Desgaste desnecessário

Luiz Garcia - Não basta o pito


O Globo
12/6/2007

Deus me proteja de amigos e parentes, que dos inimigos cuido eu. Acho que colhi esse sábio pensamento no Alcorão. Ou entre as máximas de Confúcio? Talvez, nas "Seleções" do Reader"s Digest.

Em qualquer caso, de fonte impecável. A norma se aplica a ocupantes de cargos públicos e poderosos em geral. Nas democracias modernas, bom exemplo dos perigos nessa área é a história do presidente americano Jimmy Carter.

Varão de Plutarco de carteirinha, ele voou sem escalas de governador da Geórgia, estado onde enricara como plantador de amendoim, para a Casa Branca. Foi presidente notável pela honestidade e pela inexperiência. Essa combinação fatal já impediria que se reelegesse, mas ajudaram bastante as trapalhadas do deslumbrado irmão Billy, tipo clássico de falso espertalhão. O caçula tentou pelos meios mais ridículos faturar o parentesco: chegou até a assinar um contrato de lobista com o governo da Líbia, na época inimiga visceral dos Estados Unidos.

O presidente Lula não pode se reeleger, mas precisa fazer o sucessor. Tanto para manter o PT no poder como para proteger a biografia. Até agora, ela tem sido preservada com sucesso de deixar um Jimmy Carter roído de inveja: variados escândalos associados à administração petista produzem ondas e mais ondas - e todas chegam aos jardins do Alvorada transformadas em dóceis marolas.


Caem ministros, dirigentes petistas são mandados para Elba, mas o Grande Inquilino permanece intocado. Variados erros administrativos e negociatas político-financeiras (forma peculiar, mas é isso mesmo) chegam à sua porta e não entram. Sequer batem.

Ainda assim, não é impossível que uma tentativa de corrupção pequena, tão rasteira quanto incompetente, acabe abalando a imagem do presidente.

Gravações da Polícia Federal mostram o seu irmão Vavá metido até o pescoço em promessas e tentativas de tráfico de influência - e indicam que Lula sabe de tudo. Num telefonema, um suposto enviado do presidente informa que ele quer conversar com Vavá sobre "algumas broncas". O Irmão do Homem promete ir a Brasília. Até ontem isso não acontecera.

Não se sabe se deu certo alguma das canhestras tentativas de advocacia administrativa do desenvolto parente. Pouca diferença faz: incompetência na corrupção não é desculpa para que o Grande Parente proteja o malandro debaixo de um tapete do Alvorada.

O que Vavá andou fazendo, como mostram as gravações, configura crime. Um simples pito numa conversa a dois, mesmo com juras de bom comportamento daqui para a frente, não limpará a pedra. Nem a de Vavá nem a do irmão, caso tente bloquear inquérito e processo criminal.

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