A Vale e a dívida

Artigo de Celso Ming publicado hoje no jornal o Estado de São Paulo.

Se for confirmada a incorporação da mineradora suíça Xstrata pela Vale, nos termos divulgados, não poderá ser ignorado o impacto do negócio sobre a dívida externa.

O projeto inicial, sujeito ainda a voltas e reviravoltas, prevê não apenas o pagamento de cerca de US$ 35 bilhões em ações preferenciais da própria Vale, mas, também, o de uma parcela de aproximadamente US$ 50 bilhões em dinheiro vivo a ser providenciada por empréstimo concedido por um pool de bancos.

Hoje a dívida externa brasileira bruta alcança cerca de US$ 200 bilhões. Como mostra a tabela, o último dado divulgado pelo Banco Central é de dezembro, que aponta um saldo de US$ 197,7 bilhões. Desse total, apenas US$ 70,1 bilhões constituem passivo do setor público, a parcela que o mercado denomina dívida soberana. Os demais US$ 127,6 bilhões são compromissos do setor privado brasileiro (empresas e instituições), incluídas aí as obrigações de curto prazo.

Como as reservas externas alcançam US$ 189 bilhões, a dívida externa brasileira líquida, que inclui o passivo do setor privado, é irrelevante; não é superior a US$ 11 bilhões. Mas, se a Vale brasileira tomar um empréstimo de US$ 50 bilhões, a dívida externa bruta dará um salto de 25%.

Se, por exemplo, a operação viesse a ser fechada pela canadense Inco, incorporada pela Vale em outubro de 2006, a dívida externa brasileira não aumentaria. Mas a Inco não parece ter patrimônio suficiente para assumir um passivo dessas proporções.

A questão não é apenas teórica. As agências de classificação de risco têm argumentado que uma das razões pelas quais ainda não foi conferido o grau de investimento aos títulos de dívida do Brasil é a de que a dívida externa total ainda é maior do que as reservas externas em poder do Banco Central. É um argumento capenga porque a classificação de risco alcança apenas a dívida soberana (dívida pública); não se estende à dívida privada. Em todo o caso, ele vem sendo usado para justificar essas demoras, sob o argumento de que, no Brasil, o monopólio do câmbio deixa as empresas dependentes do Banco Central no suprimento de moeda estrangeira para pagamento de compromissos no exterior. E se a dívida der um salto assim, esse argumento poderia, em princípio, ser usado para justificar novos adiamentos para o reconhecimento do grau de investimento.

Nas últimas semanas, setores nacionalistas vêm criticando a proposta de compra de empresas lá fora por grandes corporações brasileiras. Na base dessas críticas está a idéia de que um país em desenvolvimento como o Brasil não deveria exportar investimentos, especialmente se os recursos provêm de endividamento externo. Deveria, argumentam, aplicá-los no País, onde as necessidades de capital são maiores.

Esse raciocínio está viciado porque não leva em conta dois fatores. O primeiro deles é o de que não fechar negócios assim é deixar a oportunidade para os chineses e fundos soberanos de outros países. O segundo é o de que o investimento no exterior hoje é garantia de entrada futura de lucros e, portanto, de maior capacidade de investimentos, dentro ou fora do País. E aumenta a capacidade de pagamento da dívida externa brasileira.

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