O ensaio desmoralizado

No Blog do Hiroshi Bogea

Respondendo à "Veja"

Comentário ao post As razões são várias, assinado pelo jornalista Edmilson Sanchez, de Imperatriz, é um artigo abordando razões históricas, econômicas e sociais para a criação do estado do Maranhão do Sul, em resposta às críticas do jornalista da revista “Veja”, Roberto Pompeu de Toledo. Edmilson é consultor e pesquisador, autor de livros nas áreas de Administração, Comunicação e Desenvolvimento. A seguir.

Quando o assunto é redivisão territorial do Brasil, as pessoas que são contra sacam logo do bolso dois únicos argumentos: 1) vai aumentar a roubalheira, a corrupção; e 2) o País não tem dinheiro para pagar a sua parte da conta (construção, instalações, equipamentos e manutenção de órgãos governamentais e remuneração de servidores).

Sou defensor da redivisão, mas não é isso o que me leva a concluir o quanto esses argumentos são frágeis, ou, no mínimo, apressados. Em relação à corrupção e roubalheira em novos estados, vale lembrar que elas têm a idade do ser humano -- que sempre quer mais, mesmo quando se encontra no Paraíso. Se o volume de roubalheira e corrupção, calculado em reais ou em dólares, fosse vinculado à redução das endodivisões (redivisão dos Estados), São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília sequer existiriam, ou tornariam ao estado de natureza. Neste país se rouba do povo desde sua descoberta -- basta citar os quase R$ 700 bilhões em corrupção e desperdício levantados em reportagens do jornal “O Dia” (RJ) em 2002.

Quanto à inexistência de recursos para implantação dos novos estados, diga-se que grande parte do dinheiro que a União investiria (é isso mesmo: investimento, não gasto) retornaria aos cofres do Tesouro Nacional. São altos os impostos incidentes sobre os materiais de construção (perto de 40% no cimento, na tinta e no vaso sanitário e 37% no tijolo). E mais impostos sobre os móveis, as instalações e até o material de expediente e, em especial, sobre a folha de pagamento dos funcionários. Em uma casa popular de R$ 45 mil os impostos “comem” R$ 22.275,00. Some-se a isso o custo do consumo, os tributos embutidos nos preços dos bens, produtos e serviços pagos com a massa salarial e outros ganhos -- impostos que vão de 18% na carne e no feijão, 40,5% no açúcar, a até 56% na cerveja e 83% no litro de cachaça.

Portanto, vale repetir, se o Governo Federal investir R$ 1,9 bilhão em cada novo estado, ele teria esse valor de volta logo logo, e com “juros”, pois a nova dinâmica econômica que se desenvolveria na nova unidade federativa aumentaria o bolo dos impostos para os cofres públicos, sem falar nos ganhos indiretos, que viriam com a redução de gastos em assistência social, saúde, bolsas-issos e vales-aquilo, já que grande parte da população ficaria ao abrigo de atividades produtivas (assalariados, autônomos, empresários e empreendedores, além de parte no Serviço Público).

Economistas, sociólogos e outros pesquisadores e estudiosos têm um campo desafiador nesse assunto: o quanto retorna, para a União, do dinheiro investido na instalação de um novo Estado. O economista Roberto Limeira (raro caso de razão e paixão na pesquisa e estudos sobre o tema) mostra por A + B, ou melhor, com todos os números: menos de dois e meio por cento (R$ 12 bilhões) do meio trilhão de reais do Programa de Aceleração do Crescimento (o PAC, do Governo Federal), aplicados na criação de seis estados (Araguaia, Carajás, Gurguéia, Maranhão do Sul, São Francisco e Tapajós), gerariam nessa área (incluindo-se o estado do Tocantins) um milhão de empregos e riqueza (PIB) de R$ 60 bilhões (atualmente, já são gerados R$ 40 bilhões). Somente com os impostos e divisas de exportação, em apenas dois anos a União teria o retorno de todo o investimento feito, sem falar nos ganhos sociais, políticos, de auto-estima, de consolidação do território nacional e a repercussão econômica e social nos demais estados, sobretudo os do Sul-Sudeste, que venderiam mais para os novos “irmãos” e “desinchariam” parte de sua população, com a volta de muitos brasileiros para suas origens nortistas e nordestinas.

Geopoliticamente, dividir não é fragmentar, mas consolidar. Se a sede de dinheiro e poder, se os sem-moral e os sem-vergonha da política se aproveitam do sonho da redivisão territorial para cometer seus crimes, onde está a culpa: no sonho ou no vagabundo político que sordidamente se assenhoreia dele? Ora!... Contra a corrupção (e outros crimes) devem agir Justiça, Polícia, Ministério Público... e a cidadania vigilante. Se essas estruturas não são eficazes a ponto de prender esses políticos bandidos, reaver o dinheiro e conter a sangria desatada que vitima o povo, então é bom diagnosticar as razões da ineficácia, receitar o remédio e controlar sua administração (sem trocadilho).

Dividir mais para administrar melhor tem sido tendência e realidade no mundo inteiro. Só os que não se dedicam um pouco mais ao estudo, acompanhamento e análise podem se assentar em bases tão pouco sólidas quanto as alegações de falta de dinheiro e excesso de corrupção como fatores inibidores da redivisão territorial.

Nem o nosso planeta agüentou ser uma terra só. Saiu da condição de Pangéia, dividiu-se em dois supercontinentes e, no momento, são seis continentes. Até o começo do século 20 existiam pouco mais de 70 países. Agora, são quase duzentos. O que a Geologia começou, a Geografia confirmou: dividir faz bem - e a Religião e a Filosofia ratificam. Divisão não é o mesmo que apropriação, corrupção. A redivisão territorial é a mais rápida e mais segura forma de promoção do desenvolvimento, de inclusão social. Com roubos e tudo.

A França, país quase do tamanho da Bahia, tem hoje 96 estados (départements), mais quatro além-mar e mais de 36 mil municípios (comunas). Quase 16 vezes maior do que o território francês, o Brasil existe com seus 26 estados e um distrito federal e menos de 5.700 municípios. Os Estados Unidos, com apenas 9% a mais de área que o Brasil, têm 51 unidades federativas e cerca de 30 mil cidades. A Alemanha, com 356 mil km2 (apenas 7% a mais que o Maranhão), tem 16 estados e mais de 12 mil cidades. A Espanha, com 505 mil km2 (bem menor que Minas Gerais), tem 50 estados (províncias) e oito mil cidades, total este semelhante ao da Itália, país com 301 mil km2, bem menor do que o Goiás.

Do “A” do Afeganistão ao “Z” do Zimbábue, a correlação entre área territorial e quantidade de estados (ou similares) encontra no Brasil o país de mais injusto desequilíbrio, especialmente quando a isso se juntam as desigualdades socioeconômicas.

A revista "Veja", que trouxe em 15/08/2007 um texto do paulista e paulistano Roberto Pompeu de Toledo (“O Maranhão do Sul na Wikipédia”), talvez não abrigue réplicas em igual espaço -- é a força da “ditadura” e do monólogo dos veículos de comunicação bem sucedidos, que impõem, quase sem reserva, o poder de sua mensagem para o resto do país e para leitores nos quatro cantos do mundo, ouvindo quase nada a população, mesmo quando o assunto tem importância vital sobre o presente e futuro dela.

O articulista Toledo talvez não saiba que a luta pela redivisão do lado sul do Maranhão tem mais de 180 anos. Que nossas riquezas naturais e culturais, a capacidade desbravadora e empreendedora de brasileiros de todo o país e de estrangeiros de todos os continentes fizeram progredir esta região e ainda vão transformá-la em referência de desenvolvimento. É o “estado de espírito” enriquecido com o “espírito de estado”.

Além de estarem incorretas as referências do artigo do sr. Toledo, elas pecam ao afirmar que o Estado do Maranhão do Sul, quando criado, “irá para a rabeira [sic]”. Não irá. Como também não foram o Tocantins e o Mato Grosso do Sul. Pois saiba que a parte sul do Maranhão tem riquezas naturais, geografia estratégica e outras vantagens comparativas e competitivas. O que falta - e disso o Brasil é cheio - é decisão política para promover o desenvolvimento regional com envolvimento do capital humano intelectual e social aqui formado ou que para aqui se transferiu.

Falar de pólos agrograneleiros e agroenergéticos, recursos minerais e florestais, pecuária e indústria, comércio e agricultura, infra-estruturas etc. é necessário, mas, aqui, seria cansativo. Talvez em outra oportunidade.

Quem é contra a redivisão talvez deseje que o Brasil volte a ser um conjunto de capitanias. Talvez a paulista e paulistana “Veja” e o paulista e paulistano Toledo não se opusessem ao retorno de São Paulo ao território do Rio de Janeiro, a cujo governo “ficou sujeito, tanto administrativamente como no Judiciário”, como anotou Ildefonso Escobar. Ou, alternativamente, São Paulo reintegre-se ao território da Bahia, de cujo governo “ficou dependente” também. Talvez os paranaenses não se importem se seu estado voltar a pertencer a São Paulo. Talvez os paulistas não se incomodem (afinal, tudo é Brasil) de devolver ou buscar consideráveis glebas dos territórios de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Talvez a capital Curitiba e o estado de Santa Catarina voltem correndo para se reincorporar ao estado paulista. Talvez o Rio de Janeiro queira de volta a São Paulo que por algumas vezes lhe tiraram, em um puxa-encolhe que, como sanfona, resfolegou, veio e voltou do século 16 ao século 18.

O Maranhão do Sul será uma realidade - não por força de “jogadas” de enfraquecimento político que nunca existiram. O Maranhão do Sul, mais dias menos dias, virá - não por birra inútil ou vontade fútil. Não. Ele acontecerá como parte do debate nacional e da tendência e prática internacional de dividir mais (o território) para dividir melhor (seus recursos entre os cidadãos). Nestes momentos -- e também nos demais --, a corrupção não deve ser entendida como regra, mas como anomalia. Ela é um desvio do caráter humano, não uma característica da gestão da coisa pública, da Ciência Administrativa.

Em sonho, em lutas, em riquezas materiais, em potencialidades de toda ordem, o Maranhão do Sul é grande. É maior do que a ignorância daqueles que, por falta de interesse ou oportunidade, ainda não sabem do que estão falando.
Ou escrevendo.

Comentários

morenocris disse…
Bom dia, Val-André Mutran.

Excelente texto. Instiga o debate.

Pinçei:

"Dividir mais para administrar melhor tem sido tendência e realidade no mundo inteiro".

O conhecimento também está fragmentado. O autor nos dá outra visão, colorindo as palavras e as idéias.

Você já percebeu que os conceitos estão se expandido, de acordo com as diferentes área do conhecimento ?

São argumentos diversificados.

Vou fazer destaque no blog chamando este artigo.

Beijos.
morenocris disse…
consertando:

"instiga ao debate"

Beijos.

Já coloquei no blog.
Enquanto os frequentadores de suas mansões no Atalaia e no Murubira preparam a próxima asneira para o jornal Liberal publicar. Todos nós viramos o final de semana trabalhando, reunindo, planejando, executando...
Esse Estado não será um sonho de uma noite de verão. Não mesmo.
Bjs Cris

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