As saúvas do Incra
O desmatamento dos pequenos |
Fellipe Awi |
O Globo |
7/5/2007 |
Assentados pelo Incra derrubam árvores para plantar ou a serviço dos madeireiros Esquecidos pelo Incra no meio da Floresta Amazônica, sem assistência técnica, transporte, saúde e educação, os assentados também contribuem para agravar o desmatamento. Eles fazem queimadas para abrir espaço ao plantio de verduras e legumes e, muitas vezes, são também aliciados por grileiros e madeireiros para permitir a derrubada de madeiras nobres nos assentamentos. É um desafio ao objetivo do órgão de intensificar a implantação de assentamentos na Região Norte para, justamente, inibir a ação dos madeireiros que atuam na área há décadas. Os assentados contam que o vaivém dos caminhões carregados de toras diminui somente por razões climáticas: na época de chuva, eles freqüentemente atolam no imenso lamaçal em que se transformam as estradas. Para continuar a extração, os madeireiros que trabalham ilegalmente avançam sobre os assentamentos. Segundo o chefe de fiscalização do Ibama de Marabá, Gudmar Regino, boa parte das multas que o órgão aplica se refere a áreas de assentamento, embora nesse caso seja mais difícil identificar o verdadeiro responsável pelo crime ambiental. - Lá dentro da mata, o agricultor deixa de ser sem-terra, mas fica sem educação, sem hospital e sem infra-estrutura, pela ineficiência do trabalho do Estado. A situação faz com que o assentado acabe cedendo à proposta do madeireiro para vender até as madeiras fora da área de exploração, e acaba contribuindo para o dano ambiental - afirma Gudmar. A prática é estimulada, segundo especialistas, pela precária orientação ambiental que é dada aos assentados. Antes de serem expulsos por pistoleiros, os moradores do assentamento do Rio Cururuí, na região de Pacajá, no Pará, foram despejados judicialmente sob a acusação de fazer corte raso em áreas proibidas de seus lotes. O autor da ação foi a Madeireira Lisboa, que reivindicava a posse da terra para plano de manejo. Os moradores alegaram desconhecimento das normas de exploração da terra. Disseram que não receberam a orientação de técnicos ou engenheiros florestais contratados pelo Incra. Os planos de manejo ainda não começaram nem nos assentamentos mais recentes. - O Incra nos colocou no assentamento e não nos falou nada sobre a preservação do lugar. Achamos que a terra era nossa e poderíamos fazer qualquer coisa ali para plantar - disse Aurinete Monteiro, uma das líderes do assentamento do Rio Cururuí. No assentamento Flor do Brasil, a família de Rosalino e Leonice Alves fez uma queimada para desmatar uma área atrás do barraco onde vive, com a intenção de usar a área para o plantio. O casal se meteu no meio da floresta porque uma vizinha na cidade de Goianésia do Pará falou da possibilidade de ganharem uma roça. Leonice se orgulha da plantação de mandioca, lima e limão, embora, como a maioria, dependa da cesta básica dada pelo Incra. Os filhos do casal estão sem freqüentar a escola, mas Leonice elogia o sossego do lugar, diz que espanta o mosquito da malária bebendo cachaça com pimenta do reino, e não se assusta com as adversidades. - Nós somos "desarrecursados" (sem recursos), mas ricos de coragem. O governo é meio lerdo para fazer as coisas, mas o único lugar onde a gente chega e está tudo pronto é cemitério - diz ela. A insistente paisagem nas estradas vicinais de Pacajá tem caminhões carregados de toras, árvores derrubadas ao longo do caminho, pastagens a perder de vista e um horizonte formado por florestas queimadas. .Em agosto do ano passado, o Ibama apreendeu 351,507 metros cúbicos de madeiras de diversas espécies retiradas ilegalmente do assentamento Raio de Sol, também no município de Pacajá. A empresa De Déa Agro Indústria e Exportação foi multada em cerca de R$1,2 milhão. Foi constatado o desmatamento irregular numa área de 763,9 hectares de terra dentro do assentamento. Nesse caso, a denúncia foi feita pela associação de moradores do Raio de Sol. O assentamento de Santa Fé, um dos mais antigos da região, está sofrendo com madeireiros que pressionam os colonos a vender castanheiras. Por estar em extinção, a espécie tem o corte proibido mesmo em áreas onde há o corte seletivo. Ao longo da estrada, o carro do GLOBO passou por pelo menos cinco castanheiras derrubadas. Elas ficam ali até serem recolhidas por caminhões. - Até para fazer uma educação ambiental lá é complicado. Por causa do isolamento e da falta de estrutura dos assentamentos, qualquer visita é difícil, não há lugar para ficar. Mas isso não deve ser desculpa para não haver um acompanhamento ambiental - diz o gerente do Ibama de Marabá, Antônio Augusto Aguiar, informando que, desde o ano passado, a fiscalização também é de responsabilidade estadual. O superintendente adjunto do Incra na região, Ernesto Rodrigues, alega que o processo de discussão de planos de manejo com os assentados é muito demorado, principalmente por causa da burocracia: - Enquanto não se pode fazer na legalidade, madeireiros criminosos aproveitam para agir na ilegalidade. Os assentamentos nessa região da Amazônia não se enquadram no modelo de assentamento florestal, em que só se tem 5% de abertura do lote. O motivo, segundo Rodrigues, é que o perfil dos colonos não é esse. Dessa forma, são abertos 20% do lote, enquanto 80% são destinados à exploração sustentável ou reserva permanente. O assédio dos madeireiros, porém, faz com que freqüentemente o assentado negocie ou seja forçado a permitir o corte fora da área permitida. Aguiar conta que quase todos os assentamentos mais antigos já causaram problemas, uma vez que os colonos exploraram além da área permitida. - Desmatar é algo muito caro, certamente é feito já com um lucro garantido em vista - diz o gerente do Ibama. Na BR-422, antes de entrar nas estradas vicinais, o único sinal de fiscalização é um posto da Secretaria de Estado da Fazenda do Pará (Sefa), responsável por checar a documentação da madeira carregada pelos caminhões. O posto é servido por um automóvel Gol que nem sequer consegue andar nas estradas vicinais no meio da floresta. |
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