TENDÊNCIAS/DEBATES
Corrupção: cada "não" conta
STUART GILMAN

Muitos se justificam, dizem que são só alguns dólares ou reais. Mas estimamos que, só de suborno, a cada ano, gire US$ 1 trilhão no mundo


A CONVENÇÃO das Nações Unidas contra a Corrupção (Uncac, na sigla em inglês) está em vigor internacionalmente há exatos dois anos. E já mudou o mapa global da corrupção. Os países têm um marco estratégico, não só com leis mais efetivas e procedimentos criminais mas também com instrumentos de prevenção e controle. O que precisamos agora é de governos com vontade política para combater a corrupção de forma efetiva.

No momento, há mais de cem países que ratificaram a Uncac. Quando estiver amplamente implementada, não haverá lugar para corruptos se esconderem. O instrumento prevê cooperação internacional para rastrear, bloquear e devolver dinheiro de origem ilícita aos países de origem.

O Brasil aderiu à convenção em junho de 2005. Desde então, o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês) vem trabalhado com respeitáveis instituições do governo, principalmente a CGU (Controladoria Geral da União), para dar vida a muitos elementos da convenção.

Mas os cidadãos não podem ser espectadores passíveis. Com a Uncac, os Estados se comprometeram a promover a participação de indivíduos e grupos na prevenção, no combate e na conscientização sobre o tema.

O cidadão precisa ter o poder de dizer "não" a pedidos de suborno, por exemplo, com a segurança de que será apoiado pelo Estado e pela sociedade.
Muitos se justificam, dizem que são só alguns dólares, reais ou pesos. Mas isso alimenta a cultura da corrupção.

Estimamos que, só de suborno, a cada ano, gire US$ 1 trilhão no mundo. Organizações multilaterais não podem criar vontade política nos países.

Assim, a convenção só apresenta diretrizes e instrumentos para pôr de pé o que chamo de "casa" anticorrupção, mas os construtores são as pessoas e as instituições.

Na Europa, por exemplo, o UNODC tem trabalhado com os governos para incentivar o enfrentamento à corrupção, o que inclui cooperação na devolução de dinheiro ilícito em bancos europeus. Há novos desafios. Diversos países do Leste Europeu ameaçam retroceder nos compromissos que assumiram como pré-requisito à entrada no bloco. Um deles até tentou eliminar a agência anticorrupção para trazer menos problemas à tona.

Também há avanços. Nos últimos cinco anos, trabalhamos com os nigerianos, que conseguiram recuperar mais de US$ 13 bilhões escondidos em países ricos, desviados por governantes corruptos.

Em 2002, uma pesquisa na Nigéria revelou que os tribunais eram tão corrompidos que mais de 70% dos entrevistados fariam de tudo para não ter que usá-los novamente. Juntos, criamos um sistema de avaliação que permitiu remover juízes e melhorar instâncias da Justiça. Em 2007, a mesma pesquisa mostrou que mais de 60% dos que recorreram aos tribunais o usariam novamente.

Também trabalhamos com o governo do Brasil, que, por seu tamanho e população, é um líder na região. Há cinco meses, estive com autoridades do Executivo e do Judiciário e com governadores de dois Estados.

O Brasil tem um problema de corrupção, sem dúvida. E as pessoas com quem conversei reconhecem o fato. Há amplo compromisso do UNODC em trabalhar com o governo no âmbito federal, especialmente com a CGU e instâncias do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Não se trata só de cooperação técnica, que já realizamos -apesar de que vi instrumentos no Brasil que considero entre os melhores do mundo. A parceria buscará integrar esforços nacionais no âmbito dos Estados.
Os auditores públicos são um grupo ideal para garantir que isso aconteça. O mais nocivo custo da corrupção é humano. A corrupção corrói o elo da sociedade, degrada instituições públicas e enfraquece o ambiente de investimentos. E o impacto maior recai sobre a população mais vulnerável. Este é o custo real: crianças sem educação, doentes sem acesso a serviço de saúde, pequenos negócios que não conseguem sobreviver.

Ativos recuperados -frutos da corrupção- podem ajudar a prover recursos para programas sociais ou de infra-estrutura. Cada US$ 100 milhões poderiam servir para a imunização de 4 milhões de crianças ou para prover acesso à água a mais de 250 mil casas.

Temos a oportunidade de ser audaciosos, de quebrar ciclos do passado. Eliminar a corrupção por completo não será possível, mas podemos controlá-la e preveni-la. Implementar a Uncac é como Victor Hugo via o futuro: "Para os fracos, inatingível; para os corajosos, uma oportunidade".

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STUART GILMAN, 59, cientista político com doutorado pela Universidade de Miami (EUA), é chefe do Programa Global Anticorrupção na sede do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês), em Viena (Áustria).

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