Mulholland pressionado à deixar o cargo

"O vexame a que expôs a Universidade de Brasília não tem precedência. Ou ele sai ou a universidade estará desmoralizada", Fábio Felix, coordenador do DCE da UnB.

Comissão pede saída de reitor da UnB
Demétrio Weber
"As universidades estatais foram apropriadas por sua comunidade", diz Cristovam

BRASÍLIA. O presidente da Comissão de Educação da Câmara, deputado Gastão Vieira (PMDB-MA), defendeu ontem que o reitor da Universidade de Brasília (UnB), Timothy Mulholland, deixe o cargo. Para Vieira, a divulgação de que a universidade gastou R$470 mil com móveis e artigos de luxo, inclusive uma lixeira de R$990, para mobiliar seu apartamento funcional inviabilizou a permanência de Mulholland à frente da instituição:

- Não há mais condição, perante a sociedade brasileira, de que o Timothy continue como reitor da UnB. Houve um abuso. É preocupante ver a autonomia universitária, que se quer cada vez maior, ser usada para estabelecer prioridades que nada tem a ver com a finalidade da instituição. Como reitor, deveria ter dito: "não aceito" (os móveis e artigos de luxo comprados para a residência oficial).

O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UnB quer o afastamento temporário de Mulholland enquanto durar a investigação sobre os gastos. Na próxima quarta-feira, o DCE pretende protocolar representação no Ministério Público Federal pedindo a apuração do caso.

- Não queremos fazer prejulgamento, mas todos os mecanismos de auditoria de contas dentro da universidade passam pela chancela do reitor. Qualquer investigação fica prejudicada com a presença dele - disse o coordenador do DCE, Fábio Felix.

Conselho Universitário é presidido pelo próprio reitor

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que foi ministro da Educação e, de 1985 a 1989, reitor da UnB, classificou o episódio como um desastre. Ele lembrou que, ao assumir a reitoria, providenciou a venda do apartamento funcional da instituição e aplicou o dinheiro no campus. Cristovam disse que Mulholland deve um pedido de desculpas à sociedade, mas considerou prematuro falar em destituição do cargo.

- As universidades estatais foram apropriadas pela sua comunidade. Cada professor, funcionário e estudante acha que é dono, como se a universidade não pertencesse ao país. Houve uma apropriação do patrimônio estatal pelas corporações. O dinheiro deveria ir para os laboratórios de biologia, computação.

Internamente, o Conselho Universitário, que é presidido pelo reitor e reúne diretores de faculdades e estudantes, é a instância com poder para destituí-lo do cargo. Até ontem não havia reunião marcada. As aulas na UnB só começam em março.

O coordenador-geral do DCE cobrou investimentos nos cursos, afirmando que o custeio de nenhum deles em 2007 consumiu mais do que as despesas com o apartamento funcional, uma cobertura num prédio de luxo na Asa Norte, no Plano Piloto:

- Nos laboratórios falta reagente, na biblioteca falta acervo. Mais de 400 pessoas vivem na Casa do Estudante com falta de água, luz e goteiras.

Procurado pelo GLOBO, Mulholland não quis dar entrevista ontem, um dia após anunciar que deixou o apartamento. A reitoria confirma os gastos para mobiliar a cobertura, e sustenta que a despesa foi de R$350 mil. O Ministério Público do Distrito Federal vai acionar o Ministério Publico Federal para cobrar o ressarcimento aos cofres públicos.

Reitor deixa imóvel de luxo Erika Klingl - Da equipe do Correio
InvestigaçãoTimothy Mulholland toma decisão após repercussão sobre gastos com reforma e compra de mobília do apartamento de propriedade da UnB. Não satisfeito, Ministério Público quer devolução de dinheiro
O reitor da Universidade de Brasília (UnB), Timothy Mulholland, deixou o luxuoso apartamento da 310 Norte, onde morava havia um ano, e que foi decorado com recursos repassados pela Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec). A decisão de sair da cobertura do prédio da Fundação Universidade de Brasília (FUB) foi tomada após a divulgação das cifras gastas na decoração do imóvel. Ao todo, foram usados, de acordo com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), R$ 470 mil em mobiliário e equipamentos, como uma cafeteira de R$ 499 e R$ 69 mil em cadeiras, poltronas, uma mesa de centro, uma cabeceira de cama e um banco (veja a lista).
O dinheiro para equipar o apartamento veio do Fundo de Apoio Institucional (FAI), abastecido pela Finatec. A resolução nº 001/1998 do Conselho de Administração da UnB, de 30 de dezembro de 1996, determina que 10% de todos os recursos captados pela Fundação devem ir para o FAI. O destino desse dinheiro é sempre definido pelo Conselho da UnB. Em 6 de julho de 2006, o grupo determinou que parte desse valor deveria arcar com todos os gastos de moradia do cargo de reitor, incluindo o condomínio e estrutura do imóvel. Foi a partir daí que se decidiu pela ocupação e compra de mobiliário para a cobertura.
A direção da Finatec faz questão de deixar claro que o recurso usado no apartamento não saiu do orçamento para pesquisa e extensão científica. Também ressalta que a decisão de gastar o dinheiro do Fundo com o apartamento não tem relação com a Fundação. “Os recursos são da UnB. O Conselho Superior da instituição se reúne, delibera sobre as necessidades da instituição, requisita a compra para a Finatec, que cota os valores e, por fim, doa os itens comprados para a universidade”, explicou o advogado Francisco Queiroz Caputo Neto, que representa a Finatec. “No caso do apartamento, como as decisões eram muito subjetivas, a fundação já recebeu a indicação do que comprar e onde comprar.” No pedido havia até a loja e o código do item a ser adquirido. “O dinheiro gasto para o apartamento não é público, veio da Finatec, uma fundação privada. Ao repassar os recursos para a FAI, o destino deles é decidido, aí sim, exclusivamente pela UnB”, completa Caputo Neto.
Carta A decisão do reitor de deixar a cobertura foi anunciada por meio de uma carta pública à comunidade acadêmica. Pelo documento, Timothy informou que decidiu pela imediata desocupação do imóvel e pela destinação do local exclusivamente para atividades de representação da instituição federal de ensino superior. Ou seja, a partir de agora, o apartamento só poderá ser usado em recepções sociais e oficiais. Para o promotor Ricardo Antônio de Souza, da Promotoria de Justiça de Tutela das Fundações e Entidades de Interesse Social, sair do apartamento não é suficiente. “Nesse caso, deve haver ressarcimento aos cofres públicos”, afirma.
Ontem, Timothy não estava mais no imóvel. “Sem qualquer apego pessoal, sensível às preocupações da comunidade universitária e para preservar a instituição, determinei que o imóvel seja reservado — exclusivamente — para atividades de representação da Universidade”, citou o reitor, por meio da carta. A estratégia da reitoria é desvincular a imagem de luxo e desperdício de dinheiro para equipar o apartamento da imagem do reitor e da UnB, que sofre com falta de recursos para pagar contas de consumo e melhorias na casa dos estudantes. A assessoria da instituição ressalta que o valor gasto na montagem do imóvel foi de R$ 350 mil e não R$ 470 mil.
Saída No início da tarde de hoje, representantes dos universitários, dos moradores da Casa dos Estudantes e dos docentes da instituição vão se reunir para redigir um manifesto conjunto de repúdio ao caso. “O reitor tem que se licenciar do cargo”, afirma Fábio Felix, coordenador-geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UnB. De acordo com ele, todas as medidas jurídicas, políticas, institucionais e não institucionais estão sendo tomadas para pressionar o afastamento dos envolvidos, inclusive o reitor, e para agilizar o andamento das investigações feitas pelo MPDFT.
“O reitor é presidente do Conselho da UnB, que decidiu pela reforma do apartamento. Para nós, está muito claro o envolvimento dele. O afastamento é fundamental para que as investigações não sejam prejudicadas”, diz Felix. “A reforma do apartamento pode ser até legal, mas é imoral”, completa. Além do DCE, participarão da reunião representantes da Associação dos Docentes da UnB (AdUnB), do Sindicato dos Servidores da Fundação Universidade de Brasília (Sintifub) e da Associação dos Moradores da Casa dos Estudantes.
Fatura
A mobília e os equipamentos do apartamento da reitoria da UnB chamam atenção pela ostentação
Cadeiras, poltronas, mesa de centro, cabeceira da cama e banco - R$ 69.566
Refrigerador, freezer, fogão, lava-louças, adega etc - R$ 31.150
Toldos - R$ 10.400
Dois faqueiros - R$ 3.998
Taças de vinho e copos de uísque - R$ 4.590
Home cinema - R$ 36.603
Tapetes, persianas e colchões - R$ 37.668
Telas artísticas - R$ 21.600
Palha para revestimento, xales de seda, tapetes e almofadas - R$ 20.562
Plantio de 16 vasos com plantas - R$ 7.264
Três lixeiras - R$ 2.738
Instalação de ar-condicionados nos quartos - R$ 11.470
Instalação de luminárias - R$ 9.845
Fonte: Notas fiscais obtidas pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

Correio Braziliense e O Globo

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