Publico na íntegra o artigo da jornalista e pesquisadora Myriam Alves sobre o caso, enviado ao blog por e-mail.
Olá, amigos,
Seguem matérias de hoje, 27/12 (leia o post abaixo), ainda sobre a decisão da juíza italiana por conta da Operação Condor. Vale a correção no texto do JB: Joca chegou ao Araguaia no Natal de 1967.
Itália, Joca, Brasil e o Natal
* Por Myrian Luiz Alves
Impressiona a correria do nosso ministro da Justiça para falar sobre a questão do pedido de extradição de agentes e militares brasileiros. Dos 13, apenas alguns nomes são citados; sete estão mortos, entre eles o general Bandeira.
Nos últimos anos, livros e livros são publicados com documentos em sua maioria "vazados" por militares, inclusive livros por eles assinados, como o do militar da Operação Sucuri. Outros trazem entrevistas, a exemplo dos livros do Luiz Maklouf, com o coronel Lício Ribeiro Maciel, e Hugo Stuart, com fontes que não se revelam.
É clara a atuação nacional da repressão ao Araguaia, que matou militantes e dirigentes do PCdoB em outras regiões do Brasil: Luís Guilhardini, Carlos Danielli, Ruy Frazão, entre outros. É clara também a decisão de eliminar, além dos comunistas, militantes da Ação Popular, como mostra o texto da Operação Marajoara, de 1974. O coronel Lício já disse que participou da prisão e morte de militantes do Molipo, no antigo estado de Goiás. O ex-sargento Santa Cruz disse que perseguiu tupamaros no estado do Amazonas.
Há uma decisão da Justiça para averiguação de todos os fatos relacionados à Guerrilha do Araguaia. Qual é o problema, afinal, para trazer os fatos à tona?
Ora, se os militares querem falar, vazar cópias de documentos, por que não são chamdados em público? Quem os proíbe de falar oficialmente? Há listas de seus nomes nas cópias dos relatórios oficiais. E vários deles são por demais conhecidos. Vangloriam-se de sua atuação. Pois que façam isso em público e mostrem que o Estado possui mais documentos e registros fotográficos do que eles, com suas lembrancinhas da guerra que servem obviamente como chantagem a oficiais mais graduados e ao próprio Estado. Ou, quem sabe, as lembrancinhas ajudam a sua própria segurança? Do que o Estado tem medo? De quem?
Há 16 anos findava uma CPI municipal que ouviu militantes, torturadores, legistas, coronéis, delegados. Fez-se um relatório que foi enviado aos órgãos competentes. Até hoje há desdobramentos não solucionados, como o pedido de busca de corpos no Araguaia. Um dos desdobramentos, realizado pela Comissão Justiça e Paz, trouxe a única identificação do Araguaia, Maria Lúcia Petit. Um de seus companheiros, Bergson Gurjão Farias, enterrado ao seu lado no Cemitério de Xambioá, teve seu corpo resgatado em 1996 e até hoje nenhum médico legista brasileiro pôde examiná-lo. Registros fotográficos das sepulturas foram feitos pelo advogado Paulo Fonteles em 1981. Paulo, o primeiro pesquisador do Araguaia seria assassinado em 1987. Os corpos do Araguaia dão medo? Por isso, ao serem retirados de túmulos, jazem em armários públicos? Revelariam crimes de poderosos? Revelariam crueldades inimagináveis feitas por homens das mais altas patentes ainda em atuação? Revelariam atuações de agentes estrangeiros em território nacional? Ou provariam apropriações particulares de terras e riquezas em detrimento de uma população violentada e até hoje cercada? E por que cercada, maltratada? Seria por conta da exploração da imensa e plural riqueza da região sudeste do Pará? Não é justamente ali, naquela porção do Brasil, que ocorrerram e ocorrem as maiores violências contra líderes rurais? As entranhas do Araguaia continuarão sendo pesquisadas por curiosos da vida política, social e econômica brasileira. Pessoas que querem saber de outras pessoas, como muitos, senão a totalidade, daqueles que tombaram no Araguaia. Além da reconstituição de fatos que ocorreram em nosso País, três dos militantes e dirigentes comunistas citados nesta mensagem, Líbero (Joca), Paulo Roberto (Amaury) e Bergson (Jorge) têm suas mães vivas. Que pena! E que vergonha nos causa a recusa em deixar ou obrigar os que têm informações contar o que se passou ou o que se passa. A começar pelos arquivos guardados nos prédios públicos. Saber fatos da história é um direito que nos cabe. Saber a vida dos que lutaram pelo Brasil afora é um direito que ainda lhes cabe. Não fosse assim, os seres humanos não fariam registros em pedras, em cavernas.
Que 2008 traga mais luz ao Brasil. Que ele possa se conhecer um pouco mais e que a política seja novamente considerada também a arte do conhecimento... É o saber que nos leva adiante. Um povo, como diria o Conselheiro, que não conhece seu passado, não consegue preparar seu futuro.
Fica, aqui, a sincronicidade cobrada pelo noticiário deste Natal de 2007: a maior emboscada dos militares contra a Guerrilha aconteceu no Natal de 1973. Nela, entre outros, tombaram dois de seus comandantes: Maurício Grabois e Gilberto Olímpio Maria. Maurício, baiano nascido judeu, liderou a bancada comunista constituinte de 1946 a instituir a liberdade de culto no País. Antes, engajou-se para a ida de brasileiros para combater o fascismo na Europa (um de seus maiores camaradas, o ítalo-brasileiro Joca, lutou para combater o fascismo aqui). Gilberto gostava de Quixote. Paulo Roberto Pereira Marques, Amaury, bancário, tratou doentes e fez partos num povoado chamado Palestina e num outro chamado Santa Cruz. Morto aos 22 anos, provavelmente naquele Natal, registrou aos 16 anos a crônica Cristo. Em outro texto, também aos 16, escreveu: "Diga seu último desejo, gritou o carrasco. Suava, tremia, agora que a morte lhe chegava perto. Quero ver as estrelas, balbuciou."
O que seria das histórias nacionais e da literatura mundial sem um Quixote?
* Myrian Luiz Alves é jornalista e pesquisadora. Ajudou nas investigações que levaram à localização de desaparecidos políticos brasileiros que foram enterrados em covas clandestinas (uma vala) no Cemitério de Perús, na Grande São Paulo e finaliza um livro sobre o militante da Guerrilha do Araguaia, cidadão italiano, Giancarlo Castiglia - o Joca.
Que se abram os arquivos aos familiares
Acompanho fatos relevantes a partir de abordagem jornalística, isenta e independente
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