Chefe militar da Amazônia fala sobre os problemas da região

Outra visão sobre a importância da presença do Estado na Amazônia

Chefe militar da Amazônia fala sobre os problemas da região

Leonel Rocha, para o Correio Braziliense

Quando deixou o comando das tropas de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti, em agosto de 2005, o general Augusto Heleno Pereira escolheu o desafio de ser o chefe militar da Amazônia. No topo da carreira aos 60 anos e já com quatro estrelas, estuda a região desde as academias de formação, onde recebeu as principais condecorações. Para o antigo pára-quedista e combatente de selva, comandar a região era o único posto que lhe atraía. Paranaense criado no Rio de Janeiro, casado, dois filhos e dois netos, ele percorreu nos últimos dias, de avião e helicóptero, longínquos pelotões na fronteira norte do país para supervisionar a tropa em operação. No seu QG em Manaus, o general recebeu o Correio e revelou suas principais preocupações com a maior floresta tropical do Planeta.

Principais problemas
São a questão indígena — a mais grave de todas porque envolve seres humanos —, as organizações não-governamentais mal-intencionadas, a exploração ilegal de madeira, da biodiversidade e de minérios, além do problema fundiário que se confunde com a problemática ambiental. Tudo isto acaba convergindo para uma mesma ilegalidade na luta entre o latifúndio, os movimentos em defesa da reforma agrária e os ambientalistas.

Defesa
No campo militar, analisamos duas hipóteses: enfrentar um inimigo com maior poder ou qualquer outro com poder igual ou menor que o Brasil. Em caso de poderio superior, desenvolvemos a estratégica da resistência que é para quebrar a vontade do inimigo, através de ações de guerra irregular e mesmo de guerra convencional, para poder impor um desgaste que ele seja levado a abandonar o combate na Amazônia que é um terreno difícil. Se o inimigo for de força igual ou mais fraca, partiremos para a ofensiva. Nós temos o melhor combatente de selva do mundo e tenho a selva que é aliada do nosso soldado e um sério problema para os supostos invasores que não podem se adaptar rapidamente ao meio.

Risco de conflito
Quando pleiteamos o reaparelhamento das Forças Armadas, não é que temos perspectiva de um conflito na Amazônia a curto ou médio prazo. Para enfrentar os problemas da região, que são divididos com os países vizinhos, todos amigos, precisamos de melhores meios. Não para fazer guerra, mas para enfrentar os conflitos de interesses.

Sem Justiça
Há um claro vazio de poder na Amazônia. Mostrei isto aos ministros Nelson Jobim (Defesa) e Dilma Roussef (Casa Civil) que visitaram a região. E eles concordaram. Quando sobrevoamos a floresta, ficamos com esta preocupação. Quando pousamos em algum lugar, temos a certeza. E quando chegamos a um pelotão de fronteira e verificamos que a única presença é a militar, constatamos o vazio de poder. Nas áreas onde estão os pelotões, existem instalações para outras instituições do Estado brasileiro, mas elas não mandam pessoal para trabalhar. Com isto, fica caracterizado o vazio de poder. Se considerarmos o conceito básico de divisão de poderes da República, com o Legislativo, Executivo e Judiciário, verificamos que só os militares se instalaram por lá . Lá, quase não existe Justiça. Há uma grande ausência, inclusive dos órgãos de repressão de delitos comuns e o poder econômico é precário.

Criminalidade
O maior risco é que o ilícito comece a se sentir favorecido pelo vazio de poder. No momento em que não há como se ter uma repressão bem feita de crimes comuns, baseada no estado de direito, respeitando os direitos humanos, dentro do contexto de presença do estado, estaremos favorecendo o ilícito. E, com isto criaremos uma situação cada vez mais difícil de ser contornada.

Militares e o crime comum
Nós somos também responsáveis pelo combate aos crimes comuns depois da Lei Complementar 117 que nos dá poder de polícia nas regiões de fronteira. Porém, antes de adotarmos uma posição repressiva, devemos agir construtivamente. Nós precisamos dar às populações da faixa de fronteira condições de vida adequadas. Tem que haver atendimento de saúde adequado que não pode ser proporcionado apenas pelo médico do pelotão de fronteira. Esse problema está ocorrendo até em cidades maiores como Tabatinga, no estado do Amazonas, onde nós absorvemos o hospital porque o governo estadual não teve capacidade de mantê-lo. E continuamos com grande dificuldade para conseguir médicos civis. Eles preferem trabalhar para organizações não-governamentais que pagam mais. A educação é do mesmo jeito. Em muitos locais, os professores são sargentos ou esposas dos militares. E até os próprios índios que estudaram também ensinam. Esses são outros pontos de vazio de poder do estado que não cumpre suas atribuições. As tarefas primordiais na Amazônia têm de ganhar outra dimensão, está na hora de acontecer isto.

Cobiça mundial
Estamos vendo que, cada vez mais, aumenta a cobiça mundial sobre a Amazônia com a redução das possibilidades de expansão das nações mais importantes. O mundo está ficando pequeno. Nós temos que cuidar dessa nossa região e para isto é preciso a presença do Estado, inclusive para favorecer os investimentos com responsabilidade. O desenvolvimento sustentável não vai acontecer enquanto houver vazio de poder. Não sei se estamos preparados para proteger a Amazônia. Só sei que nunca se conseguiu proteger uma região rica como a Amazônia, colocá-la dentro de uma redoma. À medida que vamos ganhando conhecimento tecnológico e nos tornamos capazes de explorar as riquezas da região, fica cada vez mais difícil deixar a área em uma redoma.

Participação da sociedade
Precisamos fazer com que a sociedade brasileira enxergue a Amazônia não como uma coisa distante, mas como parte importante e fundamental do Brasil. Primeiro, a floresta era chamada de inferno verde. Depois, criaram uma imagem mais humana, de uma floresta maravilhosa. Nenhuma delas leva ao desenvolvimento sustentável. Precisamos usufruir tudo o que a Amazônia nos oferece com a preservação ambiental. Não podemos deixar de permitir ao nosso povo que tenha ganhos com o que há de rico na floresta. Daqui a pouco isso tudo pode ser usufruído por estrangeiros. Temos que ter um plano que possa ser executado a curto e médio prazo. O Brasil precisa estar ali com todos os seus instrumentos de poder. Se não formos capazes de atuar desta forma, teremos mais da metade do nosso território explorado de forma não sustentável. E abrigando em grande escala todos os ilícitos.

Comentários

Itajaí disse…
São lúcidas as considerações do General. Embora discorde das Forças Armadas se envolverem no combate a crimes comuns, em algumas situações ela deve somar-se a uma força tarefa, liderando as operações.
É o caso da Amazônia, onde a indisposição, tibieza ou despreraro das polícias podem favorecer a instalação de enclaves da criminalidade internacional e a consequente influência sobre as instituições, o que compromete em última instância a soberania nacional e os valores democráticos. Há que se pensar sobre o assunto profundamente, inclusive no que respeita as questões legais concernentes. Abs.
Observe Oliver que no § 4.o da Lei Complementar n.o 177, de 2 de setembro de 2004, diz: "Na hipótese de emprego nas condições previstas no § 3o deste artigo, após mensagem do Presidente da República, serão ativados os órgãos operacionais das Forças Armadas, que desenvolverão, de forma [episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado], grifo meu, as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantia da lei e da ordem.", das Forças Armadas.

A LC foi decretada para suprir exatamente o vácuo de poder o qual o general se refere.

Cabe ao ministério da defesa, dentre outros, fiscalizar esse estado excepcional de atuação das Forças, que, no caso de nossas fronteiras amazônicas, ainda é a única garantia de ordem contra o avanço de toda a espécie de crimes lá praticado por brasileiros e estrangeiros.

Volto a insistir: precisamos abrir um debate, que melhor seria se fosse uma inclusão na agenda nacional, sobre a discussão de uma reformulação geopolítica na Amazônia sob pena de perdê-la, paulatinamente, como já vem ocorrendo.

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