O Unger do hungry

Mangabeira troca acusações por elogio

Riomar Trindade
Correio Braziliense
20/6/2007

Um ano e meio depois de classificar o governo Lula como o mais corrupto da história do Brasil, filósofo assume cargo exaltando a “magnanimidade” do presidente e provocando uma demissão no Palácio


Confiante e prometendo dar “braços e asas ao dinamismo reprimido da Nação”, o filósofo Roberto Mangabeira Unger, 60 anos, assumiu ontem a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo da Presidência da República, deixando no rastro de sua nomeação muita polêmica e o pedido de demissão do coronel Oswaldo Oliva Neto, que ocupava o cargo de secretário-geral do Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE), agora sob o guarda-chuva da nova secretaria. Sócio fundador do PRB e afilhado político do vice-presidente da República, José Alencar, o professor de direito da Universidade de Harvard (EUA) tocará essa espécie de “ministério do futuro” com o foco na adoção de políticas públicas de desenvolvimento sustentável. Ainda ao longo desta semana, a secretaria de Mangabeira ganhará o reforço do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), transferência que causou insatisfação ao ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.

Na opinião de Mangabeira, o Brasil agora pode ficar em pé, por força, segundo ele, de duas circunstâncias: a primeira é que o país não está mais de joelhos diante do dinheiro de fora e pode caminhar com suas próprias pernas e, a segunda circunstância, é que na eleição presidencial passada o povo pobre e o trabalhador não deixou que lhe formassem o juízo e, ao rejeitar tutelas, reconciliou-se consigo mesmo. “Do encontro dessas duas circunstâncias resulta o momento mágico na história do nosso país”, afirmou. Ele identificou o surgimento de uma “nova vanguarda, vinda de baixo, de emergentes e trabalhadores”. Na sua visão, essa parcela da sociedade, embora espoliada de acesso ao trabalho e ao conhecimento, “constrói nova cultura de auto ajuda e iniciativa”.

Carioca, filho de pai norte-americano e mãe brasileira, Mangabeira defendeu uma nova ordem política e econômica que assegure a primazia dos interesses do trabalho e da produção. Ele salientou que o Brasil tem idéia clara a respeito do futuro, faltando apenas “confiança em nossa própria originalidade coletiva”. Disse que a tarefa para qual foi convocado é a de ajudar a engajar todos os setores do governo e da sociedade na definição do rumo nacional. “Senhor presidente, ao convocar-me para esta tarefa o senhor demonstrou magnanimidade. Critiquei com veemência e combati com ardor seu primeiro governo. A magnanimidade tem duas raízes: grandeza interior e preocupação com o futuro”, desculpou-se Mangabeira das ácidas críticas feitas ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em artigo publicado em novembro de 2005, na Folha de S.Paulo, Mangabeira escreveu: “Afirmo que o governo Lula é o mais corrupto de nossa história nacional. Corrupção tanto mais nefasta por servir à compra de congressistas, à politização da Polícia Federal e das agências reguladoras, ao achincalhamento dos partidos políticos e à tentativa de dobrar qualquer instituição do Estado capaz de se contrapor a seus desmandos.”

Ontem, Lula esqueceu as críticas do agora ministro, elogiou o filósofo e preferiu apostar no futuro. Sugeriu a Mangabeira, como já havia feito ao coronel Oliva, pensar em longo prazo tendo em mente 7 de setembro de 2022, data do bicentenário da Independência. Na opinião do chefe do Executivo, o governo, o Congresso e a sociedade precisam pensar o Brasil para daqui a 20 anos, 30 anos, pensar um Brasil possível de construir. “É por isso, meu caro Mangabeira, que você está guindado a fazer parte deste governo. É colocar sua inteligência a serviço de outras inteligências. A tua função é despertar um pouco uma parcela da sociedade que está adormecida nas universidades, na academia. Mas também fazer a boa provocação àqueles que nós chamamos de deserdados, que ainda não tiveram a oportunidade de conquistar sua cidadania”, disse Lula.

Memória
Pressão para retirar convite

A escolha de Roberto Mangabeira Unger para ocupar a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, com status de ministro, no segundo governo petista, feita em abril pelo presidente Lula, nunca foi unanimidade no Palácio do Planalto. Muito pelo contrário, durante o longo período de espera até sua posse, interlocutores graduados do chefe do Executivo tentaram dissuadi-lo a retirar o convite.

Primeiro, Lula demonstrou insatisfação ao saber que o filósofo havia ingressado com uma ação na Justiça dos Estados Unidos contra a Brasil Telecom, empresa da qual é trustee, uma espécie de consultor para resolver um problema definido. Mangabeira cobrava honorários da BrT na Justiça, mas a empresa nega o débito.

Mais recentemente, em 23 de maio deste ano, o professor de direito de Harvard enviou uma carta a um juiz de Massachussetts manifestando o desejo de continuar como trustee da Brasil Telecom. Nessa carta, Mangabeira insinua que sua presença no governo federal e o tempo que passará no Brasil, além de suas viagens freqüentes aos Estados Unidos – seus filhos ainda estudam lá – poderia “ecoar em benefício do Trust”. A Brasil Telecom tem entre seus principais acionistas os fundos de pensão estatais Previ (Banco do Brasil), Funcef (Caixa Econômica FederaL) e Petros (Petrobrás).

Do ponto de vista político, Mangabeira foi partidário do falecido ex-governador Leonel Brizola (PDT), participou da campanha presidencial do atual deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE) em 2002 e apoiou a campanha de Ciro no ano passado. O professor de direito de Harvard é o segundo político ligado a Ciro Goomes a ganhar cargo no Palácio do Planalto. O primeiro foi o ministro de Relações Institucionais, Walfrido Mares Guia (PTB-MG).

Sócio fundador, vice-presidente e principal ideólogo do PRB, Roberto Mangabeira Unger tem dois padrinhos políticos fortes: o vice-presidente José Alencar (PRB-MG) e o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), este também com trânsito livre no Planalto. O PRB é o braço político da Igreja Universal do Reino de Deus, de Crivella. (RT).

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