Finalmente o documentário da volta do exílio do Zé Ibrahim



Este documentário raríssimo me foi presenteado pelo próprio Zé Ibrahim quando de um jantar aqui em Brasília num imóvel que dividia com meu amigo Eduardo Sobreira, que mudou-se para São Paulo.

Num depoimento de quem logo depois da volta ao Brasil continuou preso para interrogatório no Aeroporto de São Paulo, Ibrahim logo rompeu com o PT e só refez as pazes com Lula e alguns de seus companheiros da época na véspera do dia em que se comemora a Independência do Brasil, este ano numa audiência aqui em Brasília. Porém, Zé Ibrahim, disse a esse poster que os trabalhadores brasileiros pouco têm à comemorar: "Quase todas as reinvidicações da categoria ainda são atuais. Pouco se fez pela classe trabalhadora no país nesse período em que estive exilado", disse.

Abaixo, disponibilizo uma excelente reportagem da revista Época sobre aqueles tempos de repressão e incertezas.

O documentário foi rodado por um dos maiores jornalistas da Europa, que a época trabalhava na TV Belga. Vários de meus amigos cineastas mostraram interesse nessa figura prá lá de histórica.

O doc tem locações em Bruxelas em 1980 e faz o registro de sua chegada em São Paulo, quando foi direto para o interrogatório do extinto DOI-CODI. Zé Ibrahim narra em francês fluente a história segundo sua ótica. A ótica de uma das mais respeitadas lideranças sindicais trabalhistas do mundo.

A reconstituição da trajetória dos presos políticos trocados pelo embaixador americano entre setembro de 1969 e agosto de 1979

Revista Época

por Fábio Altman

Zé Ibrahim é o terceiro em pé da (E) para a (D)

A fot
ografia dos 13 presos políticos libertados em 1969 por exigência dos seqüestradores do embaixador americano Charles Burke Elbrick é o retrato de formatura da oposição radical ao regime militar. Nenhuma imagem dos anos de chumbo seria tão conhecida quanto a do grupo reunido pela primeira e última vez na Base Aérea do Galeão. Mas nunca se soube como foram as trajetórias pessoais de seus integrantes entre aquele 6 de setembro, quando voaram rumo ao México num Hércules da FAB, e em agosto de 1979, quando regressaram ao país nas asas da anistia. Época reconstitui agora a viagem dos exilados e revela esse capítulo ignorado da História do Brasil.

"Você quer voltar para casa, não é? Olha ali o seu apartamento", provocou um soldado do Exército. Eram 4 da tarde de 6 de setembro de 1969, e o helicóptero do Exército sobrevoava o bairro do Leme, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Pendurado pelas pernas, o arquiteto Ivens Marchetti sangrava pelo nariz, ferido por bofetadas. Levava no bolso da calça um retrato do filho. De cabeça para baixo, não conseguia concentrar-se nos edifícios que mal vislumbrava. Pensava na ameaça rosnada por um dos soldados que o recolhera no presídio de Ilha Grande, onde Marchetti estava desde abril de 1969. Militante da Dissidência de Niterói, facção do Partido Comunista Brasileiro que aderira à luta armada contra o regime militar e depois seria absorvida pelo MR-8, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro, Marchetti fora preso no interior do Paraná. Aos 39 anos, codinome Vicente, não se tratava de um preso qualquer. Para o governo, era um terrorista de alta periculosidade.

Os parceiros de aventura admiravam seu destemor e a perícia como atirador, trunfos decisivos para a inclusão do seu nome na lista preparada pelos carcereiros do embaixador americano, capturado em 4 de setembro. "Foi uma lista ecumênica", resume o jornalista Franklin Martins, um dos articuladores do seqüestro. À época no MR-8, Martins conta que, além de gente ligada à organização a que pertencia, a relação incluiu representantes do PCB, da Ação Libertadora Nacional e da VPR, ao lado de líderes estudantis que já estagiavam em siglas partidárias da violência como caminho para a tomada do poder.

Outros 12 presos estavam na Base Aérea do Galeão quando pousou o helicóptero que transportava Marchetti. Pouco antes de cinco da tarde, um fotógrafo a serviço do Ministério da Aeronáutica preparou-se para congelar a imagem do grupo recortado contra a silhueta do Hércules C-130, prefixo 2456, da FAB, comprado na fábrica de Lockheed, nos Estados Unidos. O jornalista Flávio Tavares, combatente famoso entre os brizolistas radicais com o codinome de "Doutor Falcão", gritou uma sugestão com sotaque genuinamente gaúcho: "Vamos mostrar nossas algemas!". A foto atesta que a idéia foi aceita. Uns as mostram com expressão de orgulho. Outros traem algum constrangimento. E em certas fisionomias é possível adivinhar o sentimento do medo.

Cabisbaixo, Vladimir Palmeira, o mais carismático líder estudantil da História, transpira irritação. Ele chegara de São Paulo, onde fora preso em outubro de 1968, durante o Congresso de Estudantes de Ibiúna. "Tava doido para sair da cadeia", lembra, comendo sílabas como na juventude. "Mas, quando fui informado, naquela manhã, de que estava na lista dos presos trocados, fiquei com medo de morrer." Tais temores eram pertinentes. Um grupo de pára-quedistas liderados pelo coronel Dickson Grael tentaria impedir a decolagem, sob a alegação de que o Brasil estava se curvando à vontade dos EUA.

Flávio Tavares encontrava-se havia 30 dias no Batalhão da Polícia do Exército da Rua Barão de Mesquita, no Rio. Dividia a prisão com Ricardo Zarattini. Os dois ficaram sabendo que estavam na lista dos 15 graças a uma prática freqüente nas cadeias. Os presos comuns da cela contígua haviam passado a Tavares, através das grades, um radinho de pilha, desses que apareceriam naquela mesma noite, aos milhares, no Maracanã no jogo entre Flamengo e Portuguesa pelo Rio-São Paulo.

Na ronda da madrugada, Tavares conseguira esconder o aparelho. Em volume quase inaudível, escutou seu nome, e começou a gritar: "Cabo da guarda! Cabo da guarda!" Dez minutos depois da gritaria apareceu na cela do jornalista o major José Meier Fontenelle, o homem que o torturava. "Ele chegou com um fuzil na mão e um capacete, parecia querer demonstrar que estava em ação militar", lembra Flávio. O major esbravejou: "Pegue tudo o que tem e saia, porque você está nesta maldita lista". Flávio Tavares e Ricardo Zarattini foram lançados ao camburão. Um dos cabos, boxeador, virou-se para a dupla: "Que bom, hein, vocês vão para a Copa no México". Somente ali, Tavares e Zarattini tiveram a certeza de que seu primeiro destino no exílio seria a Cidade do México, capital do país que hospedaria, quase um ano depois, a seleção tricampeã.

Faltavam 15 minutos para as 17 horas quando os prisioneiros começaram a entrar no Hércules. Foram postos em bancos laterais, frente a frente - cinco de um lado, oito de outro. Entre eles, dez soldados da Aeronáutica. O comandante da travessia foi o major Egon Reinisch. Ele se aproximou da turma para um comunicado: "Vocês estão algemados porque esse não é um vôo normal. Trata-se de uma missão delicada. Eu os levarei até o México, com escalas em Recife e Belém. Peço a vocês tranqüilidade. Minha obrigação é entregá-los às autoridades mexicanas quando chegar lá. Fica proibido conversar entre si. Se quiserem ir ao banheiro, chamem o soldado". Às 17h03, o motor do Hércules roncou. A turma de 1969 partia para o exílio. Os cines Britannia e Bruni Ipanema apresentavam, já na metade da sessão das 4 da tarde, o filme O Preço de Um Resgate, com Jean-Paul Belmondo e Geraldine Chaplin.

O preço do resgate, para o grupo que viajaria no Hércules, seria uma refeição prosaica: maçã, um sanduíche de pão de forma e uma caixinha de leite (difícil era comer algemado). A aeronave seguia a 280 nós - o equivalente a 540 quilômetros por hora. O comandante Reinisch revezava-se com outros três pilotos. Na escala no Recife, às 21h30, deu-se um dos momentos de maior emoção da travessia rumo ao exílio. Gregório Bezerra, o legendário líder pernambucano do Partido Comunista Brasileiro, aos 69 anos e depois de cinco e meio de cadeia, aparecera na lista e estava sendo embarcado (o 15o foi Mário Roberto Galhardo Zanconato, o Schu-Schu, que subiria em Belém assobiando a Internacional, o hino das esquerdas). Bezerra entrou na aeronave altivo, forte como um Hércules. Levava uma trouxinha de roupa na mão direita. Nas diversas versões que se montam ao redor dessa história há quem diga que foi ele, e não Schu-Schu, quem assobiou a primeira estrofe da Internacional. José Dirceu, presidente do PT, considera essa hipótese absurda: "O experiente Gregório não faria isso".

Bezerra foi colocado ao lado da Maria Augusta Ribeiro Carneiro, a única mulher a bordo. Algemado, ele esperneou, com seu forte falar nordestino e com a segurança que a experiência lhe dera. "Seu cabo, essa algema tá muito apertada", gritou. E o cabo, como que obedecendo às ordens de um superior, as afrouxou. Em seu livro de memórias (Civilização Brasileira, esgotado, R$ 80 nos sebos de São Paulo), Bezerra narra um instante daquela viagem: "Cerca das 2 horas da manhã do dia 7 de setembro, comemoramos o Dia da Pátria com um lauto jantar: um pão duro, azedo e microscópico, e uma caneca d'água. Como fui o último a entrar no avião, nem a isso tive direito. A essa hora, fazia frio. Tinha comigo uma coberta de flanela que minha filha me dera antes de sair da prisão. A jovem Maria Augusta tinha as pernas descobertas e deveria estar sentindo mais frio que os outros. Tentei passar-lhe a coberta. O militar sentado entre nós impediu.

- Por quê? - perguntei, surpreendido.
- Não interessa, cale-se! - assim, tivemos que agüentar quase toda a madrugada e o começo da manhã num avião que não tinha toalete a bordo e onde se urinava por uma espécie de funil".

Havia, sim, toalete - pequeno, mas seguramente melhor que todos os banheiros que Gregório Bezerra freqüentou ao longo de sua vida, em prisões fétidas. Maria Augusta ri bonito, um sorriso surpreendente depois de tudo o que ela passou, quando se lembra do episódio com Gregório Bezerra. Ela ri também quando se lembra que, à meia-noite de 7 de setembro, o comandante Reinisch pegou o microfone e leu um documento em celebração ao Dia da Independência.

Eram 3 da tarde quando o avião pousou no aeroporto da Cidade do México. "Vão me jogar lá do alto", temia, ao longo da viagem, o músico Ricardo Villas-Boas, cujo nome na lista dos prisioneiros que valiam a vida do embaixador-refém inflacionou sua importância como militante da Dissidência Comunista da Guanabara, preso numa panfletagem. Quando o trem de pouso tocou em solo mexicano, deu-se um qüiproquó. O relato do piloto Egon Reinisch traz informações inéditas do que se passou naquele primeiro ponto de exílio. "A chegada ao México foi complicada. Nós pousamos e estacionamos numa área indicada previamente. Cortei os motores. A estação de passageiros estava cheia de gente, milhares de homens e mulheres com faixas nos chamando de facínoras, disso e daquilo. Bobearam, e, quando me dei conta, tinham invadido a pista. O avião estava cercado de povo, todo mundo gritava: solta, solta! Eu só tinha aqueles dez homens armados. Pensei: vamos dar partida no avião que esse pessoal sairá daí. O Hércules tem uma turbina pequena, uma espécie de gerador, mas faz um barulho danado, de jato. Liguei a turbina, o cavalão acordou, RRRRRRRRRRR, a turba se afastou e eu pedi auxílio à torre."

As autoridades mexicanas - acompanhadas de um representante da diplomacia brasileira - subiram no Hércules da FAB. O funcionário do Ministério das Relações Exteriores conferiu a identidade dos prisioneiros. Checou as fotos e o nome de cada um. Levava 15 folhas de papel com a identificação dos brasileiros - cada folha era carimbada e nela apontada dia e hora. Reinisch combinou, então, que ele mesmo chamaria a turma, individualmente, para que eles fossem descendo do avião - de território brasileiro para a liberdade. O primeiro a descer foi Onofre Pinto, militante da VPR, que seria assassinado pelo Exército em 1974. O último foi Schu-Schu, que desta vez achou mais prudente não cantarolar a Internacional. Às 17h44 local, Reinisch ligou novamente o Hércules - desta vez para decolar e retornar ao Brasil. A cada duas horas o avião subia cerca de 2 mil pés. Quanto mais subia, menos combustível gastava e melhor ficava o aproveitamento do vôo. Uma placa na Base Aérea do Galeão, quase clandestina, celebra um recorde de permanência no ar, sem escalas, na volta: 16 horas e 33 minutos.

Depois do desembarque no México, o grupo foi levado para o Hotel do Bosque, no centro da cidade. A esperá-los, estava Francisco Julião, o líder nacional das Ligas Camponesas e deputado federal cassado, exilado no México desde 1964. Do grupo dos 15, dois deles ficariam com os astecas - o jornalista Flávio Tavares e o músico Ricardo Villas, o mais jovem da fotografia, cujo pai, diplomata da ONU, estava em missão no México. Para ele, a rigor, foi mudar de um hotel para casa. Os outros 13 foram para Cuba um mês depois. O cineasta francês Jean-Luc Godard, entusiasmado com a aventura dos brasileiros (ele os descobrira por meio da foto que abre esta reportagem), chegou a entrar em contato com lideranças do Brasil no exílio para rodar um documentário com a turma de 69. A idéia não avançou.

A chegada a Havana foi gloriosa para quem, um dia, sonhou em endurecer sem perder a ternura para levar a revolução de Che Guevara ao Brasil. Fidel Castro em pessoa os recepcionou no aeroporto. Sentaram todos numa grande mesa de mogno e ouviram uma mensagem de 40 minutos do comandante da Revolução Cubana. Nos primeiros meses, a trupe brasileira, tal qual um Exército Brancaleone, transformou-se numa atração em Cuba. Viajavam juntos pelo país e por onde passavam eram recebidos como heróis. A unidade não durou muito tempo. Em território cubano, os grupos políticos foram se formando e se adequando às orientações vindas do Brasil ou do exílio. A ALN e a VPR montaram o Grupo dos 28, do qual fizeram parte João Leonardo da Silva Rocha e Zé Dirceu. No esquema montado pela ALN estavam ainda Ricardo Zarattini, Rolando Frati, Argonauta Pacheco e o Schu-Schu, da Internacional. Pela VPR, militavam Onofre Pinto e Zé Ibrahim, o Lula do fim dos anos 60. Logo começaram a treinar guerrilha urbana e rural (formavam o chamado Terceiro Exército) - mas nem todos terminaram os oito meses de treinamento, extenuados porque cansados ou irritados com a insensatez no meio da mata ou das avenidas. O desconforto de alguns era visível. "O curso de guerrilha era uma fábrica de cadáveres", diz Vladimir Palmeira. "Éramos um grupo de classe média, líamos muito, e os cubanos nos receberam, no treinamento de guerrilha, como se fôssemos camponeses fortes. Não conseguia entender por que tínhamos entrado naquela atividade insana. Para quê?" Cedo deram-se as desistências.

Já em 1972 a turma de 1969 começara a se desmontar e deixava Havana. Seguiam outros rumos no exílio. Gregório Bezerra foi para Moscou. Vladimir Palmeira e José Ibrahim tomaram o caminho da Europa. Muitos foram para o Chile de Salvador Allende. Zé Dirceu, num lance cinematográfico (leia quadro à página 64), retornou ao Brasil clandestinamente. Ficou para trás, em Cuba, apenas a história de uma fotografia à frente do Hércules. Não havia, como ainda não há hoje, um ponto comum a marcá-los. Não é o que acha Maria Augusta: "Éramos um grupo heterogêneo, mas heróico. Somos todos bichos políticos, e sempre seremos". Para Vladimir Palmeira, eles ainda estão do lado esquerdo do espectro político. Mas o que é ser de esquerda, hoje, no mundo? "É ficar do lado dos que estão no andar de baixo", diz Palmeira.

No retorno ao Brasil, com a Anistia de 1979, os que sobreviveram - dois deles seriam assassinados na clandestinidade, três morreram naturalmente e um em acidente de carro - trataram de cuidar de suas vidas (os relatos do que fazem hoje estão nos textos ao lado das fotografias). Mas nunca mais se juntaram como naquela foto de 69. Reza a lenda: a esquerda brasileira só se une (ou se reúne) na cadeia. Em 1969, um grupo coerentemente desconexo reuniu-se na pista de um aeroporto militar. José Dirceu quer juntar os sobreviventes em setembro, quando o vôo completa 30 anos. Apenas para uma comemoração, nada mais.


Colaboraram: Jorge Pontual, de Nova York, e Moisés Rabinovici, de Paris


QUEM É QUEM

Ivens Marchetti


O arquiteto Ivens Marchetti divide seu tempo entre Juiz de Fora e Arraial do Cabo. Ao pedido de Época para que a fotografia fosse projetada em suas costas, ele disse: "Já sei, é como se essa imagem tivesse colado em minha pele. Foi o que aconteceu"


Flávio Tavares

Jornalista em Buenos Aires, Tavares está escrevendo um livro sobre sua história política. Um ponto crucial: a tortura. "Ao longo dos oito anos dos meus dez de exílio, um sonho acompanhou-me quase todas as noites. Meu sexo saía do corpo, caía-me nas mãos como um parafuso solto. Mais terrível que o pesadelo era o levantar-se com ele, na dúvida, naquelas frações de segundo entre a noite e o amanhecer"


Ricardo Zarattini

É assessor parlamentar da liderança do PDT na Câmara. Encaminhou a Sepulveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal, uma ação contra a União. Zarattini exige que o Estado reconheça o vício grave que representou o banimento dos 15 presos políticos da turma de 1969 e pede indenização pelo tempo que deixou de trabalhar como engenheiro


Egon Reinisch

O piloto do Hércules da FAB é hoje conselheiro militar da missão permanente do Brasil na ONU, em Nova York


José Ibrahim

Trabalha como secretário de relações internacionais da Social Democracia Sindical, em São Paulo. No fim dos anos 60, foi uma espécie de Lula daqueles tempos. Na volta ao Brasil, com a Anistia, elegeu-se deputado pelo PT, mas em seguida rompeu com o partido


Maria Augusta

Aos 52 anos, trabalha numa gráfica com o marido, ele também militante da esquerda. Tem três filhos de três casamentos. Um dos filhos, Carlos Raimundo, de 21 anos, sofre de uma séria lesão cerebral. "Cuidar desse menino, e vê-lo crescer, é a prova de que vale a pena lutar"


Ricardo Villas

É músico em Paris. Em 1969, permaneceu no México, na casa do pai, diplomata brasileiro. Pensou em ir a Cuba, apenas para conhecê-la. Os dirigentes da Dissidência Comunista só admitiam que fosse para treinar guerrilha


Vladimir Palmeira

Um dos líderes do PT no Rio de Janeiro. No ano passado, tentou candidatar-se ao governo do Estado pelo partido, mas foi derrotado numa intensa briga interna. Saiu ferido - mas não morto. Prepara-se para defender uma tese de doutorado na Universidade Federal sobre o leninismo antes de 1917


A vida do outro Zé

José Dirceu não queria ficar em Cuba. A solução: entrou no Brasil com nome falso e rosto mudado por uma plástica

José Dirceu viveu clandestinamente no Brasil, de abril de 1975 a agosto de 1979, com o rosto mudado por uma cirurgia plástica feita por médicos vietnamitas em Cuba. Dirceu pôs uma prótese no nariz e puxou ligeiramente os olhos. O nome do personagem: Carlos Henrique Gouveia de Mello. A meio caminho entre São Paulo e Rondônia, onde pretendia se juntar aos companheiros da luta armada do Molipo, ele estacionou na cidade de Cruzeiro d'Oeste, no Paraná. O mais incrível desta história: em Cruzeiro d'Oeste ele se casou, viveu com uma mulher durante cinco anos, teve um filho - e ela nunca desconfiou de que o homem com quem se casara era outro. Até que, ao anúncio da Anistia, José Dirceu a chamou, mostrou a foto dos 13 diante do Hércules da FAB e disse: "Este sou eu". Separaram-se em pouco tempo. Dirceu voltou para Cuba, escondido, desfez a plástica e retornou ao Brasil pela porta da frente do aeroporto de Viracopos. Diz Clara Becker, a mulher com quem ele se casou no Paraná: "O homem que eu amava era o Carlos Henrique, não o Zé Dirceu". Para seu filho, Zeca, de 22 anos, o pai foi um herói. "Tenho orgulho de contar a história dele aos meus amigos."


José Dirceu

Presidente do Partido dos Trabalhadores e deputado federal. "Nos meus anos em Cuba aprendi a viver na clandestinidade para não morrer"


O mito do partidão

A inclusão de Gregório Bezerra na turma trocada pelo embaixador tirou da cadeia um dos ícones da esquerda brasileira

O pernambucano Gregório Bezerra era, aos 68 anos, uma lenda viva do Partido Comunista Brasileiro quando entrou no avião da FAB, no Recife. Testemunhas de sua prisão em 1964 se haviam comovido com a brutalidade dos captores. Perseguido pelo 20o Batalhão de Caçadores no interior do Estado, caiu nas mãos de soldados da Força Pública, que o entregaram ao comandante do IV Exército. No Recife, a caminho da prisão num quartel, foi arrastado pelas ruas enquanto o golpeavam no estômago, na cabeça e nos testículos com coronhadas de revólveres e barras de ferro. Estava na cadeia havia cinco anos e meio quando seu nome entrou na lista dos 15 presos políticos que seriam trocados pelo embaixador americano. "Foi uma homenagem, quase uma atitude de respeito, a um dos personagens míticos da esquerda no Brasil e ao então mais antigo preso político do país", diz o jornalista Franklin Martins, um dos idealizadores do seqüestro e da lista.

Fiel aos dogmas e princípios do velho Partidão, então contrário à luta armada, Bezerra não gostou da idéia de ser trocado pelo "gringo americano", como se referia a Elbrick. Rendeu-se ao fato consumado, mas fez questão de divulgar uma "declaração ao povo brasileiro" com ressalvas que julgava essenciais: "...por uma questão de princípio, devo esclarecer que, embora aceitando a libertação nessas circunstâncias, discordo das ações isoladas..." Gregório Bezerra foi para Cuba, mas em novembro de 1969 já estava em Moscou. Morreu no Brasil em 1983, de ataque cardíaco.


Gregório Bezerra

Foi torturado como animal no Quartel de Motomecanização do IV Exército, em 1964. Ainda em 1969 desembarcou em Moscou, na União Soviética. Bezerra retornaria ao Brasil em 1979, com a Anistia


Outros seqüestros

O seqüestro do embaixador americano foi o mais audacioso. É também o mais conhecido. Mas houve outros durante os anos de chumbo no Brasil:

11 de março de 1970 - Seqüestro do cônsul japonês em São Paulo. São libertados cinco presos.

11 de junho de 1970 - Seqüestro do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben. Libertados 40 presos (foto), que embarcam para Argel.

7 de dezembro de 1970 - Seqüestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, no Rio, seguido da morte de seu guarda-costas. Setenta presos políticos trocados por Bucher viajam para o Chile.


Na história do Brasil

Alguns dos integrantes do grupo reunido na foto legendária tiveram participação decisiva em momentos importantes da vida política brasileira

A batalha da Maria Antônia
Zé Dirceu era o principal nome da União Estadual dos Estudantes, a UEE paulista, no ano seminal de 1968. Ele liderou os alunos da Filosofia que se duelaram com os do Mackenzie na Rua Maria Antônia.

O líder dos 100 mil
Vladimir Palmeira foi presidente da União Metropolitana dos Estudantes do Rio. No dia 26 de junho de 1968, sob o comando de Vladimir, quase 100 mil pessoas foram às ruas do centro.

A queda da UNE
Luís Travassos, presidente da UNE em 1968, foi um dos 700 estudantes presos pela polícia no XXX Congresso da entidade, realizado em 12 de outubro num sítio na cidade de Ibiúna.

Morte do capitão
O sargento Onofre Pinto, líder da VPR, participou do atentado que matou o capitão americano Charles Chandler (na foto), em 68, tido pelas organizações de esquerda como espião da CIA.

Seqüestro no Uruguai
Em 1977, Flávio Tavares foi preso em Montevidéu, numa operação conjunta de uruguaios e argentinos. Foi libertado depois de uma campanha do jornal O Estado de S. Paulo, do qual era correspondente em Buenos Aires.

P.S.: Zé Ibrahim me garantiu que um grupo radical do Exército não admitia o que chamou de humilhação: a troca daquele grupo de comunistas pelo embaixador americano. Foi montado uma operação sem a anuência do Comando do Exército e uma Força Tarefa de militares linha dura iria invandir a pista do aeroporto e fuzilar os camaradas. Foram impedidos por um nome que Zé Ibrahim pediu que poupasse pois, ainda se encontra vivo e hoje é da Reserva, tendo sido um Militar de alta patente dos mais influentes no processo da redemocratização brasileira, que desembocou no processo da Anistia ampla, geral e irrestrita.

3 comentários:

Anônimo disse...

Grande Val..

Val-André Mutran  disse...

Mas os Corredores é que ajoelham-se em referência a você.

Como conheci moleque nossas relações com a Guiana Francesa, no tempo em que passei uma chuva ai em Macapá. Imagino o quanto você está afiada no mais límpido francês para sacar tudinho o que o Zé disse em Bruxelas, desmontando o seu pequeno-grande apartamento de periferia! Para voltar ao Brasil.

Você por um acaso reconheceu a esposa do Zé? Grande companheira e jornalista brasileira.

Imagino ainda, o quanto você deve entender o taq-taq nativo da Guiana Francesa.

O Pará tem relações até que estreitas com o Suriname, mas, trata-os com a mais irritante insignificância sob todos os pontos de vista, dentres eles: O toma lá dá cá e que vá à merda: E non meke pampa...! Aos imbecis que não conhecem esse e outros dialetos da resistência. Não é mesmo? Hehhehehhe.

Um grande privilégio te ter novamente por aqui.

Bjs no meu pessoal ai. Você deve saber quais são.

Pretendo ir ai qualquer hora dessas.

Frédéric Pagès disse...

Olá, Muito boa sua página! Parabéns! Uma pergunta: qual a edição e data dessa época que relata tão detalhadamente a historia dos exilados?
Valeu!
Abraço.
Daniela

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