Impressões da Imprensa
Ronald de Carvalho
Éramos felizes e não sabíamos.
O jornalista traz a competição na musculatura de seu corpo profissional. Sua função é contar histórias e, de preferência, primeiro que os outros. Sempre competimos entre nós e vivíamos felizes nessa disputa enfezada e agressiva. Fazíamos críticas ao sucesso do outro, mas guardávamos em silêncio uma ponta de admiração e encantamento. A inveja era prima legítima do respeito e reconhecimento de talento.
Mino Carta, esse baixinho irritante, foi o gênio que inventou o Jornal da Tarde e ensinou muita gente. Alberto Dines, autoritário e impaciente, fez do Jornal do Brasil a melhor escola de bom jornalismo. Armando Nogueira, diletante e desfrutável, criou as bases do mais competente telejornalismo brasileiro. Samuel Wainer, esperto e ambicioso, foi o primeiro a pagar salários dignos em uma redação.
Assim foram muitos. Entre críticas ácidas e públicos reconhecimentos, todos conviviam em harmonia efusiva com tapas e beijos.
Hoje, um fundamentalismo ideológico dividiu a todos. Em nome dos valores de um mito, as pessoas foram tomadas pela raiva. Franklin Martins não presta, Paulo Henrique Amorim é mercenário, Ricardo Kotscho ficou bobo, Ricardo Noblat, um irreverente.
Onde ficou o Franklin inteligente e boa praça; onde o Paulo Henrique com seu texto impecável e sensibilidade sutil; Onde o Kotscho com sua alma investigativa; onde o Noblat e seu faro de repórter insaciável? Por onde andam todos, tragados pelo sectarismo e irracionalidade?
Essa é a herança maldita que o jornalismo recebeu desses tempos de intolerância política. O mal que petismo religioso fez à imprensa é irrecuperável.
Estamos todos divididos e assim ficaremos por muito tempo. Cada um carrega muito mais certezas do que dúvidas; muito mais respostas que perguntas.
Assim aconteceu no stalinismo e no macartismo. Assim sucede agora nas disputas religiosas das seitas do Islã.
O jornalismo brasileiro está condenado a ser um ofício de versões. Perdeu os objetivos da verdade na troca pelos adjetivos da crença.
Tudo isso porque passou a viver dividido entre a confirmação ou a denúncia de um mito.
John Kennedy, que viveu em um país onde a iconoclastia política destruiu muitos ídolos da imprensa, propôs uma reflexão que deve calar fundo na antropofagia ideológica dos jornalistas brasileiros. O grande inimigo da verdade, disse Kennedy, não é a mentira – deliberada, forjada e desonesta – mas o mito – persistente, persuasivo e irrealista.\
Em nome desse mito brasileiro do metalúrgico iletrado que chegou ao poder para dividir os privilégios da elite com a multidão de excluídos, a convicção profissional do jornalismo foi feita em pedaços.
A troca de insultos, os insultos impensados, a falta de compostura e a agressão grosseira que se instalou na imprensa, nesse momento de paixão vermelha, embriaguês colorida ou irracionalidade azul, vitima nossa alma e mais que ninguém, o leitor.
Somos infelizes e bem sabemos por quê.
Ronald de Carvalho é jornalista e consultor
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