ARTIGO
Naércio Menezes Filho
Há muito tempo discute-se o problema regional brasileiro. A principal questão é entender porque existem diferenças tão grandes de renda per capita entre as regiões brasileiras e porque estas diferenças persistem por períodos tão longos de tempo. Como a insuficiência de renda se traduz em pobreza, o problema que se coloca é porque a pobreza no Brasil tende a se concentrar nos Estados nordestinos.
Há uma corrente de economistas que argumenta que a pobreza no Nordeste decorre da ausência de políticas de desenvolvimento regional. Segundo esta corrente, por razões históricas o desenvolvimento econômico foi mais acelerado no Sudeste e no Sul do Brasil e isto gerou um círculo vicioso, que cada vez mais concentra renda e capital nestas regiões, em detrimento dos Estados nordestinos. Assim, segundo este argumento, a solução é subsidiar o desenvolvimento da indústria local. É com base neste raciocínio que foram criadas as agências de desenvolvimento regional como a Sudene, Sudam e recentemente as zonas especiais de exportação, tão conhecidas de todos nós. Implícita neste argumento está a idéia de que o Sudeste e o Sul do país são, em parte, "culpados" pela concentração de pobreza no Nordeste, e assim devem dar sua contribuição através da transferências de recursos públicos.
Esta visão é incorreta, em minha opinião, por vários motivos. Em primeiro lugar, as diferenças de renda média entre os diversos Estados brasileiros não são tão grandes quanto parecem. As grandes diferenças de renda e PIB per capita nominais entre os Estados são bastante reduzidas quando levamos em conta as diferenças de custo de vida entre eles. Assim, ao examinarmos as diferenças de renda per capita entre os Estados do Sudeste e do Nordeste, por exemplo, observamos que, em termos nominais, os primeiros têm uma renda em torno de duas vezes maior. Mas, quando levamos em conta as diferenças de custo de vida entre os Estados destas duas regiões, esta diferença se reduz para cerca de 56%.
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Parece-me que o problema não é de transferência de renda entre Estados, mas de transferência de renda entre as pessoas que moram dentro dos Estados
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Na verdade, uma tese de doutorado defendida recentemente na Universidade de São Paulo (por Ricardo Freguglia) acompanhou os mesmos trabalhadores ao longo do tempo e constatou que muitos trabalhadores estão perdendo renda quando migram para São Paulo de outros Estados, ou seja, passam a ganhar um salário menor de que ganhavam na sua região de origem, após levarmos em conta as suas características. Estes trabalhadores vêm para São Paulo iludidos com a possibilidade de um emprego melhor, mas acabam defrontando-se com condições de trabalho e custo de vida bastante adversos. É interessante notar que os próprios trabalhadores estão enxergando este fato, pois a migração para São Paulo vem diminuindo consistentemente ao longo do tempo, de tal forma que hoje em dia há mais pessoas saindo do que pessoas migrando para São Paulo.
Mas se a diferença de renda entre os Estados não é tão grande, porque então a pobreza é significativamente maior na região Nordeste, atingindo 51% da população, do que no Sudeste, que tem "somente" 18% de pobres? A diferença está na desigualdade de renda que prevalece no interior destes Estados. Enquanto o índice de Gini em São Paulo é 0,53, por exemplo, no Piauí e no Rio Grande do Norte Ceará ele atinge 0,60. Assim, parece-me que o problema não é de transferência de renda entre Estados, mas sim de transferência de renda entre as pessoas que moram dentro dos Estados. O que sempre ocorreu no Nordeste é a existência de uma elite política e econômica com rendimentos elevados convivendo com situações de pobreza extrema.
Mas, afinal de contas, quais são os principais fatores que determinam a diferença de renda entre as regiões? Grande parte desta diferença decorre das diferenças de capital humano entre as populações. Enquanto a população dos Estados do Sudeste tem cerca de 9 anos de escolaridade (dados da Pnad de 2006), os nordestinos têm apenas 7. Como cada ano adicional de escolaridade aumenta o salário em cerca de 11% no Brasil, ao levarmos em conta as diferenças de educação entre os Estados, o diferencial de renda entre essas duas regiões cai para apenas 26%. Além disto, a qualidade da educação oferecida nos Estados do Nordeste é substancialmente inferior à dos Estados do Sudeste. No último exame de matemática do Saeb (Sistema de Avaliação do Ensino Básico), por exemplo, a nota média das escolas do Nordeste foi 166, enquanto no Sudeste foi de 196 (18% maior).
Diante deste quadro, qual seria então a solução para diminuir a pobreza no Nordeste? Será que deveríamos incentivar o nascimento de novas indústrias, fornecendo subsídios para que elas permaneçam na região e criando zonas especiais de exportação? Claramente não. Políticas deste tipo geram vários problemas. Em primeiro lugar, políticas protecionistas distorcem os preços relativos, protegendo setores que de outra forma não conseguiriam sobreviver. Além disto, o tipo de atividade escolhida para receber o subsídio fica a cargo do Estado (ou das agências de fomento), e não há garantias de que o Estado tenha uma visão clara de que setores teriam alguma vantagem comparativa na região, o que em alguns casos acaba gerando corrupção. Finalmente, estas políticas custam caro em termos de recursos da sociedade, os benefícios são bastante duvidosos e as indústrias tendem a se retirar da região assim que os subsídios terminam. Assim, a região fica eternamente dependente dos subsídios, como no caso da Zona Franca de Manaus.
Mas o mais perverso de tudo isto é que a elite local (donos de empresas e fazendas) que acaba se beneficiando mais dos subsídios, sendo que a população mais pobre continua pobre. A prova disto é que já temos quase meio século de políticas de desenvolvimento regional, sem que a pobreza nem a desigualdade tenham se reduzido no Nordeste de forma mais acelerada do que no resto do Brasil.
Assim, se quisermos enfrentar a questão da desigualdade regional de renda no Brasil é preciso encarar o fato de que políticas desenvolvimentistas não irão resolver o problema da pobreza no Nordeste, e que, ao contrário, elas tendem a gerar mais desigualdade e corrupção. Para criar uma situação de crescimento sustentável de renda nas regiões mais pobres do país, sem dependermos eternamente de programas de transferência de renda do tipo Bolsa Família, é necessário investir mais na qualidade da educação. Sem isto, os trabalhadores nordestinos não conseguirão se beneficiar e nem dinamizar as atividades econômicas da região.
Naércio Menezes Filho é professor de economia do IBMEC-SP e da FEA-USP e diretor de pesquisas do Instituto Futuro Brasil, escreve mensalmente às sextas-feiras
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