Carta Capital critica jornalismo da Globo

Carta Capital num. 0425 24/12/2006

Lições de jornalismo

A carta de Rodrigo Vianna

Ilustrativa a mensagem de despedida do repórter da Globo, inconformado com a cobertura das eleições Eis um clássico da história do jornalismo à brasileira. Personagem um, Rodrigo Vianna, ótimo profissional e cidadão honrado, consciente das responsabilidades de mister. Dois, a Globo, que dispensa apresentações. A renovação do contrato de Rodrigo, leal funcionário há 11 anos, estava marcada para o próximo janeiro. Esta semana, ele foi informado que não continuaria na organização. Momentos após, ao deixar a sede da emissora, descobriu que seu crachá já não o habilitava a passar pela catraca. Rodrigo e outros jornalistas da equipe não se conformaram com a linha imposta pela direção para a cobertura da recente campanha eleitoral, sobretudo nas semanas que precederam o primeiro e o segundo turno. Linha caracterizada por mentiras e omissões, a fim de favorecer a candidatura tucana. Trata-se de mais um capítulo de um enredo sem-fim, protagonizado pelos patrões da mídia nativa. Clamam assiduamente pela liberdade de imprensa, e de opinião em geral, mas é a liberdade que eles próprios pretendem para cuidar dos seus negócios nem sempre límpidos e manter os privilégios. Contam com a pronta colaboração de um exército de sabujos. Rodrigo Vianna não é um desses.

A todos os empregados da Globo, Rodrigo remeteu longo e-mail pelo intranet da organização. Selecionamos três trechos, que falam por si.

:: Ao lado de um grupo de colegas, entrei na sala de nosso chefe em São Paulo, no dia 18 de setembro, para reclamar da cobertura e pedir equilíbrio nas matérias: “Por que não vamos repercutir a matéria da IstoÉ, mostrando que a gênese dos sanguessugas ocorreu sob os tucanos? Por que não vamos a Piracicaba, contar quem é Abel Pereira?” Nenhuma resposta convincente. E uma cobertura desastrosa. Será que acharam que ninguém ia perceber? Quando, no JN, chamavam Gedimar e Valdebran de “petistas” e, ao mesmo tempo, falavam de Abel Pereira como empresário ligado a um ex-ministro do “governo anterior”, acharam que ninguém ia achar estranho? Faltando seis dias para o primeiro turno, o “petista” Humberto Costa foi indiciado pela PF. No caso dos vampiros. O fato foi parar em manchete no JN, e isso era normal. O anormal é que, no mesmo dia, esconderam o nome de Platão, ex-assessor do ministério na época de Serra/Barjas Negri. Os chefes sabiam da existência de Platão, pediram a produtores pra checar tudo sobre ele, mas preferiram não dar. Que jornalismo é esse, que poupa e defende Platão, mas detesta Freud! Deve haver uma explicação psicanalítica para jornalismo tão seletivo!

:: Os telespectadores da Globo nunca viram Serra e os tucanos entregando ambulâncias cercados pelos deputados sanguessugas. Era o que estava na tal fita do “dossiê”. Outras TVs mostraram o vídeo, a internet mostrou. A Globo, não. Provava alguma coisa contra Serra? Não. Ele não era obrigado a saber das falcatruas de deputados do baixo clero. Mas por que demos o gabinete de Freud pertinho de Lula e não demos Serra com sanguessugas? E o caso gravíssimo das perguntas para o Serra? Ouvi, de pelo menos 3 pessoas diretamente envolvidas com o SP-TV Segunda Edição, que as perguntas para o Serra, na entrevista ao vivo no jornal, às vésperas do primeiro turno, foram rigorosamente selecionadas. Aquele diretor (aquele, vocês sabem quem) teria mandado cortar todas as perguntas “desagradáveis”. A equipe do jornal ficou atônita. Entrevistas com os outros candidatos tinham sido duras, feitas com liberdade. Com o Serra, teria havido, deliberadamente, a intenção de amaciar.

:: E as fotos da grana dos aloprados? Tínhamos que publicar? Claro. Mas por que não demos a história completa? Os colegas que estavam na PF naquele dia (15 de setembro) tinham a gravação, mostrando as circunstâncias em que o delegado vazara as fotos. Justiça seja feita: sei que eles (repórter e produtor) queriam dar a matéria completa – as fotos e as circunstâncias do vazamento. Podiam até proteger a fonte, mas escancarando o que são os bastidores de uma campanha no Brasil. Isso seria fazer jornalismo, expor as entranhas do poder. Mais uma vez, fomos seletivos: as fotos mostradas com estardalhaço. A fita do delegado, essa sumiu! Aquele diretor, aquele que controla cada palavra dos textos de política, disse que tomou conhecimento do conteúdo da fita no dia seguinte. Quer que a gente acredite? Por que nunca mostraram o conteúdo da fita do delegado no JN? O portal “G-1” botou na íntegra a fita do delegado, dias depois de a “CartaCapital” ter dado o caso. Era notícia? Para o portal das Organizações Globo, era. Por que o JN não deu no dia 29 de setembro? Levou um furo? Não. Furada foi a cobertura da eleição. Infelizmente.

2 comentários:

Carlos Barretto  disse...

Corajoso este Rodrigo, hein. Voltar-se contra o "establishment" global, há muito conhecido da sociedade brasileira, desde os tempos de Leonel Brizola.
Mas este mesmo "establishment" se apruma novamente, desta feita para pressionar a governadora eleita do Pará, na manutenção do contrato com a Funtelpa, onde o estado paga 300 mil reais mensais à afiliada local, para que ela retransimta a programação da Globo para o interior do estado. A idéia é manter-se no encalço do "sobrancelhudo", como se ele fosse o único crápula vivo na política nacional e principalmente local. Ou será que ele é mesmo o único.
Coisa muito séria, que acompanhamos com muita atenção.
Abs e Feliz 2007.

Val-André Mutran  disse...

Vamos ver qual será a medida adminsitrativa da nova governadora para sanear este contrato absolutamente surreal sob todos os pontos de vista, só não do principal interessado.
Obrigado pelos votos e nos encontraremos aí em janeiro.
Um ótimo 2007 para você e sua família.

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