Serra Pelada ― ouro de tôlo

Segundo texto publicado pela Cooperativa dos Garimpeiros invadida por adversários da atual diretoria no último domingo, 17. No mês de Abril de 1980, isto é, cerca de três meses depois da descoberta das primeiras pepitas em Serra Pelada cerca de dez mil homens já se dedicavam ao trabalho de escavação em Serra Pelada.

A notícia se espalhou rapidamente e o garimpo recebeu a visita de representantes da Docegeo, uma subsidiária da Vale do Rio Doce e, no dia 05 de maio daquele ano, descendo de helicóptero, chegava à área de Serra Pelada, representando o Governo Federal, o Major Curió, que se infiltrando entre os garimpeiros, viria a tornar-se o maior líder que os garimpeiros já conheceram. Quando o major curió, chegou à Serra Pelada, todos usavam armas, a violência era tamanha a insegurança era total, morriam muitos garimpeiros todos os dias, todas as questões, todas as dúvidas eram resolvidas na base do revólver, segundo contam os antigos garimpeiros como; Neném Capixaba, Pé na Cova, Raimundo Sena, Capota, Geraldo Oládio e muitos outros que ninguém dormia com tantos tiros que eram disparados pelos garimpeiros durante à noite.

Quando o Major Curió chegou à Serra Pelada, designado pela Presidência da República, as condições em Serra Pelada eram sub-humanas, havia surto de meningite e morriam cerca de três garimpeiros por dia, fora os que morriam à base do 38.

Em Serra Pelada o trabalho era contínuo, homens formavam filões humanos de até 15 mil garimpeiros, carregando de forma ordenada os cascalhos em sacos de até 40 kg, percorrendo uma média de 20 a 25 km por dia até completar a sua tarefa.

Na verdade, Serra Pelada foi o primeiro garimpo em que o Governo Federal entrou para organizar e garantir trabalho a milhares de homens vindos de regiões as mais distantes do Maranhão, Pará e Goiás, coincidentemente, as zonas mais pobres do Brasil, o nordeste.

Não havia condição nenhuma de apoio sanitário e como em todos os garimpos dessa grande Amazônia, o garimpeiro sempre foi um escravo, pois sempre quem é o dono do garimpo é o dono da pista e avião que joga as cargas com alimentos, além de fazer o transporte de pessoal. O dono da pista é o homem que abre a pista no meio da selva e só ele tem o controle. Ele explora as casas de mulheres, as chamadas bodegas de vendas de alimentos e cobra de 20 até 50% dos garimpeiros de suas produções. Quando o Governo Federal na verdade entrou no garimpo, o fez para organizar e garantir o trabalho de milhares e milhares de garimpeiros, tudo isso foi corrigido, a bebida, a prostituição, o Governo procurou dar condição de trabalho, condições humanas. Constituindo na mão-de-obra mais bem remunerada do país.











Em dezembro e 1983, o número de garimpeiros era de mais de cento e vinte mil, representando a maior concentração de trabalhadores do País, principalmente nordestinos, que representa 70% dos atuais trabalhadores, meia-praça e diaristas, aqueles que recebem para carregar a terra para fora da cava, recebiam em média CR$ 10.000,00 (dez mil cruzeiros), pelo dia de trabalho, estes são os diaristas, estes não recebem qualquer porcentagem na apuração do ouro, pois são garimpeiros sem barranco, outros são meia-praça, trabalham o dia todo na sua cata, estes têm suas despesas livre, o dono do barranco ou cata, tem esta responsabilidade. Responsável pela sustentação indireta de mais de seis milhões de pessoas, numa fase em que o desemprego é o nosso mais grave problema social e, numa região em que as condições de vida da população são de quase miséria absoluta. Nesse período, os milhares de garimpeiros existentes em Serra Pelada foram capazes de desmontar uma montanha ali existente, carregando cascalho nas costas, invertendo a posição da Serra e transformando-a em um imenso buraco, num atestado de capacidade de luta dos brasileiros, mesmo trabalhando nas condições mais difíceis possíveis.

É importante salientar que a experiência de Serra Pelada veio mostrar a possibilidade de se erguerem empreendimentos fabulosos, apoiados no trabalho de nosso povo, sem a utilização de recursos de fora nem mesmo do Governo e com grande resultado para o País. Serra Pelada produziu até Novembro de 1983, nada menos que 28 mil quilos de ouro dos quais 6.600 kg em 1980, 2.500 kg em 1981, 6.800 kg em 1982 e o restante em 1983. Todo o custeio da produção do ouro de Serra Pelada foi sem qualquer ônus para o Governo a não ser o rebaixamento das terras nas bordas, coberto com a diferença do preço do ouro comprado pela Docegeo e CEF.

Outro fator importante a salientar na exploração do ouro de Serra Pelada é o caráter da distribuição de renda e de riqueza, uma vez que a exploração é feita através de barrancos medindo 2 X 3 metros, onde trabalham cerca de 20 pessoas em cada barranco, na prática em regime de sociedade, através do que é chamado método de meia-praça. Na realidade os garimpeiros foram e são os efetivos pesquisadores e lavradores da área, representam em Serra Pelada o primeiro grande exemplo de participação comunitária na riqueza mineral do País, em oposição a outros modelos de exploração que nenhum benefício tem gerado ao nosso povo.

A permanência de garimpeiros do ouro, como atividade humana compensadora, fica dessa maneira, na dependência das circunstâncias humanas de coragem destes bravos trabalhadores que deixam suas famílias expulsas pelo desemprego, pela seca e pela falta de terra para o trabalho e se achatam nas matas a procura de um tesouro.

Em 1983, apesar da presença de cerca de 120 mil garimpeiros apenas 48 mil deles eram oficialmente reconhecidos como garimpeiros e obviamente estavam recolhendo o imposto sindical ao Sindicato Nacional dos Garimpeiros que conforme declarações dos garimpeiros, mantêm-se afastado do atendimento aos filiados de Serra Pelada. (fonte revista do garimpeiro nº. 001/ Dez/1983).

O restante dos 120 mil, ou seja, 72 mil (os que não tinham documentação), eram os “furões”, aqueles que andando a pé 30 km, conseguiam penetrar no garimpo sem documentação, burlando a fiscalização.

Na verdade a CVRD, Companhia Vale do Rio Doce, a estatal que já na época era a maior mineradora do mundo, era detentora de um Decreto de Lavra nº 74.509, para a exploração de minério de ferro, que abrangia uma área de 10.000 hectares dentro da qual estava a área de Serra Pelada, que passou a ser assim chamada devido a uma outra serra cuja vegetação era rasteira, devido a grande quantidade de minério de ferro, contrastando com as demais. A CVRD, na realidade nunca se conformou com a situação do garimpo em Serra Pelada e, por todos os meios legais tentou expulsar os trabalhadores da área. À medida que o garimpo avançava, tornava-se cada vez mais perigoso garimpar, aquilo que era uma serra, em pouco tempo, transformou-se em um enorme buraco do tamanho de um campo de futebol do tamanho do Maracanã.













O major Curió, que já se afeiçoara aos garimpeiros, vendo as manobras que eram engendradas contra os descobridores de tamanha riqueza, lançou-se na vida política para ali melhor defender os seus amigos garimpeiros.

Eleito em 1982, o Deputado Federal mais votado do Brasil, Curió, foi incansável na luta em defesa dos garimpeiros, pois as forças contrárias à continuação do garimpo de Serra Pelada, tentavam primeiramente paralisar os trabalhos no garimpo e depois expulsar os garimpeiros da área. Em 1983, o Deputado dos garimpeiros, Sebastião Curió apresentou o seguinte projeto ao Congresso Nacional. “ ... Concede autorização, a título precário, para que os atuais garimpeiros continuem explorando o ouro de Serra Pelada e determina outras providências.

Com o crescimento do garimpo, vieram a surgir também os problemas sociais em grande escala. Foi aí que o Major Curió, enxergando esta necessidade, resolve candidatar-se a deputado federal, sendo então o deputado federal com a maior quantidade de votos da atualidade.

Quando em 11 de junho de 1984, foi criada pelo Congresso Nacional a Lei 7.194, sancionada pelo então presidente da republica JOSÃO BATISTA DE OLIVEIRA FIGUEIREDO, criando a reserva garimpeira. desmembrando da aérea da CVRD.

JÚLIO DE DEUS FILHO.

Conhecido na Serra Pelada como “Julinho”, foi ele que no dia 18 de Setembro de 1983, às 22 horas, tirou a maior pepita de ouro do Brasil, pesando inicialmente 80 kg, depois de lavada, perdeu alguns quilos, indo parra 62.300 gramas, entregue ao Presidente Figueiredo, juntamente com ela apareceram duas de menor peso, as pedras foram entregues ao Presidente pelo Ministro das Minas e Energia, César Cals e pelo Presidente da Caixa Econômica Federal, Gil Macieira. Na época o Ministro Venturini, Chefe do Conselho de Segurança Nacional anunciava que o Ministério da Justiça iria desarmar o garimpo de Serra Pelada.

A pedra achada por “Julinho” foi batizada como Canaã, era a maior que a Pedra Democracia, que pesava 36kg apesar de já ter sido encontrada a pedra Americana no barranco do Albino, que pesou 42 kg. A pedra Canaã é considerada a terceira maior do mundo, pois que na Austrália já haviam sido encontradas duas maiores, uma pesando 95 kg e a outra 72kg.

Julinho disse – antes eu era construtor de calçamento, na cidade de Estreito – Ma, foi eu que entrei como primeiro caminhão em Serra Pelada, trazendo 70 peões, arrastando os peões com os ranchos, além do caminhão ser puxado numa corda, pois não existia estrada, cheguei aqui no dia 16 de Maio de 1980, peguei um barranco comprado por 500 cruzeiros, comecei a baixar barranco, logo o DNPM me proibiu de baixar o barranco, dizendo não ter ouro na área, me deram outro no lugar apertado da Serra, outro na Babilônia e outro na Malvina, este barranco da pepita maior do Brasil, baixei o barranco desde 1981, somente em setembro deste ano (1983) começou a dar ouro, antes peguei ouro no barranco da “Bucetinha”, no apertado da Serra, me deu 28 kg de ouro, sonhei tirando várias pepitas de ouro e tenho certeza que vou tirar mais de 1.000 kg de ouro, pois a Serra está prometendo.


JOSÉ GARCIA PEREIRA ALENCAR

Este é um filho de um dos homens que mais se destacou em Serra Pelada, é filho de Carolina no Maranhão, e como o seu o pai, confiou em Serra Pelada, chegando aqui em meados de Fevereiro de 1980, ouvindo falar na Grota Rica que estava dando muito ouro, antes do sábado de Aleluia que foi o dia em que partimos para Serra Pelada, reunimos dez lavradores de nossa fazenda, por nome Sítio Novo km 89, município de São João do Araguaia – PA, partimos de camioneta , já era permito a entrada de veículos esta viagem até chegar a Serra Pelada durou dois dias, sendo um dia de casa até a Fazenda do Pernambuco, pois daí para frente não podia entrar de carro, chovia muito, dali pra frente, fomos a pé com as mercadorias nas costas, debaixo de chuva e precisado fazer o nosso rancho, os cinco primeiros dias foram para buscar o rancho no sexto dia só eu e outro que já não me lembro o nome trouxemos o resto o rancho, o barracão já estava pronto. Nesta época a Grota Rica já estava cheia de gente, foi aí que meu pai Raimundo Serra Alencar, mais tarde conhecido como farejador de ouro resolveu cavar um barranco sobre a serra da Babilônia, no encontro das três grotas ali existentes, três dias após marcar os serviços um homem a quem não me recordo o nome, encontrou uma pepita de 900 gramas e, no outro dia a Serra já estava limpa e 500 homens trabalhando, ao nosso lado estava o José Maria e o Japonês, que em 80 dias foram mais felizes, encontrando uma laje de 380 kg de ouro, pegando 18 baldes de ouro de ouro, esta laje teve de ser cortada a machado, nós só pegamos uma parte do filão, ou seja, 180 kg após 3 meses de garimpagem, até a chegada desta data, o dinheiro que trouxemos já havia acabado, já tínhamos vendido 200 sacos de arroz e 30 bezerros, isto ainda não deu para pagar tudo até chegar ao ouro, então tive que começar a fazer transporte de garimpeiros e na volta trazer laranjas para a venda no comércio, na última viagem, dois companheiros me aguardavam para me avisar de que nós havíamos bamburrado, dei todas as laranjas de graça, foi o meu primeiro reque que dei, após este dia eu trabalhei na operação ouro durante 23 dias sem saber o que se passava fora do garimpo, mas como o trabalho maneirou, pedi ao meu pai para passear em Marabá, as mulheres atormentavam minha cabeça no sonho, o velho se mancou, foi dureza até ele me liberar, saí às 3 horas da tarde,lá chegando comprei um carro e me mandei, comprei um caminhão Scania, só para matar minha vontade de infância, queria conhecer o Brasil de ponta a ponta, sobre um caminhão, isto eu completei, voltei ao garimpo em 81 – 82 nestes anos tirei 11 kg de ouro, em 83 só tristeza, mas serei o último dos garimpeiros a sair desta mina.
Alencar morreu no ano passado vítima de um infarto fulminante sem uma grama de ouro.

Comentários

RICARDO ARACATI disse…
Meu prezado, bela materia e parabens pelas fotos...
Um abraço Aracati.
Anônimo disse…
Que bela matéria Val. Parabens!!!
Yasmin Ferrari disse…
REALMENTE UMA MATÉRIA ESPETACULAR. DE GRANDE SERVENTIA À ESTUDANTES, PROFISSIONAIS DE ENSINO, A SOCIEDADE EM GERAL.
É um tema de muitas "estórias" Edilson e Alcilene, e um exemplo da incompetência, rapinagem e irresponsabilidade de governos e grandes empresas.

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