Catarse Coletiva
Por: Mair Pena Neto
Durante a ditadura militar no Brasil, uma das arbitrariedades que mais chocava a opinião pública era o fechamento do Congresso. Calar a voz dos representantes do povo era entendido como violência inominável, característica dos regimes baseados na força e temerosos do poder das palavras. O cerco de qualquer Congresso por tropas é imagem simbólica de todo regime de exceção e a invasão de suas instalações chega a ser impensável.
O que dizer então da depredação da Câmara dos Deputados por militantes do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST)? Deplorável. Mas duvido que boa parte da opinião pública brasileira não tenha sentido uma certa catarse no sentido mais primário do sentimento, definido pelo Aurélio como purgação, purificação, limpeza.
Acredito que em nenhum momento da história política brasileira o Congresso esteve tão desacreditado como agora. O corporativismo, os privilégios e a impunidade diante dos muitos escândalos, não só deste governo, vêm minando a credibilidade de uma instituição que deveria ser a mais estimada pelo povo. O Congresso brasileiro não se faz respeitar, o que desencadeia uma permissividade coletiva que explica o quebra-quebra.
Quando na CPI do Tráfico de Armas o advogado acusado de cumplicidade com o PCC respondeu desaforadamente a uma interpelação rasteira de um deputado de que aprendera rápido com a malandragem, boa parte da sociedade aplaudiu. A frase “se aprende rápido aqui”, pronunciada pelo advogado, parecia encaixar-se perfeitamente no pensamento de muitos brasileiros. O Congresso transformara-se numa casa de malandros e as cartas dos leitores nos jornais brasileiros expressavam tal sentimento com muita clareza.
O episódio da CPI já dera aos parlamentares brasileiros um sinal forte do pouco prestígio que desfrutam junto à população. Antes mesmo, uma pesquisa de opinião apontava o pouco respeito dirigido aos nossos congressistas. Esta desmoralização deve ter passado pela cabeça dos militantes sem terra, que não mediram as conseqüências do seu ato. Invadir a Câmara não seria uma afronta ao país, afrontado pelo comportamento dos seus parlamentares.
Pode-se dizer que o parlamento brasileiro paga por todos os seus pecados, o maior deles o afastamento do povo brasileiro. Ser deputado ou senador no Brasil virou emprego, fonte de renda e privilégios. O povo não se vê representado ali e perde a esperança e o respeito com os escândalos não apurados. Seria injusto atribuir apenas ao Legislativo a descrença que acomete a população. Executivo e Judiciário contribuem para a mesma sensação, principalmente este último pela impunidade aos poderosos e a defesa intransigente e insensível de seus elevados ganhos.
Mas, sobretudo, é importante lembrar que o Congresso que aí está foi eleito por nós, brasileiros, através do voto direto. E que cabe a nós transformá-lo. A melhor oportunidade acontecerá em outubro próximo. A taxa de renovação do Congresso tem sido alta nas últimas eleições. Elevá-la ainda mais no próximo pleito teria efeito pedagógico para a democracia brasileira.
Sobre o autor: Trabalhou no Globo, JB e Agência Estado. Foi correspondente da F-1 em Londres durante três anos. Foi editor do JB e repórter especial de economia.
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