Desgaste à vista
Dora Kramer - Aumento maquiado
O Estado de S. Paulo
21/11/2006
O discurso está pronto, a justificativa também, só falta o documento oficial - a conclusão de um estudo encomendado à Fundação Getúlio Vargas - para dar substância técnica ao álibi.
A partir daí, será uma questão de tempo e de produção de sofismas em profusão para que se ponha à mesa abertamente um assunto subjacente aos debates sobre as campanhas às reeleições dos presidentes da Câmara e do Senado: o aumento de R$ 12.847,20 para R$ 24.500 nos salários-base de deputados e senadores.
A desculpa é a de sempre: os parlamentares necessitam receber proventos condignos e para isso é preciso equipará-los salarialmente ao teto do funcionalismo, dando a eles salários iguais aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
A velha história desta vez vem embrulhada numa embalagem tão vistosa quanto enganosa. Há algum tempo o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, pediu à FGV um trabalho sobre "racionalização" dos custos da Casa.
Para todos os efeitos, o que se pretende é reduzir gastos, mas, na verdade, o objetivo é descobrir um meio de dar os aumentos sem elevar despesas, de forma a amenizar o impacto na opinião pública e, conseqüentemente, facilitar a aprovação.
Como a única eleição à vista é interna e nessas situações o Parlamento importa-se muito pouco de atuar de costas para a sociedade, é bastante provável que dê certo.
Depois de um longo período de "seca", suas excelências conseguiram em 2003 elevar seus salários de R$ 8 mil para os atuais R$ 12.847, na época o equivalente ao teto do funcionalismo.
Como esse teto subiu para R$ 24.500, reivindicam o mesmo. É uma proposta singela: reajuste de cerca de 200% para um período de 28% de inflação acumulada.
Terão tido algum mérito especial os parlamentares para se apresentarem ao País com tal reivindicação? Melhoraram seus serviços, deixaram de fazer semana de dois, no máximo, três dias? Abandonaram o hábito de mercadejar seus votos em troca de cargos e favores?
Nos últimos anos, ao contrário, só fizeram dar motivos para decair no conceito da população que os paga, elege em regime de voto obrigatório e não recebe de volta nem um mísero troco, nem uma pequena compensação em forma de correção de conduta.
Agora mesmo preparam-se para desfazer, com absolvições e acochambros, o bom trabalho da primeira fase da CPI dos Sanguessugas - um sucesso em boa medida porque na época o Congresso estava esvaziado por causa da campanha eleitoral.
Há, é claro, parlamentares menos afetos à desfaçatez total, sendo um deles o próprio presidente da Câmara, Aldo Rebelo, que oficialmente nega a existência de uma proposta corrente entre deputados e senadores. Diz que seu compromisso é com a redução de gastos, mas não assume claramente posição contrária aos aumentos. O presidente do Senado, Renan Calheiros, tampouco se manifesta a respeito.
O grupo dos docemente constrangidos não chega a admitir a óbvia distorção, mas apresenta, para aceitar o reajuste, "exigências" tais como o fim das verbas extras para financiamento de gabinetes nos Estados e a não ampliação das despesas globais do Legislativo.
Um disfarce pretensamente de natureza moral, mas que não altera o resultado final e muito menos explica por que, afinal de contas, existe a necessidade de deputados e senadores ganharem os proventos máximos se o teto fixado em lei não significa obrigatoriedade. É só isso: um teto.
Quanto às verbas extras, elas não foram revogadas quando do último aumento e não o serão agora, caso haja mesmo elevação de salários.
Dar-se-á a situação de sempre. Aprova-se o reajuste, mantêm-se as verbas e quem quiser que faça a cena da devolução e do protesto. Dura pouco e logo tudo volta ao normal, se é que há normalidade numa reivindicação dessa ordem para um colegiado que, contabilizados todos os benefícios, recebe cerca de R$ 100 mil por mês, assistência médica da melhor qualidade, foro especial de Justiça e acesso ao Orçamento da União por meio das notórias emendas.
O argumento de que a "racionalização" dos gastos permitirá os aumentos sem ampliação de despesas é outra falácia. Se há despesas supérfluas, que se descubram destinações mais úteis ao dinheiro ou, então, que devolvam ao Tesouro como contribuição a um programa de cortes de gastos públicos, este sim um assunto substancioso a tornar-se tema do propagado entendimento do presidente da República com as diversas forças políticas.
O Estado de S. Paulo
21/11/2006
O discurso está pronto, a justificativa também, só falta o documento oficial - a conclusão de um estudo encomendado à Fundação Getúlio Vargas - para dar substância técnica ao álibi.
A partir daí, será uma questão de tempo e de produção de sofismas em profusão para que se ponha à mesa abertamente um assunto subjacente aos debates sobre as campanhas às reeleições dos presidentes da Câmara e do Senado: o aumento de R$ 12.847,20 para R$ 24.500 nos salários-base de deputados e senadores.
A desculpa é a de sempre: os parlamentares necessitam receber proventos condignos e para isso é preciso equipará-los salarialmente ao teto do funcionalismo, dando a eles salários iguais aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
A velha história desta vez vem embrulhada numa embalagem tão vistosa quanto enganosa. Há algum tempo o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, pediu à FGV um trabalho sobre "racionalização" dos custos da Casa.
Para todos os efeitos, o que se pretende é reduzir gastos, mas, na verdade, o objetivo é descobrir um meio de dar os aumentos sem elevar despesas, de forma a amenizar o impacto na opinião pública e, conseqüentemente, facilitar a aprovação.
Como a única eleição à vista é interna e nessas situações o Parlamento importa-se muito pouco de atuar de costas para a sociedade, é bastante provável que dê certo.
Depois de um longo período de "seca", suas excelências conseguiram em 2003 elevar seus salários de R$ 8 mil para os atuais R$ 12.847, na época o equivalente ao teto do funcionalismo.
Como esse teto subiu para R$ 24.500, reivindicam o mesmo. É uma proposta singela: reajuste de cerca de 200% para um período de 28% de inflação acumulada.
Terão tido algum mérito especial os parlamentares para se apresentarem ao País com tal reivindicação? Melhoraram seus serviços, deixaram de fazer semana de dois, no máximo, três dias? Abandonaram o hábito de mercadejar seus votos em troca de cargos e favores?
Nos últimos anos, ao contrário, só fizeram dar motivos para decair no conceito da população que os paga, elege em regime de voto obrigatório e não recebe de volta nem um mísero troco, nem uma pequena compensação em forma de correção de conduta.
Agora mesmo preparam-se para desfazer, com absolvições e acochambros, o bom trabalho da primeira fase da CPI dos Sanguessugas - um sucesso em boa medida porque na época o Congresso estava esvaziado por causa da campanha eleitoral.
Há, é claro, parlamentares menos afetos à desfaçatez total, sendo um deles o próprio presidente da Câmara, Aldo Rebelo, que oficialmente nega a existência de uma proposta corrente entre deputados e senadores. Diz que seu compromisso é com a redução de gastos, mas não assume claramente posição contrária aos aumentos. O presidente do Senado, Renan Calheiros, tampouco se manifesta a respeito.
O grupo dos docemente constrangidos não chega a admitir a óbvia distorção, mas apresenta, para aceitar o reajuste, "exigências" tais como o fim das verbas extras para financiamento de gabinetes nos Estados e a não ampliação das despesas globais do Legislativo.
Um disfarce pretensamente de natureza moral, mas que não altera o resultado final e muito menos explica por que, afinal de contas, existe a necessidade de deputados e senadores ganharem os proventos máximos se o teto fixado em lei não significa obrigatoriedade. É só isso: um teto.
Quanto às verbas extras, elas não foram revogadas quando do último aumento e não o serão agora, caso haja mesmo elevação de salários.
Dar-se-á a situação de sempre. Aprova-se o reajuste, mantêm-se as verbas e quem quiser que faça a cena da devolução e do protesto. Dura pouco e logo tudo volta ao normal, se é que há normalidade numa reivindicação dessa ordem para um colegiado que, contabilizados todos os benefícios, recebe cerca de R$ 100 mil por mês, assistência médica da melhor qualidade, foro especial de Justiça e acesso ao Orçamento da União por meio das notórias emendas.
O argumento de que a "racionalização" dos gastos permitirá os aumentos sem ampliação de despesas é outra falácia. Se há despesas supérfluas, que se descubram destinações mais úteis ao dinheiro ou, então, que devolvam ao Tesouro como contribuição a um programa de cortes de gastos públicos, este sim um assunto substancioso a tornar-se tema do propagado entendimento do presidente da República com as diversas forças políticas.
Comentários