Instituto avalia causas da descrença da comunicação no país em audiência no Senado


A fragmentação da notícia no meio digital, a polarização política, a precarização da profissão de jornalista e as fake news, estão entre as principais razões

* Por Val-André Mutran

Brasília – Em audiência pública interativa sobre liberdade de expressão no Conselho de Comunicação Social (CCS), realizada nesta segunda-feira (2), no Senado Federal, Francisco Belda, o presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), apontou a fragmentação da notícia no meio digital, a polarização política, a precarização da profissão de jornalista e as fake news, entre as principais causas da descrença com os meios de comunicação social atualmente.
 


Há uma crise de credibilidade das instituições democráticas, e Belda apontou uma crise de confiança nos meios de comunicação e um crescimento do descrédito com que a opinião pública vê a opinião informativa. Esse fenômeno, segundo ele, não atinge somente a imprensa, mas o Poder Judiciário, o Ministério Público e as grandes empresas brasileiras, entre outras instituições.

Entre as causas da descrença, que extrapolariam os âmbitos jornalístico, sociológico, político e cultural, ele citou ainda a desintermediação da notícia no meio digital, a geração e a adoção de filtros de notícia. Ele destacou ainda a existência de protocolos e indicadores de credibilidade, que já vêm sendo adotados por diversos meios de comunicação no Brasil e no mundo, como forma de distinguir o jornalismo de qualidade.

Na avaliação do advogado Lourival Santos, a liberdade de expressão é a base da inteligência, do progresso e do avanço cultural do país. Ele ressaltou que a liberdade de imprensa teve início a partir da Independência do país, em 1822, e destacou a atuação dos jornalistas Líbero Badaró (“um povo sem liberdade é um povo mutilado naquilo que tem de mais nobre, é como se não existisse, porque só através das conquistas do espirito as nações se engrandecem”, e Ruy Barbosa, que se refugiou na Inglaterra após ser perseguido no governo Floriano Peixoto (1891-1894).

Secretária-executiva da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Cristina Zahar destacou a importância da liberdade de imprensa, sobretudo nos dias atuais. Entre as iniciativas da entidade em defesa da liberdade de imprensa, ela citou os projetos Tim Lopes, Control X e Comprova, de apuração de notícias jornalísticas. Ela explicou ainda que a Abraji monitora casos de violência contra jornalistas no Brasil. Dos atuais 156 casos, 85 referem-se ao assédio virtual, “que é a mais nova modalidade de intimidação de jornalistas no Brasil e no mundo”, afirmou.

No entender da conselheira Maria José Braga, representante dos jornalistas, é necessário investir nos princípios do jornalismo para não ficar dependente da checagem de notícias, que seria usada de forma transversal, mas sem afetar a produção jornalística.
Por sua vez, o conselheiro Davi Emerich, representante da sociedade civil, disse que já existe um “império a favor da liberdade de imprensa bastante sólido no Brasil”.

Para o conselheiro José Antônio de Jesus da Silva, representante dos radialistas, não há liberdade de imprensa no Brasil, tendo em vista os conflitos de interesse entre patrões e empregados.

Encontro discute conteúdo e inteligência artificial
Paralelamente à audiência no Senado, cinco doutores em comunicação com sólida formação acadêmica estiveram reunidos no painel “A visão da comunicação na era do conteúdo e inteligência artificial”. O objetivo do encontro foi o de analisar como os conteúdos estão sendo impactados pela tecnologia, principalmente a IA (inteligência artificial), como isto está sendo recebido pela audiência e a credibilidade da informação. O moderador do painel foi o jornalista e professor do curso de Rádio e TV da Unesp, Francisco Machado Filho.

Em sua palestra, na EXPO 2020, em São Paulo, Carlos Moura, editor-chefe da Revista da SET/PUC Campinas, abordou a verdadeira batalha por audiência e monetização de conteúdos que a TV tradicional e serviços de vídeo por streaming travam. Para isso, demonstrou dois cases: “Game of Thrones”, exibido pela HBO GO; e a transmissão pelo Facebook Watch do jogo do Flamengo contra o San José em partida válida pela Libertadores da América 2019. “Quando o conteúdo é relevante o streaming ao vivo faz sentido.”

A jornalista da TV Unesp, Leire Mara Bevilaqua, falou a respeito das novas estratégias dos telejornais em usar as redes sociais para se aproximar de seu público. O seu objeto de estudo foi o Jornal Nacional. Ela detectou que o modo de endereçamento do telejornal tomou como base o despojamento, quando, ao vivo, foi escolhido o nome da então apresentadora do tempo, Maria Júlia Coutinho, que passou a ser chamada pelos colegas de Maju Coutinho, uma identificação que os internautas já nutriam.

Outro episódio envolveu o âncora Willian Bonner, que, ao comentar a notícia de um hacker norte-americano suspeito de invadir o sistema de um avião o chamou de “maluco”. Ele pediu desculpas ao vivo, algo não usual até então. Um novo endereçamento do Jornal Nacional detectado por Leire ocorreu quando o âncora instruiu os internautas a enviarem vídeos com o celular na horizontal para a campanha “O Brasil que eu quero”. Bonner fez até uma espécie de tutorial para ensinar como os telespectadores/internautas deveriam enviar os vídeos. “Este novo endereçamento marcou a interação entre usuários de sites de redes sociais a respeito do conteúdo veiculado”, afirmou a pesquisadora.

Credibilidade e monetização
Presidente do Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo), o professor Francisco Rolfsen Belda, do Departamento de Comunicação Social da UNESP, também é coordenador acadêmico do Projeto Credibilidade, o capítulo brasileiro da iniciativa mundial Trust Project. Segundo explicou, as causas da descrença das pessoas em relação à imprensa além do argumentos já citados na abertura dessa reportagem, foi a “falta de intermediação das informações no meio digital (como no caso de governantes que evitam a imprensa, porém divulgam suas ações por meio de redes sociais); notícias falsas; polarização política; a tendência das pessoas em confirmar os seus posicionamentos por meio de pesquisas de informações na internet para confirmar suas crenças; os filtros bolhas no WhatsApp e outras redes sociais; apuração enviesada de informações ou com deficiências éticas e precarização da profissão jornalística, o que leva à queda de qualidade”, repetiu.

Nesse cenário adverso, a contribuição do projeto credibilidade é fundamental, segundo o docente. “O objetivo é o de refletir sobre a desinformação e desenvolver ferramentas para combatê-la”, afirmou. A geração de credibilidade envolve o desenvolvimento de indicadores tais como o de programar melhores práticas; divulgar a expertise do autor do texto; disponibilizar citações e referências usadas; métodos de apuração; estimular diversidade de vozes na produção do conteúdo e um feedback acionável, como o disponibilizado no Blog do Zé Dudu, que permite ao internautas comentarem a notícia, preenchendo um formulário simplificado.

Alvaro Bufarah Júnior, pesquisador associado ao Intercom, SBPjor e Rede Alcar, apresentou dados sobre modelos de negócios e sua aplicação no radiojornalismo brasileiro. Além das formas já conhecidas e empregadas pelas mídias sociais, ele citou algumas relacionadas a modalidades de paywall. O modelo tradicional de estabelecer um limite mesmo em áreas gratuitas e começar a cobrar após disso pode ser mesclado com outros, que envolvem assinaturas, clube de membros com conteúdos pagos (membership) e até crowfunding (doações).

O maior desafio para os gestores de comunicação será como atender a geração Z, um público formado dentro da estrutura digital. “Na faculdade de comunicação a gente não é preparado para trabalhar com gestão, só aprendemos a ser replicadores de conteúdo”, afirmou Bufarah Júnior.

Subsídios
A audiência pública foi realizada para subsidiar estudo sobre a liberdade de imprensa, solicitado pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA).

O CCS tem como atribuição a realização de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo Congresso Nacional a respeito do Título VIII, Capítulo V, da Constituição Federal (artigo 224 da Constituição e artigo 2º da Lei 8.389, de 1991).

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