The Iron Valley Company: The Best

Panorama Econômico

O Globo, 25/10/2006

Míriam Leitão - Onda de 'Brazil'

Ela nasceu com sotaque inglês: Itabira Iron Ore. Na Segunda Grande Guerra, virou parte do esforço de guerra dos aliados e, através dos "Acordos de Washington", foi incumbida de produzir matéria-prima para as armas com as quais se enfrentou o eixo. Na paz, a Vale deu um salto vendendo para o mercado dos ex-inimigos, os japoneses. Na moderna fase da economia mundial, virou a maior fornecedora dos chineses. Agora comprou a centenária Inco, do Canadá.

Desde ontem, a empresa que na primeira metade do século passado começou a explorar minério de ferro no Pico do Cauê - deixando escavado para sempre o coração do poeta Carlos Drummond de Andrade - é a segunda maior mineradora do mundo, dona de uma empresa ainda mais velha e tão famosa: a canadense Inco, de 104 anos.

É um salto que vai endividá-la e potencializar seus riscos, mas a tornará, definitivamente, uma empresa global. A operação foi bem-sucedida, depois de três meses de negociação com autoridades regulatórias canadenses e antitruste nos Estados Unidos e Europa. Os quatro bancos que deram garantia para a oferta do dinheiro há três meses fizeram uma oferta internacional, e houve proposta de financiamento de até US$30 bilhões. A Vale já é investment grade, até subiu dois níveis acima.

Logo que a proposta foi anunciada, as ações caíram, e as agências de rating soltaram notas de alerta. Estudada a operação, a Standard & Poor's diminuiu ontem a nota de crédito da Vale e alertou para um novo rebaixamento. Ontem as ações da companhia subiram. A Vale ficará muito mais dependente que antes do ritmo de crescimento mundial, em geral, e da demanda chinesa, em particular. O minério de ferro está com preço garantido até o próximo mês de março, porque o comércio é regulado por contrato anual. Nos últimos dois anos, ela conseguiu aumentos de 70% e 19% nos preços dos produtos. Os chineses já avisaram que, no ano que vem, os preços terão que baixar. A conferir. O mercado de commodities, em geral, tem caído um pouco. O níquel teve altas expressivas nos últimos anos; seu preço é hoje quase quatro vezes o do início de 2003. Poderá continuar subindo. Se cair, como a Vale enfrentará seu novo grau de endividamento com queda de receita?

Não é uma operação sem riscos, mas é um passo importante num momento em que outras operações semelhantes estão sendo feitas no mundo, tanto que a Inco teve três propostas, e a Vale foi a melhor de três.

Para a companhia brasileira, não havia outra alternativa senão sair de casa. Apesar de ser uma empresa que tem a maior parte de sua receita vinda do exterior, ela tinha quase todos os seus ativos num país só. Durante a última fase como estatal, ela fez diversas compras no processo de privatização. Era uma contradição: a Vale estatal comprava participação das siderúrgicas estatais privatizadas. Depois que ela mesma foi vendida, fez aquisições apenas dentro do Brasil: Samitri, Samarco, Caemi. O resultado é que só 3% dos seus ativos estavam fora do país.

O mundo está assistindo a um processo de empresas de países emergentes comprando empresas globais. As chinesas já compraram ícones importantes. Fiquemos apenas em uma: a IBM, que virou Lenovo. As indianas estão dando seus saltos, e o caso mais famoso foi o da Mittal, que alega não ser indiana legítima, mas européia, para reduzir a reação dos franceses dos quais comprou a Arcelor. A também indiana Tata está fazendo sinais para a siderúrgica inglesa Corus, na qual a CSN está de olho. A CSN, aliás, está em vias de fechar um negócio com a americana Wheeling Pittsburgh, no qual ficará com 49,5% da empresa. O grupo Gerdau, fora do Brasil, já tem hoje 12 unidades nos Estados Unidos, três no Canadá, seis em países da América do Sul e agora mira na China. A Votorantim tem sete fábricas de cimento e 39 usinas de concreto nos Estados Unidos e Canadá. A Weg, que nasceu em Santa Catarina, é uma das três maiores fabricantes do mundo de motores elétricos e está em Portugal, México, China e Argentina. A gaúcha Marcopolo, que faz carrocerias de ônibus, tem fábricas em Portugal, México, Colômbia e África do Sul. Até o fim do ano, abrirá uma unidade na Rússia em parceria com a Ruspromauto e, no segundo semestre de 2007, na Índia, com a Tata Motors. A Embraco foi a primeira a ir para a China. A Coteminas também se prepara para ter uma fábrica na China. A Petrobras se espalha por vários países, com direito até a ser considerada, injustamente, multinacional exploradora na Bolívia. A compra feita pela Vale é a mais importante operação já feita pela América do Sul.

Mas, há muito mais tempo do que se imagina, o Brasil tem ido para o exterior para a compra de ativos lá fora. O Banco Central divulgou em setembro que o volume de Investimento Direto no Exterior, ou seja, o dinheiro investido no exterior em ativos produtivos chega a US$71 bilhões.

Pela análise dos especialistas, o Brasil é o país que está fazendo o movimento mais atrasado de ir para o exterior. Mesmo assim, existem 12 empresas brasileiras na lista das 100 maiores desafiantes globais dos países emergentes elaborada pelo Boston Consulting Group.

A Vale, no Brasil, tem o talento de ser natural de todos os lugares onde atua. Em Minas, dirão que, claro, é mineira porque, como o nome diz, é do Vale do Rio Doce. No Espírito Santo, dirão que ela é tão capixaba quanto Tubarão. No Pará, tão paraense quanto Carajás. No Maranhão, ela é da terra do Porto de Itaqui. Terá agora que aprender a ser canadense, sem deixar de ser brasileira, afinal, como dizia Drummond: "Cada um de nós tem um pedaço do Pico do Cauê."

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