10/jul/08 (Alerta em Rede) – Um ano após decidir pela retomada do Programa Nuclear brasileiro, o governo se sente mais seguro para anunciar que o reinício das obras da usina nuclear de Angra 3 (1.350 MW) deve ocorrer no início de setembro próximo, logo após a emissão da licença de instalação pelo Ibama, aguardada para 30 de agosto.
O informe foi deito pelo ministro de Minas e Energia Edison Lobão e confirmado por técnicos do Ibama. [1]
Para marcar posição, o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, adversário histórico da energia nuclear, fez alguns muxoxos e avisou que vai exigir compensações ambientais e monitoramento independente para os níveis de radiação. "Vamos acrescentar vários pontos nessa licença ambiental. Queremos um prazo para resolver o problema dos rejeitos, o lixo nuclear (sic)", disse Minc. Para Lobão, as eventuais exigências ambientais postuladas não causam preocupação para o cronograma de Angra 3. [2]
Já o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, foi mais além e reafirmou a importância estratégica do Programa Nuclear para o Brasil, recordando que se está trabalhando com um cenário estratégico para a construção de mais quatro usinas nucleares. "Não precisamos da energia nuclear hoje, mas ela é importante por uma questão estratégica. Daqui a 20 anos ou 25 anos não teremos hidrelétricas suficientes para atender às necessidades e aí a nuclear é uma boa alternativa", afirmou Tolmasquim.
Tolmasquim se refere à chamada complementaridade de usina térmicas – tanto as convencionais quanto as nucleares – que são acionadas durante os períodos de redução da produção das hidrelétricas, que são a base do sistema elétrico nacional. Há, contudo, diferenças cruciais entre térmicas convencionais – principalmente as que queimam gás natural e outros derivados do petróleo - e as nucleares. Estas, como Angra 1 e 2, operam na base, ou seja, só são desligadas em paradas programadas ou emergenciais, enquanto as demais devem ficar desligadas a maior parte do tempo e só são acionadas quando necessário. [3]
Esse arranjo peculiar do sistema elétrico brasileiro decorre das fontes energéticas que dispomos ou não. Ainda dispomos de 100 GW de energia hidrelétrica a ser aproveitada, somos a sexta maior reserva de urânio do mundo, mas ainda não temos petróleo e derivados nas quantidades requeridas; mesmo que as recentes descobertas do pré-sal forem, de fato confirmadas, há que se considerar o seu custo de utilização.
Por isso mesmo, é relevante mencionar-se o caso da mina de urânio associado a fosfato de Santa Quitéria, no Ceará. Após anos de idas e vindas, finalmente a Indústrias Nucleares do Brasil (INB) escolheu a produtora de fertilizante brasileira Galvani como sua parceira privada para explorar Santa Quitéria, após disputa com a Vale e a Bunge Fertilizantes. O modelo de negócio é inédito e não quebra o monopólio estatal da exploração de urânio no país, garantido pela Constituição. [4]
Alfredo Tranjan Filho, presidente da INB, afirmou que a decisão da Galvani de arcar com os custos integrais para o desenvolvimento da mina - estimados em US$ 377 milhões - foi um dos fatores que pesaram para a escolha do grupo. "O projeto da Galvani era melhor do ponto-de-vista econômico para a INB. O fluxo de caixa do empreendimento prevê um resultado melhor", afirmou.
Como se sabe, o Brasil tem enorme carência de fertilizantes (importa a maior parte que utiliza) e Santa Quitéria tem a maior mina de urânio associada ao fosfato do país, com reservas geológicas estimadas de 142.500 toneladas de urânio e de 8,3 milhões de toneladas de óxido de fósforo e mais 300 milhões de metros cúbicos de mármore, totalmente isento de urânio. A expectativa é que a mina comece a produzir no fim de 2013, atingindo a plena capacidade, de 240 mil toneladas de fosfato e 1.500 toneladas de urânio por ano, em 2015.
Panorama estratégico mundial
Por outro lado, a decisão do governo brasileiro em reativar o seu Programa Nuclear, que é constitucionalmente pacífico, está em perfeita consonância com o que muitos estrategistas denominam como o renascimento do setor para a geração de eletricidade. Sintomático, neste caso, foi a matéria publicada pela influente revista alemã Spiegel com o sugestivo título ‘Desativando a desativação: o inexorável retorno da energia nuclear’. [5]
Observando que os preços do petróleo estão das alturas e que os gases estufa estão elevando as temperaturas ao redor do mundo (sic), a Spiegel comenta que, enquanto dezenas de novos reatores estão em construção ou em planejamento, a Alemanha mantém a decisão de desativar os seus em decorrência do acordo ‘verde-vermelho’ acertado em 2000. Pelo acordo, sete usinas nucleares alemãs - Biblis A, Neckar-Westheim 1, Brunsbüttel, Biblis B, Isar 1, Unterweser, Philippsburg 1 – devem ser desativadas entre 2010 e 2012, o que deverá causar uma queda dramática na geração de eletricidade no país.
Diz a revista:
‘A idéia era que, no decorrer dos anos (entre 2000 e 2010), a eletricidade produzida por fontes renováveis cresceriam a tal ponto que a lacuna nuclear dificilmente seria notada. Isso, contudo, está ficando cada vez mais improvável. Apesar de décadas de investimento maciço e programas generosos criados para promover a geração eólica, solar e de biomassa, as fontes energéticas ‘verdes’ respondem por apenas 14% do suprimento de eletricidade do país. Mesmo que este número dobre em futuro próximo, a parte do leão do consumo de eletricidade da Alemanha terá que vir de algum outro lugar. Sem a fonte nuclear, esse ‘algum outro lugar’ significa, na Alemanha, térmicas a carvão.
Consciente que a Alemanha é o único integrante do G-8 com um programa de desativação– e não de construção ou prolongamento da vida útil – de centrais nucleares, a chanceler Ângela Merkel vem sutilmente articulando suas bases políticas para reverter o acordo ‘verde-vermelho’. A revista cita Thomas Steg, porta-voz de Merkel, que declarou com ironia: “A chanceler verificou que a discussão sobre o uso de energia atômica foi re-energizada’. Um importante líder partidário da coalizão politica governista CDU-SPD foi mais além e afirmou que ‘No futuro previsível, a contribuição da energia nuclear para a geração elétrica na Alemanha é insubstituível’.
Adiante, a revista menciona os mais de ‘100 reatores atualmente em construção ou em planejamento’, citando a Índia (17 reatores), a China (cerca de 30), a França e outros,
ressaltando recentes declarações do secretário de Energia dos EUA, Samuel Bodman: ‘Não precisamos de 30 reatores adicionais, precisamos sim de 130 ou 230’. Adicionalmente, que o primeiro-ministro britânico Gordon Brown pressiona a sua base política para que 40% da eletricidade gerada no país venham de usinas nucleares, o que significaria a construção de 20 novos reatores.
Existem vários pressupostos a serem conquistados para que o Brasil alcance o legítimo protagonismo mundial que lhe cabe. Um deles é o pleno domínio e desenvolvimento da ciência e tecnologia nuclear para fins exclusivamente pacíficos.
Notas:
[1]Governo já tem data para tirar Angra 3 do papel, O Estado de São Paulo, 08/07/2008
[2]Minc quer compensação por Angra 3, O Estado de São Paulo, 09/07/2008
[3]Usinas são reserva estratégica, O Estado de São Paulo, 10/07/2008
[4]INB escolhe Galvani como parceira nas operações de urânio no CE, IBRAM, 25/06/2008
[5]PHASING OUT THE PHASE-OUT, Spiegel Online, 11/07/08
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