O Bolsa Família de novo

(*) Marcos Coimbra 

Quando se critica, mesmo que veladamente, seu gigantismo, o que se quer dizer? Que é melhor que o programa seja diminuído, deixando de fora milhões de pessoas necessitadas?

Quando se discute o Bolsa Família, é fácil, para quem não precisa dele, centrar o foco em sua escala. Em vez de avaliá-lo pelo que faz, pelo seu impacto nas condições de vida das populações beneficiadas ou nas comunidades onde está em funcionamento, toda a ênfase é posta nos números.

É como se o programa tivesse um problema constitutivo, uma espécie de pecado capital: seu tamanho. Quem pensa assim acha que ele é, a estas alturas, “grande demais”.

Que ele é grande, ninguém discute. Hoje, o Bolsa Família é, de longe, o maior programa social em execução no Brasil. E, embora as comparações internacionais sejam difíceis em casos como esses, ele se tornou um dos maiores do mundo em seu gênero. Se pensarmos apenas nos programas de complementação monetária da renda de populações pobres, o maior.

Seria possível fazer essas constatações com satisfação. Não que seja bom que um país precise ter o maior programa do mundo desse tipo, mas que ele exista aqui, onde é tão necessário. Sua execução e sua escala podem ser vistas como exemplos da capacidade que nosso sistema político tem de fornecer alguma resposta às necessidades da população, desenvolvida ao longo de sucessivos governos e fortemente impulsionada pelo atual.

Há, no entanto, quem olhe os números do Bolsa Família com suspeição. Para essas pessoas, ele teria ultrapassado seu porte adequado, agigantando-se. Qual seria seu tamanho “ótimo”, não se diz. Talvez o de programas do passado mais longínquo, como algumas iniciativas sociais dos primeiros governos militares, que nada mais eram que gestos simbólicos. Ou seja: programas de transferência de renda, sim, desde que modestos.

Agora mesmo estamos vendo uma crítica desse tipo, em alguns veículos de imprensa. Neles, o nível de cobertura do Bolsa Família em estados do Nordeste e do Norte é apresentado em tom de denúncia, como se fosse evidência de algo errado que o governo Lula faz sub-repticiamente. Implícita, a suspeita de que o programa ficou “tão grande”, passou de seu “tamanho justo”, pela malícia de alguém.

Nesse raciocínio, o atual governo teria levado o programa a esse tamanho não para beneficiar pessoas carentes, mas para se beneficiar. Trata-se de argumento conhecido, que poderia ser usado para qualquer programa, de qualquer governo, que se mostra eficaz no enfrentamento de situações de extrema pobreza.

É verdade que existem centenas de municípios brasileiros em que o Bolsa Família é a maior fonte de renda local. É igualmente verdade que em muitos estados a maioria das famílias recebe algum tipo de transferência através do programa. Nada ganhamos na sua compreensão, porém, se uma matemática duvidosa for usada para ampliar a sensação de que ele “cresceu demais”.

Um dos equívocos é misturar os conceitos de população e eleitorado. A cobertura da primeira pode não ser a mesma do segundo, pois a proporção de crianças nas famílias beneficiárias introduz mudanças significativas nos cálculos. Assim, é verdade que mais de 23% da população pertence a famílias inscritas no programa, mas são 19% os eleitores que vivem em domicílios onde um morador recebe.

Pode-se considerar muito que um, em cada cinco eleitores, seja beneficiário de um programa como ele. Mas mais grave é que, no mínimo, um em cada cinco precise disso.

Quando se critica, mesmo que veladamente, seu gigantismo, o que se quer dizer? Que é melhor que o programa seja diminuído, deixando de fora milhões de pessoas necessitadas?

É indispensável que programas com objetivos como os dele se esforcem para reduzir o tamanho da população atendida. Mas ninguém pode esperar que isso seja alcançado, em escala significativa, no intervalo de poucos anos. Por muito tempo, teremos que conviver com algum tipo de Bolsa Família.

(*) Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

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