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Rio - uma guerra contra a sociedade
ARTIGO
* Ricardo Vélez Rodríguez
Poucos se lembram da propaganda de uma marca de vodca que era exibida na TV no decorrer dos anos 80 do século passado. Um sujeito bem vestido e com cara de quem está com tudo em cima olha para o espelho antes de sair da farra e se enxerga com cara de anteontem: olheiras enormes, semblante lastimável. Pergunta à imagem do espelho quem é e ela responde: "Eu sou você, amanhã." Desde essa época afirmo, em palestras e aulas pelo Brasil afora, que a Colômbia é, hoje, o Brasil de amanhã. As cenas da guerra carioca a que assistimos pela TV ao longo das últimas semanas e que vemos estampadas nos jornais já foram vistas, 20 e tantos anos atrás, nas ruas de Medellín e Bogotá. Era a guerra do narcotráfico nas cidades colombianas, que estudioso francês caracterizava como "uma guerra contra a sociedade".
Ora, o que está acontecendo no Rio de Janeiro é exatamente isso: uma guerra contra a sociedade. De um dos lados está o banditismo dos narcotraficantes e milicianos, que mantém refém boa parcela da população. Esse banditismo, nos surtos habituais de violência que acompanham o narcovarejo dos morros, já afeta todos os cariocas. De outro lado está a polícia, que, mesmo tendo em seus quadros oficiais, delegados, praças e funcionários do bem, ainda não foi depurada da banda podre, que deixa morrer na calçada, por exemplo, um cidadão, assaltado no centro da cidade, como aconteceu recentemente com o fundador do AfroReggae. No meio desse tiroteio está a cada vez mais indefesa e apavorada massa dos cidadãos e dos turistas, que não são poupados nem por bandidos nem por maus policiais.
O drama que se vive no Rio é o que sofrem hoje, com intensidade cada vez maior, as cidades brasileiras. O combustível que alimenta toda essa barbárie é um só: o narcotráfico. O Brasil, atualmente, não é apenas rota de processamento e exportação de narcóticos. É também consumidor. A espiral da violência urbana não será desmontada enquanto não for removida a causa que a alimenta: o narcotráfico e o consumo de entorpecentes.
Como pano de fundo de toda essa barbárie temos um Estado gerido, nas suas instâncias federal, estadual e municipal, com critérios clientelistas, que configuram a cultura do patrimonialismo. É claro que há pontos de racionalidade administrativa. Mas convenhamos que, ao longo dos últimos anos, a coisa piorou bastante. Instalou-se no País uma forma mafiosa de gestão da coisa pública, exacerbando o princípio que já fazia parte do folclore político: aos amigos, os cargos; aos inimigos, a lei. Figuras que pareciam pertencer apenas aos tratados de sociologia, como a do "juiz nosso" e a do "delegado nosso", tão bem retratados por Oliveira Vianna, voltam à cena com magistrados concedendo discutíveis liminares favoráveis a clãs familiares e contrárias à liberdade de imprensa. O populismo em ascensão não tem hoje limites e reivindica não ser fiscalizado por ninguém. Tribunais de Contas e leis de responsabilidade fiscal que sejam postos à margem! Só o que interessa é o PAC do líder carismático e a aprovação das massas nos palanques.
Movimentos ditos sociais obtêm carta-branca para se apropriarem de patrimônio público e privado, apenas porque são "sociais", ou seja, dizem agir em nome dos despossuídos contra as odiadas elites.
Com essas premissas, um Estado gerido como bem de família para favorecer amigos e apaniguados e um mercado de tóxicos cada vez mais agressivo, vamos, certamente, assistir a mais cenas de violência dessa guerra contra a sociedade. É possível fazer alguma coisa? Sim, com certeza. Mas as soluções são prementes e difíceis. É necessário, antes de tudo, resgatar o princípio da preservação do bem comum, e não apenas o dos amigos ou do partido, como norma das ações de governo. E partir para uma estratégia de cunho nacional, não apenas local.
Torna-se imperioso estruturar um sistema de segurança que garanta o controle do Estado sobre o que entra pelas nossas fronteiras. Não há policiamento efetivo na enorme fronteira seca do nosso país com os vizinhos.
Nem há controle sobre os contêineres que entram pelos portos. Nem vigilância suficiente sobre as cargas que entram pelos aeroportos. Diante desse sistema de vigilância falido, fica muito fácil para os traficantes adquirirem no exterior os sofisticados armamentos com que derrubam helicópteros policiais. O governo federal só se mobiliza quando os interesses de popularidade do presidente podem ser afetados. Ora, a segurança no Rio fica distante do teflon presidencial e os repasses de verbas para que a polícia local possa funcionar simplesmente não são realizados. Isso é um crime de omissão, diante da gravidade da situação por que passa a outrora Cidade Maravilhosa.
As prisões de segurança máxima são uma piada. Beira-Mar e outros megatraficantes administram de dentro deles os seus negócios e ordenam os crimes praticados por suas gangues. Vários diretores de importantes presídios, especialmente cariocas, têm sido assassinados a mando dos chefões. Seria bom que as autoridades visitassem o presídio de segurança máxima de Cómbita, na Colômbia, para observarem como funciona. Se o país vizinho pode, no Brasil não são feitas as coisas por simples desleixo.
A Copa do Mundo de 2014 está já agendada no Brasil e a Olimpíada de 2016 será realizada no Rio de Janeiro. Se o patriotismo não mobiliza os atuais governantes, pelo menos que façam o dever de casa por simples conveniência. Vai pegar muito mal, na folha de todos eles, um Brasil mergulhado em sangue que não consegue cumprir os seus compromissos.
Ricardo Vélez Rodríguez é coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
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Comentários
O Brasil do Sr Lula e daqueles que lutaram para ter a copa e as olimpíadas, não é o Brasil que a gente vive.
Cuidem do povo seus aloprados!!!