parte das vezes, as autoridades agiram, e vem agindo, sobre os efeitos e não sobre as causas.

Foi o que ocorreu, por exemplo, com os chamados anfíbios. Os anfíbios são funcionários de órgãos de fiscalização, que pedem licença do serviço público para defender interesses de empresas sob processo de auditagem. Alguns ocupavam cargos de chefia, para os quais retornaram após o serviço sujo. Na última década, eles cresceram e engordaram no brejo da corrupção, porque não havia lei específica para impedir-lhes as ações e puni-los com rigor.

Com certeza da impunidade, os anfíbios se uniram aos tubarões e, juntos, deram prejuízo bilionário ao erário. Isso, em apenas três operações que beneficiaram duas multinacionais e uma empreiteira de grande porte. Ao todo, os anfíbios impediram que a fiscalização, da qual também faziam parte, aplicasse multas que totalizavam R$ 1,7 bilhão. A imprensa noticiou o caso fartamente, mostrando como funcionários e ex-funcionários públicos se associaram para ganhar milhões de reais ajudando aqueles a quem deveriam fiscalizar, multar, punir.

Recuperar o dinheiro é muito, muito difícil. A imprensa cumpriu seu papel ao denunciar o esquema, mas até agora não encontramos indícios de que a prática tenha sido banida do serviço público. Há fortes suspeitas de que existam anfíbios operando em vários órgãos de fiscalização, dando cobertura a quem estiver disposto a desembolsar alguns milhões.

Eles sobrevivem por causa da falta de sintonia entre os órgãos encarregados de combater a roubalheira, que tem sido grande “aliada” da corrupção no setor público. Por tudo aquilo que até agora foi apurado pela sub-relatoria de Normas de Combate à Corrupção, não há dúvida de que a única saída é criar regras que permitam o livre fluxo de informações entre estes órgãos, para que o sistema atue preventivamente.

Trata-se de inverter as prioridades, dando à prevenção maior relevância e dificultando cada vez mais a vida dos corruptos.

O princípio do livre fluxo de informações e da colaboração sistêmica entre os órgãos encarregados de combater a corrupção – do Ministério Público ao TCU; da Receita Federal à Corregedoria-Geral da União – faz parte do conceito de transparência que deve reger as ações de repressão aos grupos criminosos dedicados a subtrair do erário dinheiro que deveria ser aplicado no combate à fome, na geração de empregos, saúde e educação. Estudo da Fundação Getúlio Vargas calcula que R$ 100 bilhões escoam anualmente pelo ralo da corrupção.

Transparência, por exemplo, é o livre acesso, pela internet, por parte de qualquer cidadão à execução orçamentária dos governos federal, estadual ou municipal. Diferente do que é hoje o Sistema Integrado de Administração Financeira (Siaf), cujo acesso é restrito a pessoas autorizadas mediante senhas e utiliza linguagem extremamente técnica. Uma medida simples como essa daria ao contribuinte perfeita noção, por exemplo, dos gastos de uma prefeitura com obras ou prestadores de serviços.

Outro ponto é a questão da troca de informações. Muitas vezes, quando dois ou mais órgãos de controle estão envolvidos na tarefa de auditar um órgão público, não existe intercâmbio. Cada um faz seu trabalho sem partilhar com o outro, o que, muitas vezes, torna a produtividade das operações muito aquém do esperado, porque os técnicos são obrigados a realizar o mesmo trabalho duas ou três vezes para chegar às mesmas conclusões.

Não adianta uma força tarefa para caçar anfíbios e pescar tubarões. Adianta, isto sim, ação inteligente capaz de matar os anfíbios e tubarões por inanição. É essa a linha escolhida para nortear o trabalho de aperfeiçoamento das leis de combate à corrupção: prevenção, transparência, cooperação e certeza da punição. Quando a impunidade deixa de ser uma certeza, muitos deixarão de agir movidos pelo medo porque, como ensina a sabedoria popular, sapo fora da lagoa não ronca.

  • O autor é deputado federal PFL - RS e atuou na CPMI dos Correios

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