César Felício e André Vieira
A Companhia Vale do Rio Doce ajudou a eleger para a Câmara dos Deputados este ano uma bancada do tamanho da do Rio de Janeiro. Foram nada menos que 46 deputados, beneficiados por doações legais da Caemi, Urucum e Minerações Brasileiras Reunidas, subsidiárias da mineradora. É mais do que os 31 deputados financiados pelo Itaú, os 27 da Gerdau, os 26 da Klabin e os 25 da Camargo Corrêa. Na operação, o conglomerado gastou R$ 5,3 milhões. O levantamento não considera o financiamento aos deputados não-eleitos e nem os gastos das empresas com candidatos a cargos majoritários e a deputado estadual.
A empresa é uma personagem recente no mundo do financiamento eleitoral. Em 2002, a doação por meio das subsidiárias MBR e Docenave foi de R$ 590 mil para todos os candidatos, eleitos e não eleitos. Privatizada em 1997, sob forte oposição do mesmo bloco político que hoje apóia o governo federal, a Vale foi no ano passado o terceiro maior grupo privado nacional, segundo o anuário "Grandes Grupos", do Valor. Esta semana divulgou um lucro de R$ 4,1 bilhões no terceiro trimestre de 2006, alta de 46% em relação ao ano passado. Está distribuída em diversos Estados do país.
A empresa não quis comentar sua estratégia política ou seus interesses no Congresso. "Todas as contribuições foram feitas dentro da lei. A Vale acredita no fortalecimento do processo democrático e as contribuições existem para isso", disse o gerente de relacionamento com a imprensa, Fernando Thompson.
O portfólio de financiados da Vale favorece os governistas: são 16 deputados do PT, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, do PCdoB paulista, 6 parlamentares do PMDB, 3 do PP, 3 do PTB, 2 do PL e o deputado eleito Ciro Gomes, do PSB cearense. Pela oposição, estão 7 tucanos, 4 pefelistas, 2 do PPS e o deputado eleito Paulo Pereira da Silva, do PDT paulista. Em sua grande parte, foram inimigos declarados da venda da empresa há nove anos.
Da mineração à siderurgia, há uma divisão no espectro político dos beneficiados. Pendendo para os oposicionistas, está a Gerdau, uma tradicional financiadora de campanhas. Para os governistas, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Apesar de ser cogitado para o novo ministério, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, controlador do quinto maior grupo privado nacional, demonstrou seu antagonismo regional com a base de apoio do governo.
Financiador de 27 deputados federais por meio de coligadas, o Grupo Gerdau só ajudou a 4 petistas, ante 6 tucanos e 5 pefelistas. Apenas um dos petistas é do Rio Grande do Sul, matriz da empresa e onde a Gerdau ajudou a bancar a campanha de 10 dos 30 deputados gaúchos. Procurada por este jornal, a assessoria de imprensa da empresa disse que não localizou alguém para comentar o assunto.
Já a CSN é uma das principais fontes de financiamento do comunismo no Brasil. A empresa ajudou na eleição de Aldo Rebelo, Jô Moraes (PCdoB-MG), Edmilson Valentim (PCdoB-RJ) e Manuela Pinto (PCdoB-RS). Deu R$ 100 mil para o primeiro e R$ 50 mil para os demais. Mas o maior beneficiado pela empresa foi Ciro Gomes, que recebeu R$ 500 mil. A controladora da CSN, Vicunha, investe no Ceará desde o tempo em que Ciro Gomes governou o Estado, entre 1991 e 1994. A empresa, que doou R$ 1,7 milhão para 16 deputados eleitos, decidiu não comentar o assunto.
As listas divulgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral na Internet não revela todas as empresas doadoras da campanha eleitoral. Há duas formas legais de doar recursos sem ser transparente. A empresa pode fazer a sua doação para o partido do candidato, orientando o repasse do valor para o seu preferido. Sob reserva, parlamentares comentaram que o Bradesco e o Santander usaram esta estratégia. Procurados pelo jornal, ambos os bancos não comentaram a manobra que teriam adotado.
A outra possibilidade é financiar uma instituição que represente o setor e faça as doações recomendadas. Na indústria do aço, um dos doadores é o Instituto Brasileiro de Siderurgia, que financiou 21 deputados eleitos, gastando com isto R$ 2,1 milhões. A entidade não quis se pronunciar. No setor de construção civil, o presidente da Associação Imobiliária Brasileira, Sérgio Ferrador, comentou a estratégia:
"A empresa manda o recurso para o caixa da AIB, que repassa este apoio. Não decidimos quem recebe mais ou menos, somos um instrumento das associadas", disse Ferrador, afirmando que, desta forma, as empresas visam "prestigiar a instituição". A AIB conta com apenas 50 associadas, da área de incorporação e construção de residências, um setor em fase de expansão no país. Foram doados recursos para 10 candidatos.
Parte é vinculada ao setor, como o ex-secretário municipal de Habitação em São Paulo, Paulo Teixeira (PT-SP), que recebeu R$ 150,1 mil, ou o ex-secretário municipal das subprefeituras de São Paulo, Walter Feldman (PSDB-SP), ganhador de R$ 400 mil. Outros, como Antonio Palocci (PT-SP) ou Michel Temer (PMDB-SP), não são diretamente vinculados ao setor. "Estes foram repasses pedidos pontuais por associados, que não queriam aparecer", disse.
A ironia de Lula sobre o lucro que o sistema financeiro teve em seu governo e a disposição do setor em apoiar a oposição é procedente. Entre os 31 parlamentares financiados pela Itausa e Banco Itaú, 9 são do PSDB e 5 do PFL. Apenas 4 petistas eleitos receberam doações, entre eles o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, com R$ 100 mil. Procurado pelo jornal, o Banco Itaú enviou uma nota: "A política do Banco Itaú de apoio a candidatos e partidos nas eleições sempre foi feita com total transparência (...) O Banco se reserva, no entanto, o direito de concentrar seu apoio a candidatos e partidos que, no seu julgamento, oferecem os programas e as idéias mais eficientes para melhoria das condições de vida da sociedade. Em linha com seu processo de governança corporativa e de transparência, o Itaú define os apoios num comitê composto por conselheiros e vários executivos", diz o texto.
Palocci também é o único novo deputado do PT entre os 12 beneficiados diretamente pelo Unibanco. Personagem do escândalo envolvendo os empréstimos do Marcos Valério para o PT, o BMG deu R$ 380 mil para 8 candidatos. Entre as empreiteiras, o PT transitou melhor, mas só em São Paulo. Na OAS, entre 23 deputados, 9 são petistas, sendo 8 paulistas. Entre os 25 deputados financiados diretamente pela Camargo Corrêa, 7 são do PT, sendo 6 de São Paulo. O levantamento não inclui todas as coligadas do grupo.
Em alguns Estados, os financiadores tiveram peso decisivo. No Espírito Santo, a Aracruz financiou a campanha de 7 dos 10 deputados eleitos. No total, a empresa financiou a eleição de 16 parlamentares, gastando R$ 1,034 milhão. Lá está a maior parte da produção de celulose da empresa. Por meio de nota, a Aracruz disse buscar "a melhoria da governança pública nos níveis federal, estadual e municipal e promoção do desenvolvimento sustentável e fortalecimento da cidadania e democracia". Em Goiás, dois frigoríficos - Bertin e Friboi, bancaram as campanhas de 9 dos 16 deputados. Somente no Estado, gastaram somados R$ 2,7 milhões. No total, o Friboi financiou 15 deputados e o Bertin, 10.
A nova legislação eleitoral paradoxalmente tornou mais cara as campanhas, ao impedir o uso de outdoors e brindes. Obrigou os candidatos a contratarem um exército de cabos eleitorais para campanhas porta a porta e gastarem mais com mala direta. Sob reserva, parlamentares comentaram que o caixa 2 permanece. Há pelo menos duas fórmulas de driblar a lei: uma é a subnotificação de custos da campanha, com a cumplicidade de fornecedores. A outra, a de depósitos em amigos do candidato ou laranjas, que realizam empréstimos pessoais a quem concorre. Pela legislação, a pessoa física pode doar 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição e a pessoa jurídica, 2% do faturamento bruto. Concessionárias de serviços públicos não podem ser doadoras.
Fonte: Valor Econômico
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