Brilhante carta sobre uma tragédia anunciada

Meu amigo de longa data Fred Guerreiro, prestes a formar-se advogado, enviou carta ao jornal O Liberal que a publicou.

Em seu arrazoado brilhante, Fred emoldura a indignação que se abate naqueles que tem um mínimo de vergonha na cara de cobrar uma solução para o desastre que se abateu, há mais de 11 meses, sobre a aviação comercial brasileira.

Elegante, Fred cita esse humilde espaço. Leiam. Vale a pena.







Edição:Ano LXI nº 31.821 Belém, Quinta, 26/07/2007






A catástrofe do vôo 3054

Chegamos à apoteose aérea. A tragédia do vôo 3054 da TAM era algo mais do que previsível de acontecer. A cidade de São Paulo fez de Congonhas sua fagocitose e agora sofre os efeitos de sua indigestão alimentar. Pior que isso: centenas de vidas foi o preço pago para se chegar à conclusão cabal das leis da física, de que velocidade e espaço são grandezas diretamente proporcionais. Ou seja, aviões a jato precisam de espaço, de preferência com exagerada área plana extra para um pouso seguro em eventualidades.

Fazia anos que a tragédia de Congonhas vinha sendo anunciada como um trailer de filme de terror prestes a ganhar o cartaz de atração principal. Em 1996, a peça teatral governamental sobre o aeroporto ganhou seus ares de longa metragem e anunciou sua avant première, com um acidente da mesma empresa, no qual morreram 99 pessoas, incluindo aquelas que estavam em solo. Anos se passaram e vários foram os vôos que tiveram problemas naquela cabeceira de pista. Era um sinal. Um mau sinal. Da mesma forma, Airton Senna precisou morrer para que redesenhassem Ímola. Cumbica precisou de centenas de corpos carbonizados para chamar a atenção, um preço muitíssimo alto a ser pago pela falta de investimentos no setor. Há meses, o amigo Val André já havia cantado essa bola em seu blog ('Pelos Corredores do Planalto'): 'O caos nos aeroportos é apenas a ponta do iceberg'.

O inaceitável desastre, assim como a combinação de fatores intrínsecos que levam a um acidente aéreo, é também reflexo dos fatores extrínsecos, da falta de planejamento e investimentos do governo para o setor. No jogo do empurra-empurra, o passageiro não passa de um dente da engrenagem da ganância das companhias aéreas e da irresponsável política pública de infra-estrutura de transporte aéreo.

Nos próximos meses, as autoridades e a Imprensa se empenharão em eleger culpados para a tragédia e crucificá-los. Prevê-se com antecedência que serão os pilotos, os controladores de vôo, o avião, a água da chuva, uma ave noturna, Paladinos e Lepores, alguma rádio pirata ou, quem sabe, algum passageiro de Alah. Jamais será a absurda falta de investimentos governamentais e as ruins condições de trabalho dos profissionais da área. Corroborando a tese, o acidente do vôo 1907 da GOL foi o mais patético exemplo da desorientação por que passa o sistema de controle de vôo brasileiro. Talvez um walkie-talkie fosse mais eficiente.

No paradigma do 'relaxa e goza', quem deveria estar sendo resgatado dos escombros zomba da própria sorte de ter um avião particular. Aos passageiros, sobram a apreensão na hora do embarque e a tensão em voz trêmula no 'boa viagem!'

Frederico Maia Guerreiro dos Reis
fredguerreiro@oi.com.br Conjunto Médici I - Rua Irituia
Belém

2 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

Obrigado, amigo! Muito obrigado!

Val-André Mutran  disse...

Eu que agradeço Fred pela brilhante, concisa e precisa carta.

Meus melhores parabéns a você.

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