Internet, eleição e regulamentação

* Joaquim Falcão

O projeto de lei do deputado Flávio Dino para as próximas eleições corre contra o tempo. Aprovado pela Câmara dos Deputados, tramita agora no Senado. Tudo tem que estar pronto até setembro. A parte sobre internet desperta paixões radicais. Não é de espantar. A rede mundial de computadores é o principal mobilizador do futuro. Afeta o mercado político, candidatos e partidos. Tende a ser também o grande anunciante eleitoral. É questão de venda de tempo e espaço. Afeta televisão, imprensa e provedores, o business da comunicação. Todos esses interesses de amanhã estão em jogo hoje. Sem falar que, nestas épocas de ativismo judicial, a harmonia competitiva entre Judiciário e Congresso está à flor da pele.

Qualquer análise minimamente isenta da futura regulamentação deve levar em conta pelo menos três vetores interligados. Primeiro há que se escapar do simplismo reducionista: regulamentar ou desregulamentar. Não é Hamlet. Há que se definir uma regulamentação para o período eleitoral, de campanha, diferente da da fase anterior. Neste, a regulamentação tem que ser a mais próxima possível da mais ampla liberdade. Naquele, a legislação tem que ser mais restritiva, para assegurar justa competição entre os candidatos e a independência do eleitor. É a nossa tradição de sucesso do horário eleitoral.

No fundo, esse horário é tentativa de regular a influência da mídia tradicional no mercado político. De produzir uma concorrência equalizadora entre candidatos e partidos. A dificuldade do legislador, e posteriormente do juiz, é distinguir: dosar liberdade e restrição nos diferentes tempos eleitorais.

Dificuldade aumentada porque o tempo da mobilização cidadã-tecnologica é muito mais espraiado, dissolvente e dissolvido, do que o tempo da mobilização partidária.

O segundo vetor é a dificuldade que a internet traz para se distinguir o mais claramente possível o que seja comunicação e informação e o que seja propaganda e publicidade. Na atual legislação, os papéis na relação comunicativa eleitoral foram bem definidos: de um lado, produtores — mídia, partidos e candidatos —, de outro, os consumidores, os eleitores. Essa técnica normativa facilitou o legislar. A lei eleitoral estruturou-se sobre essa tipologia. Tornou-se possível, quase preciso, responsabilizar, vigiar e punir. Agora, não mais.

Todos podem ser ao mesmo tempo produtores e consumidores de informação eleitoral e, potencialmente, com até mais influência do que a mídia tradicional. Na interatividade tecnológica, os papéis são potencialmente indissociáveis. Pior, como diz o professor Bruno Magrani, a comunicação não é mais somente síncrona, é assíncrona também.

A informação e comunicação entre cidadãos, nas redes sociais, blogs, sites, tem que ser a mais livre possível, todo o tempo. Já a publicidade e propaganda, menos. Mas como distinguir quem está consumindo informação de quem está produzindo e fazendo propaganda, sobretudo propaganda não paga? Como distinguir o que é informação e comunicação do que é propaganda e publicidade eleitoral? Distinguir pelo conteúdo, caso a caso, pela Justiça Eleitoral, esqueça. Será um engarrafamento súbito e irresolvível. Distinguir pelo autor da comunicação? Pelo fato de ser paga ou não? Os padrões culturais tradicionais que ajudavam a separar informação jornalística de informe publicitário foram construídos na era sem interatividade.

O terceiro vetor é: como regulamentar o futuro sem a mínima experiência do passado? Todos os países estão tateando em matéria de regular a internet. O Brasil não é os Estados Unidos. Podemos ser melhores. E em Justiça Eleitoral temos sido.
A única certeza que temos desde já é que a direção legislativa está certa. A atual proposta da Câmara dos Deputados ou a que vier a ser definida pelo Senado Federal já é um avanço em relação ao uso da internet nas últimas eleições. Poderá ser um instrumento de captação de recursos para os partidos e para os candidatos. Poderá ser instrumento difuso, descentralizado, de debates políticos sem donos. Gerador de propostas encharcadas do Brasil real, e melhor. Mais transparências sobre os candidatos, seu currículo, pecados e sonhos. Fundamental para estreitar as redes sociais, sejam elas virtuais ou não. O importante é reconhecer a complexidade da tarefa, e evitar debates maniqueístas. Mesmo porque esses debates são rápida e democraticamente desconstruídos a cada três minutos na internet.

* Joaquim Falcão
Diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (RJ) e membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

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