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Acordo com Santa Sé vem em boa hora

* GEORGE AUGUSTO NIARADI

Paradoxalmente, o Brasil é o único Estado que não tem consolidada juridicamente sua relação com o Vaticano

OS BRASILEIROS contabilizam a maior população católica no mundo -em 2003, quase 130 milhões- e, paradoxalmente, o Brasil é o único Estado que não tem consolidada juridicamente sua relação com o Vaticano.

Ao adotar um único instrumento jurídico internacional que passe a regular as relações entre esses dois Estados, o Brasil fica em situação similar à de todos os demais países, permitindo-se a celebração de outros acordos com as demais religiões globais. Trata-se, portanto, de um acordo internacional que respeita os direitos fundamentais dos brasileiros e reforça a condição do Brasil de Estado laico.

A iminente aprovação pelo Congresso Nacional do acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao estatuto jurídico da Igreja Católica no território nacional, assinado em 13/11/08 (projeto de decreto legislativo 1736/09), vem, portanto, em boa hora.

Em breve digressão histórico-normativa, as relações diplomáticas entre Brasil e Santa Sé, entidade dotada de personalidade jurídica internacional, foram iniciadas em 1826. Na disposição constitucional da época (1824), a religião católica era a do império do Brasil, permitindo-se o culto doméstico ou particular de todas as demais.

Em termos de tratados internacionais, aqueles que representam identidade com as Constituições brasileiras são os seguintes: o Acordo Administrativo para Troca de Correspondência Diplomática (1935) e o Acordo sobre o Estabelecimento do Ordinariado Militar e Nomeação de Capelães Militares (1989).

Ambos foram recepcionados, respectivamente, pelas Constituições brasileiras de 1934 e 1988. O Brasil passou a ter constitucionalmente representação diplomática na Santa Sé, e os brasileiros tiveram assegurada a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.

O recente acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé em 2008 representa uma evolução normativa, já que objetiva consolidar diversos aspectos do relacionamento e da presença da Igreja Católica no território nacional, amparados na Constituição.

A partir da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961, passando por legislação nacional sobre a presença da Igreja Católica e a recepção na vigente Constituição brasileira, pode-se analisar o acordo entre Brasil e Santa Sé.

Nos termos do artigo 1º, as respectivas representações diplomáticas dos Estados pactuantes ficam regidas pela Convenção de Viena, tratado internacional já incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, mediante o decreto nº 56.435/65.

Sumariando-se os artigos 2º até o 17 desse Acordo, atesta-se sua recepção às disposições constitucionais de inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício de qualquer culto religioso e a proteção aos seus locais e liturgias -novamente, o tratamento equitativo dos direitos e deveres das instituições religiosas legalmente estabelecidas no Brasil-, conforme o inciso VI do artigo 5º e o inciso I do artigo 19 da Constituição Federal.

Nos temas relacionados à educação, os artigos 9º, 10 e 11 dispõem que o reconhecimento recíproco de títulos e qualificações em nível de graduação e pós-graduação estará sujeito às respectivas legislações e normas dos Estados pactuantes.

E em respeito ao princípio do cooperativismo nas relações internacionais -conforme inciso IX do artigo 4º da Constituição-, a Igreja Católica continuará a colocar suas instituições de ensino, em todos os níveis, a serviço da sociedade e de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro.

Frise-se que, pelo acordo, o ensino religioso continua sendo de matrícula facultativa nas escolas públicas de ensino fundamental, sem discriminar as diferentes confissões religiosas praticadas no Brasil.

Por fim, a entrada em vigor desse instrumento internacional depende da troca das chamadas cartas de ratificação entre os Estados pactuantes, o que se dará após a aprovação do Congresso do PDC 1736/09 e consequente decreto presidencial.

A urgência do esclarecimento da sociedade se faz necessária no sentido de que o presente diploma legal com a Igreja Católica não exclui as demais religiões globais, mantendo-se o Brasil como Estado laico.

O país, mediante a aprovação desse acordo, atualiza-se no palco das relações internacionais.

* GEORGE AUGUSTO NIARADI , advogado, doutor em direito internacional pela USP e pós-doutor em direito pela Universitá della Santa Croce (Roma, Itália), é presidente da Comissão de Comércio Exterior e Relações Internacionais da OAB-SP.

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