Anos depois de guerra civil, Beirute volta a ficar dividida. Síria e Irã são os prováveis interessados.
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Líbano ― o pesadêlo sem fim
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Líbano: uma tragédia sem fim
Antes de Osama Bin Laden, havia Imad Mughniyah. Durante duas décadas, até que seu nome fosse eclipsado pelo ataque às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, o libanês Mughniyah esteve no topo da lista dos mais procurados do governo americano e, obviamente, também na relação israelense dos marcados para morrer. Na terça-feira passada, ele foi morto por uma explosão que destruiu seu Mitsubishi Pajero num bairro nobre de Damasco, a capital da Síria. Só então sua figura corpulenta e grisalha se tornou pública, em fotos divulgadas pelo Hezbollah, do qual era oficialmente vice-secretário-geral. Antes só eram conhecidas fotos pouco nítidas tiradas dele na juventude. A obscuridade reflete o mundo de sombras em que o terrorista perambulava desde a guerra civil libanesa. Sua face não era conhecida, mas sua mão esteve nos atentados mais sangrentos, como a destruição do prédio de uma associação beneficente judaica que matou 85 pessoas em Buenos Aires em 1994. Há dois anos, a Argentina decretou sua prisão pelo crime. A contribuição mais duradora de Mughniyah para os anais das atrocidades modernas foi a introdução do atentado suicida no Oriente Médio.
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A complicada engenharia política na Palestina
O jogo da negação
Demétrio Magnoli *
Washington anunciou há dias um pacote bilionário de ajuda militar destinada ao Egito, à Arábia Saudita e aos principados do Conselho de Cooperação do Golfo Pérsico, que formam uma esfera geopolítica sob proteção saudita. Quase simultaneamente, o primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, reuniu-se em Jericó com o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmoud Abbas, e surgiram evidências de que altos representantes de Israel e da AP mantêm encontros secretos desde o início de julho nos quais se negocia a proclamação de um Estado Palestino.
Os movimentos paralelos indicam que Washington delineia uma nova estratégia para o Oriente Médio, quando se aproxima a hora, em setembro, em que o Congresso americano receberá do comandante das forças da coalizão no Iraque, general David Petraeus, uma avaliação geral sobre a guerra. O governo Bush, moribundo, pavimenta o caminho da retirada.
Na visão dos neoconservadores, embaçada pelo fanatismo ideológico, a invasão do Iraque deflagraria a reforma geopolítica do Oriente Médio. O fracasso, que arrastou para o túmulo o próprio governo Bush, terá repercussões regionais imensas. A retirada das forças de ocupação poderá ser acompanhada pela dissolução do frágil governo de Bagdá e pela implantação de centros de poder da resistência sunita e da Al-Qaeda. O reforço militar do Egito, da Arábia Saudita e dos seus Estados clientes é uma condição prévia para o abandono do Iraque.
Tony Blair destruiu-se a si mesmo, como líder político, quando decidiu cerrar fileiras com Bush na aventura iraquiana. Mas não é verdade que o britânico compartilhava a visão dos neoconservadores: sua ambição, irrealizada, era influenciar a estratégia dos EUA, inserindo a Palestina no núcleo da política ocidental para o Oriente Médio.
No texto do poeta Mahmoud Darwish, a Palestina funde-se à Andaluzia, de onde os árabes foram expulsos há cinco séculos, na epopéia cristã da Reconquista. “Andaluzia tornou-se um lugar perdido, e então a Palestina tornou-se Andaluzia: nós perdemos a Palestina, assim como havíamos perdido Andaluzia.” A profundidade histórica do paralelo, presente sob formas diversas nas narrativas árabes e palestinas, revela o lugar do nacionalismo palestino na cultura árabe - um elemento que ocupa o centro do cálculo político da Al-Qaeda. Blair, ao contrário de Bush, sabia que a estabilidade no Oriente Médio é impossível sem um Estado Palestino viável. Agora, no momento da derrota, Washington volta a olhar para a Palestina em busca de uma alternativa à catástrofe.
Em Jericó, Olmert declarou a Abbas que impulsionará “tão rápido quanto possível” a criação do Estado Palestino e os dois líderes agendaram negociações preparatórias da cúpula de paz marcada para novembro, em Washington. O presidente israelense, Shimon Peres, apresentou a Olmert um plano de devolução de 100% da área dos territórios ocupados e intercâmbios de terras entre Israel e Palestina para acomodar vários blocos de colônias na Cisjordânia. Pela primeira vez, o atual governo israelense parece admitir uma fórmula territorialmente viável para a paz.
A flexibilidade, contudo, é apenas aparente. Desde a ruptura entre os nacionalistas do Fatah e os fundamentalistas islâmicos do Hamas, em junho, Israel engajou-se na proteção do governo de Abbas, na Cisjordânia, e no isolamento do Hamas, que mantém sob seu controle a Faixa de Gaza. A estratégia tem a finalidade de fazer emergir uma Palestina liberta da presença política do Hamas. A irrealidade disso condena, de antemão, o empreendimento em curso.
Israel nasceu em estado de negação - e o reproduz, sem cessar, até hoje. No início do século 20, os sionistas prometeram “uma terra sem povo a um povo sem terra”. Quando, nas revoltas dos anos 30 e, novamente, na guerra de 1948-49, os árabes da Palestina se revelaram uma realidade incontornável, Israel decidiu que havia um povo, mas não uma nação, na Terra Santa. Os livros didáticos israelenses elaboraram o mito dos “beduínos do deserto”, figuras efêmeras que se deslocam sem imprimir sua existência à paisagem, enquanto os líderes do Estado rotularam como “jordanianos” aqueles árabes que insistiam em existir.
A presença da nação palestina se tornou inegável depois da Guerra dos Seis Dias, de 1967. Sob a ocupação israelense de Jerusalém Leste, da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, os palestinos deflagraram as intifadas, oferecendo a prova política irrefutável de sua existência. Nos Acordos de Oslo, de 1993, finalmente o governo de Israel reconheceu os direitos nacionais palestinos e avançou até o estabelecimento de um governo autônomo palestino nos territórios ocupados.
Mas a negação nunca terminou. Ao longo dos muitos anos do “processo de Oslo”, incansavelmente, o governo e a burocracia de Israel continuaram a autorizar a implantação de novas colônias e a expansão das colônias existentes nos territórios palestinos. Mais tarde, o governo de Yasser Arafat foi declarado ilegítimo sob o argumento de que estimulava e protegia o terrorismo. Depois, o governo do Hamas, oriundo da vitória eleitoral sobre o Fatah, foi declarado ilegítimo, sob o argumento de que não admite reconhecer o Estado de Israel sem a conclusão de um tratado de paz. Hoje, Israel negocia com um governo que considera legítimo, mas que só existe por meio da negação da vontade dos palestinos, expressa nas urnas.
O Hamas certamente não é um parceiro ideal para a paz. Seus “mártires” explodiram inocentes em cafés de Jerusalém e pontos de ônibus de Tel-Aviv e seu programa acalenta até hoje a utopia sanguinária da destruição do Estado de Israel. Mas esse partido fundamentalista é um componente da nação palestina - tanto quanto os partidos religiosos extremistas são componentes da nação israelense. Enquanto essa realidade não for reconhecida, o nome do jogo não será paz, mas negação.
* Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP
E-mail: magnoli@ajato.com.br
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