"Planalto menosprezou força das oligarquias associadas à classe média insatisfeita"
Lula , trocando o certo pelo duvidoso
Artigo de Nilson Lage - Um dos maiores teóricos da comunicação do Brasi
Não sei nem quero saber quem assessora o presidente Lula em sua campanha pela reeleição. Apesar disso, posso assegurar que se trata de pessoa ou equipe incompetente. Na verdade, para ser sincero, ou são várias bestas ou apenas uma.
Primeiro porque é gente que não sabe ler números. No primeiro turno, assistiu com indiferença olímpica à queda do favoritismo de Lula nas pesquisas e manteve o discurso voltado para elites que nele não votam de jeito algum. Nessa linha, evitou o debate e repetiu muitas vezes formas que nada significam para as pessoas comuns; essas tendem a cuidar de suas vidas em lugar de entender as metáforas com que economistas e empresários disfarçam seus interesses.
Tome-se, por exemplo, 'equilíbrio monetário'. Há equilíbrio na bicicleta, na corda bamba e até no temperamento das pessoas; mas como pode a moeda – papel, metal, valor gravado no disco rígido do computador –equilibrar-se? Esse equilíbrio metafórico é algo que não faz o menor sentido para quem não pratica as artes do marketing e os ensinamentos da Teoria da Utilidade Marginal.
Ou, então, 'crescimento sustentável', às vezes 'crescimento sustentado'. Quem sustenta? A locução é obscura, semanticamente errada (o certo seria 'crescimento auto-sustentável) e padece do mesmo mal: só pode ser traduzida no contexto da utilização interesseira pelos executivos bancários – do sinistro Paul Wolfovicz ao bostoniano Henrique Meirelles deputado-mais-votado-de-Goiás. O que uma bobagem como essa tem que ver com o Homer dos Simpson, para usar a imagem cunhada por William Bonner? O perfil de Homer é o dos mais informados e produtivos prováveis eleitores de Lula.
A falta de criatividade é tão evidente que se imitou descaradamente um bordão de Fernando Henrique Cardoso, que explicava todas as medidas impopulares de seu governo afirmando que eram 'boas para o Brasil".
Esse conjunto de erros táticos, a mesmice e a posição apenas ofensiva acentuaram o lento desgaste da imagem presidencial registrado pelas pesquisas de opinião. Os estrategistas a serviço do Planalto menosprezaram a força e a esperteza das oligarquias, associadas à classe média insatisfeita, desde os funcionários públicos que se chamou de 'privilegiados' até os profissionais liberais que, como é público e notório, praticam o esporte de sonegar o Imposto de Renda via empresas fictícias (a sede, em nove de dez casos, é o escritório do contador), omissão de recibo aos clientes ou distribuição dos encargos entre profissionais iniciantes e ainda isentos. Pois não é que se anuncia – ou, pelo menos, não se desmente –, às vésperas da eleição, que o segundo governo Lula iria tomar medidas para tapar esses ralos?
Justamente servidores da União, estados e municípios (como professores, por exemplo) e profissionais liberais são os que mais influem na formação da opinião pública. Somados aos votos que as oligarquias regionais sempre colecionam, compõem uma força respeitável. Os fatos importam pouco para a indignação teatral das oposições: tem sido assim desde a campanha da maioria absoluta, em 1951 (Getúlio Vargas fora eleito, entre vários candidatos, com pouco menos que metade dos votos); a denúncia do 'mar de lama' em que nadaria o mesmo Vargas, na feroz oposição que o levou ao suicídio, em 1954; a pressão constante exercida sobre Juscelino Kubitschek e que se traduziu em levantes da Aeronáutica, de Aragarças a Jacareacanga; a conspiração para o golpe de 1964, comandada por Golbery do Couto e Silva, no Ipes, e por Ivan Hassolocker, no Ibade: tudo isso e mais os eventos recentes em que o PT revestiu o moralismo cínico com violência verbal desmedida – com ou sem razão para isso.
A culpa é assim, em parte, dos marqueteiros contratados, a peso de ouro, antes mesmo da campanha: são eficientes na hora de aplicar botox na testa do presidente para que ele pareça mais jovem, mas professam uma retórica de anúncios no varejo. Pode ser que, para essas pessoas e para os anjos (do céu ou do inferno) do PT, seja elegante utilizar a fala empolada dos economistas e basear a campanha em números que só especialistas dimensionam (a coisa chega ao ponto de Lula preferir 'milhares de megawatts' a 'milhões de quilowatts': como o nosso Homer provavelmente não tem a menor idéia do que sejam megawatts ou quilowatts, seria levado a crer que 'milhões' é mais do que 'milhares'). Ocorre que todos os governos têm índices significativos, geralmente exagerados ou falseados, para provar que são ótimos; a competição nesse nível parece com as provas infantis de cuspe ou xixi à distância.
Mas a esquerda ajudou, divida como sempre esteve.
Por um lado, a jovem senadora indignada porque Lula não fez o que prometeu antes de ser eleito. Em linhas gerais, entende que ele deveria fazer igualzinho ao boliviano Evo Morales, à esquerda do venezuelano Hugo Chaves; jamais passou pela cabeça da moça saber aonde levaria isso, num país desarmado, vulnerável e historicamente submisso, mas muito mais importante que aqueles dois, em um mundo globalizado e submetido ao imperialismo mais belicoso de todos os tempos.
Por outro, Cristóvam, magoado com o afastamento inesperado (por ele) do Ministério da Educação, dispôs-se a fazer contraponto afetivo com o principal candidato oposicionista. Sua intenção é, claramente, dar dimensão nacional a seu nome.
Num e noutro caso, prevaleceu a animosidade em lugar do bom senso, a emoção em lugar da inteligência. Essa a motivação do comportamento de Cristóvam, no seu diálogo com Geraldo Alkmin, e de Heloísa, em declarações tão femininas quanto esta, no debate entre candidatos a que Lula faltou, antes da eleição em primeiro turno:
- Ele não veio aqui para não ter que me enfrentar!
Finalmente, a corte comportou-se como um exército Brancaleone que jamais viu tanto melado e nele se lambuzou com o apetite dos famintos. Apaixonados por si mesmos ou embriagados com o poder, o uísque (black ou blue), as mesadas, as ambulâncias, a rotina da criminalidade no Congresso etc., os cortesãos contribuíram para tornar Lula uma réplica dos bonecos de Judas nos sábados de Aleluia. E, além de tudo, demonstraram incrível ineficiência administrativa, evidente numa cidade como Brasília onde todos lidam com a administração pública e acham que entendem de política.
Assim, o que era certo ficou incerto. Cqd, diria um matemático: como queríamos demonstrar. Em latim, quod erat demonstrandum
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