Um desastre com várias versões




BRASÍLIA. As causas do maior acidente aéreo da história do país ainda estão envoltas em mistério. Ontem, a TAM, especialistas de segurança de vôo e autoridades do governo desafinaram ao tentar encontrar as razões para a tragédia. A empresa evitou vincular o acidente do vôo JJ 3054, que causou a morte das 186 pessoas a bordo, ao estado da pista principal do Aeroporto de Congonhas, que havia passado por reforma recente mas ainda estava sem as ranhuras transversais.

Chamadas de grooving, as ranhuras são necessárias para o escoamento de água. Sem isso, o piso empoça e causa aquaplanagem, dizem pilotos experientes que operam em Congonhas. Para eles, apesar de reformada, a pista de pouso pode ter dificultado a aterrissagem. Congonhas tem um histórico de incidentes com derrapagem. Não por acaso, na véspera da tragédia, um avião de médio porte foi parar na grama em razão da pista úmida.

O presidente do Sindicato Nacional dos Aeroportuários, José Gomes de Alencar Sobrinho, deu combustível à polêmica. Disse que a liberação da pista foi prematura e se deu por pressão comercial exercida pelas companhias aéreas por causa do Pan e das férias.

- A drenagem da pista não foi feita e ela é parte do processo de segurança. Houve precipitação - disse.

Na mesma linha da TAM, o superintendente de engenharia da Infraero, Armando Schneider Filho, contrariando especialistas, pilotos e seis casos ocorridos no ano passado, afirmou que a pista não oferece riscos de derrapagem e que foi liberada depois de estudos confiáveis.

Outros especialistas, no entanto, apontaram possível falha humana. O piloto poderia ter descido bem depois da marca de mil pés - 300 metros da cabeceira da pista - e a desaceleração com todos os procedimentos teria sido insuficiente para parar o avião.

Moacyr Duarte, estudioso em controle de emergências da UFRJ, disse que o piloto pode ter tentando retomar o vôo - a expressão usada é arremeter - mas seria tarde. Um vídeo divulgado ontem pela Aeronáutica mostra o momento exato do pouso do avião Airbus A320, da TAM. Pelas imagens, o avião leva pouco mais de três segundos para atravessar a pista do Aeroporto de Congonhas. De acordo com a Aeronáutica, isso indicaria que a aeronave estava com excesso de velocidade. Isso porque o mesmo vídeo mostra que um avião semelhante, que pousou no Aeroporto de Congonhas no dia fatídico, precisou de 11 segundos para atravessar a pista do terminal.

Na tentativa de encontrar as causas para a maior tragédia da aviação brasileira, a Polícia Federal abriu inquérito ontem para investigar as condições em que foram entregues as obras do Aeroporto de Congonhas e quem deu a ordem, na Infraero, liberando a pista inconclusa. O último balanço feito ontem à noite apontava a morte de 192 pessoas, 186 deles ocupantes da aeronave - 162 passageiros, 18 funcionários da companhia e seis tripulantes - e mais seis pessoas em terra. Mas ainda há pessoas desaparecidas.

A caixa-preta do avião foi encaminhada ontem ao National Transportation Safety Board, nos Estados Unidos. Seu conteúdo esclarecerá a falha que originou a tragédia. Por precaução, os procuradores da República paulistas Fernanda Taubemblatte e Márcio Araújo pediram ontem à Justiça Federal a imediata suspensão de pousos e decolagens, até que sejam confirmadas as condições de segurança das duas pistas por uma perícia independente do governo, e até que seja concluída a investigação da Aeronáutica.

Em entrevista no início da noite, o brigadeiro-do-ar Jorge Kersul Filho, que chefia o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), informou que as investigações sobre o acidente do vôo 3054 da TAM deverão durar 10 meses. Segundo Kersul, a média mundial para esse tipo de investigação é de 18 meses.

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