Entrevista de Jarbas Vasconcelos: quem cala consente

O que disse sobre as acusações de Jarbas Vasconcelos a noiva mais cortejada do Brasil?

― Silêncio dos inocentes?

A Veja diz que não.

Fundado em 1965, o Movimento Democrático Brasileiro, o então MDB, sobreviveu como alternativa institucional de oposição ao regime militar por vinte anos. A partir da chegada de José Sarney à Presidência, em 1985, o partido perpetuou-se no poder, usando a máquina pública como principal financiador de seu projeto. O resultado não poderia ser outro. São raros os casos de corrupção nas últimas duas décadas que não tenham as digitais do PMDB. O partido foi governo com Sarney, esteve no governo de Fernando Collor, foi governo com Itamar Franco, esteve no governo de Fernando Henrique Cardoso e está no governo Lula. São quase 25 anos de um ciclo vicioso. O gigantismo do partido garante a governabilidade e a governabilidade garante o gigantismo do partido. Hoje, o PMDB ocupa seis ministérios, governa oito estados e tem dezenas de cargos em autarquias e estatais, principalmente nas diretorias financeiras. Somando as esferas federal, estadual e municipal, o PMDB controlará em 2009 um orçamento de cerca de 365 bilhões de reais. É mais do que o triplo do orçamento da Argentina, cuja previsão para 2009 é de 106 bilhões de reais. Nos estados, o PMDB está na base de sustentação de 22 dos 27 governadores, tomando parte na gestão realizada por partidos que vão de um extremo ao outro do espectro ideológico. "O PMDB faz aliança com Deus de um lado e com o diabo de outro, para conseguir governar, ao mesmo tempo, o céu e o inferno", compara o cientista político Gaudêncio Torquato, da Universidade de São Paulo.

Céu ou inferno, não existe tempo ruim para os peemedebistas mais apaixonados. Veja-se, por exemplo, o caso do ex-governador mineiro Newton Cardoso. Político esforçado, o Newtão. No mês passado, VEJA revelou detalhes do processo de separação conjugal do ex-governador e da deputada Maria Lúcia Cardoso. Na ação, ela alega que o marido possui nada menos do que 2,5 bilhões de reais de patrimônio. A reportagem fez Newtão perder as estribeiras. Convocou uma entrevista para dizer que, na verdade, sua fortuna é superior a 3 bilhões de reais. Só não explicou como conseguiu amealhá-la. Nem precisa, não é, Newtão? Fenômeno igual a ele, só mesmo em Brasília, onde o ex-senador Joaquim Roriz, que governou o Distrito Federal por quatro mandatos, conseguiu multiplicar seu patrimônio em 400 vezes.

O que disse sobre as acusações de Jarbas Vasconcelos: Silêncio

Comandantes de um orçamento bilionário e movidos por interesses escusos, os políticos do PMDB são os campeões em processos nos tribunais superiores. Oito dos vinte senadores do partido respondem a inquéritos e ações penais no Supremo Tribunal Federal por crimes como corrupção, formação de quadrilha, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, compra de votos e sonegação fiscal. Jarbas Vasconcelos, é bom ressaltar, não está na lista. Seus adversários, porém, capricham na folha corrida. Além do triunvirato, há outros figurões com o mesmo perfil. O senador Valdir Raupp, que entregou a liderança do PMDB a Renan, responde a quatro processos, um deles pela acusação de ter desviado 1 milhão de reais quando governava Rondônia. O senador Romero Jucá, líder do governo, é processado por desvio de recursos de obras federais em Roraima. O senador Leomar Quintanilha, presidente do Conselho de Ética – um cargo que deveria ser ocupado por alguém acima de qualquer suspeita –, é acusado pelo Ministério Público de já ter recebido propina de empreiteiras. Na Câmara dos Deputados, o cenário não é menos desolador. Dos 94 deputados do partido, dezoito respondem a processo no Supremo. E, entre os sete governadores que podem ser cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral por crimes diversos, dois são do PMDB (veja reportagem).

Há um episódio que ilustra bem a engrenagem de corrupção denunciada pelo senador Jarbas Vasconcelos. Deflagrada pela Polícia Federal em 2007, a chamada Operação Navalha revelou que o empreiteiro Zuleido Veras, dono da construtora Gautama, conquistava obras públicas mediante o suborno de uma ampla rede de colaboradores no mundo político. VEJA teve acesso à íntegra das provas produzidas até agora pela PF, que continua investigando o esquema do empreiteiro. Esses documentos inéditos demonstram que, quando precisava de favores em Brasília, a turma de Zuleido recorria à bancada do PMDB no Senado. Uma troca comercial simples: o partido providenciava os serviços solicitados e Zuleido pagava por eles – especialmente por ocasião de campanhas eleitorais. As obras de ampliação do aeroporto de Macapá, no Amapá, constituem um bom exemplo dessa relação promíscua. A Infraero só licitou a obra, no fim de 2004, após pedido do senador Sarney ao presidente Lula. Até aí, nada mais natural – Macapá é reduto eleitoral do senador. A partir desse momento, contudo, começou a girar a roda da fortuna estabelecida pelo empreiteiro. Com "técnicos" instalados em postos-chave do governo, a Gautama conseguiu fraudar a licitação e assinar um contrato superfaturado em 50 milhões de reais.

O que disse sobre as acusações de Jarbas Vasconcelos: Silêncio

A PF conseguiu reunir provas – como comprovantes de depósitos bancários, diálogos telefônicos, planilhas de propina – que mostram como o dinheiro público roubado foi rateado: parte abasteceu campanhas eleitorais, parte foi parar diretamente no bolso dos envolvidos. Numa planilha apreendida na residência de Zuleido, constam 500 000 reais em contribuições de campanha no Amapá, por orientação de Sarney, chamado de "PR" (presidente). Segundo a Polícia Federal, a promiscuidade era tamanha que um dos lobistas da empreiteira, chamado de José Ricardo, despachava dentro do gabinete do senador Sarney. Há comprovantes de depósito para assessores dos senadores Renan Calheiros, Valdir Raupp e Roseana Sarney. Há anotações que sugerem repasses de propina ao senador Romero Jucá, cujo patrimônio declarado é de 512 000 reais – quase um pedinte dentro do padrão de seus pares. Um dos encarregados de cobrar os pagamentos era Ernane Sarney, irmão do presidente do Congresso, que recebeu de Zuleido um depósito de 30 000 reais. Num diálogo interceptado em abril de 2007, Ernane pede dinheiro ao tesoureiro da Gautama. "Vocês estão me enrolando. Já não estava tudo na mão? Eu tô com a corda no pescoço aqui, rapaz, o doutor também tá com a corda no pescoço", explica o irmão de Sarney. Diz o cientista político Rubens Figueiredo: "O PMDB sabe que o partido é exatamente isso que o senador Jarbas Vasconcelos falou. Essa reação de silêncio sinalizou à opinião pública que a carapuça serviu".

O PMDB é apenas o caso mais espetacular da corrupção que impregna o mundo político brasileiro. Nenhuma agremiação, absolutamente nenhuma, pode ser considerada uma vestal no trato com o dinheiro público. Se a situação chegou a esse ponto de degradação, isso se deve, principalmente, à secular impunidade que viceja no país. Dá para reverter esse quadro? Dá, mas é preciso dar os primeiros passos. VEJA gostaria de sugerir alguns deles:

• Priorizar a punição nas altas esferas
Existe um entendimento tácito entre juízes brasileiros de que cadeia é para criminosos que representam um risco para a sociedade. "Por esse motivo, crimes do colarinho-branco não são punidos com a mesma seriedade que um assalto a mão armada", diz Roberto Livianu, promotor de Justiça de São Paulo e autor do livro Corrupção e Direito Penal. O desvio de milhões de reais que deveriam ser usados para salvar vidas no sistema de saúde, por exemplo, também é uma forma de violência, diz ele. Livianu propõe uma maneira de criar um atalho para a punição rápida e exemplar de corruptos de alto gabarito. Trata-se de formar uma força-tarefa, composta principalmente de promotores e juízes, com amplos poderes para processar ocupantes de cargos públicos de destaque e empresários envolvidos em negócios ilícitos com o dinheiro do contribuinte. O modelo a ser imitado é o da Operação Mãos Limpas, na Itália, que levou à prisão três centenas de políticos e servidores no país. "Isso provocaria um choque pedagógico em toda a hierarquia do poder público", afirma.

• Aumentar o risco político e financeiro da corrupção
"No Brasil, lucra-se tanto com a corrupção, e a probabilidade de ser punido é tão pequena, que o risco compensa", diz Lizete Verillo, diretora da ONG Amarribo. Nada apavora mais um corrupto, seja qual for o lado do balcão das negociatas ocupado por ele, do que a perda do seu poder econômico – o que, inclusive, afeta diretamente sua capacidade de comprar favores e privilégios. Obrigar a devolução do montante desviado é pouco. Seria mais eficiente aperfeiçoar a lei para permitir o confisco do patrimônio integral do acusado. Assim, se o desvio de dinheiro público foi de 1 milhão de reais, mas o patrimônio do corrupto é de 50 milhões, a Justiça deveria ser capaz de bloquear tudo. Para que isso seja possível, é preciso também haver uma maior cooperação internacional entre a Justiça brasileira e a de outros países. Outra medida necessária é derrubar o foro privilegiado para políticos, no caso de crimes comuns. Eles se beneficiam dessa prerrogativa para responder a processos criminais apenas perante tribunais superiores. Com isso, conseguem reduzir as possibilidades de punição, pois os tribunais não têm estrutura para colher provas contra eles.

• Estreitar a boca do cofre
Simplesmente reduzir o gasto público não é garantia de menos roubalheira. Se assim fosse, seria possível concluir que a corrupção em obras de infraestrutura no Brasil diminuiu, já que o investimento atual do Ministério dos Transportes, por exemplo, é, em dados porcentuais, quase um décimo do registrado na década de 70. "Na verdade, quando o poder público reduz os investimentos, a disputa pelos contratos fica mais acirrada, o que inflaciona o valor das propinas", diz o economista Raul Velloso. Ele aponta outra maneira de estreitar a boca do cofre para reduzir as oportunidades de corrupção: sempre que possível, tirar o governo de atividades que envolvem empreiteiras e prestadores de serviços públicos. Um exemplo que funciona bem é o da concessão de rodovias. Uma vez definidos os preços e feito o contrato, o estado não precisa mais ficar às voltas com a gestão diária daquela atividade. Cabe a ele apenas o papel de fiscalizador.

• Profissionalizar a gestão pública
Na administração federal, há mais de duas dezenas de milhares de cargos de confiança, aqueles que são preenchidos por indicação. "Essa prerrogativa, garantida na nossa Constituição, leva ao loteamento do estado por critérios políticos e interesses pessoais", diz Claudio Weber Abramo, diretor-geral da ONG Transparência Brasil. Ele propõe uma reforma constitucional para limitar drasticamente a capacidade dos governantes de preencher cargos comissionados. O efeito seria o incentivo à contratação de funcionários por critérios profissionais, em que se leva em conta o mérito do candidato, e não sua filiação político-partidária. Ganha-se em duas frentes: na qualidade da administração pública e no fim do uso da máquina estatal em proveito próprio. Isso também pode ser incrementado por meio da criação de indicadores de desempenho, com o objetivo de avaliar os avanços em áreas específicas, como educação e saúde. "Quando há indicadores confiáveis, divulgados regularmente, fica mais fácil controlar a corrupção", diz o economista Marcos Fernandes, professor da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo. A explicação é que o mau uso do dinheiro público afeta diretamente a qualidade dos indicadores, exigindo mais profissionalismo para recuperá-los. Fernandes dá o exemplo dos gastos com policiamento no estado de São Paulo, cuja eficiência melhorou muito depois que o governo começou a compilar e divulgar com mais frequência os índices de criminalidade.

• Incentivar a denúncia dos corruptores
Pela lei brasileira, quando alguém oferece uma comissão para ter acesso a alguma vantagem, está cometendo um crime de corrupção ativa. "No Brasil, são raros os processos por corrupção ativa, porque quase ninguém os denuncia", diz Roberto Livianu. Os casos que vêm a público em geral se referem ao crime de concussão, em que uma pessoa é pressionada a pagar a propina, mas se nega a fazê-lo e coloca a boca no trombone. Resultado: quem põe a mão no bolso para corromper não é punido. "Para mudar esse quadro, o Brasil deveria ter programas de delação premiada e de proteção à testemunha específicos para esse tipo de crime", diz a socióloga Rita de Cássia Biason, professora da Universidade Estadual Paulista, em Franca. Ela dá o exemplo do caseiro Francenildo Costa, autor de denúncias que derrubaram o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Em vez de ser premiado por sua atitude, ele foi massacrado por ter contado o que sabia. Isso desestimula outros cidadãos a fazer o mesmo.

Com reportagem de Expedito Filho, Marana Borges e Raquel Salgado

Comentários

Postagens mais visitadas