Um Senado de Fuscas ao preço de Ferraris




Opinião

Claudio Weber Abramo

Diretor executivo da Transparência Brasil

Imagine o eventual leitor que adquira um Porsche. Suponha que a assistência técnica passe mais de um mês se esquivando de verificar se o ruído estranho que se ouve no motor é sinal de algo grave. Perante tal comportamento, o leitor possivelmente recorrerá aos órgãos de defesa do consumidor.

Já quando se trata da vida política, o eleitor não conta com tal possibilidade. Não raro, o “produto” que seu voto engendrou se comporta como um Fusca 1955 com motor fundido. É assim, como um ferro-velho, que o Senado Federal vem se comportando no episódio Renan Calheiros. O pior é que estamos pagando preços de Ferrari pelos Fuscas, Gordinis e Simcas que em grande proporção habitam aquela Casa.

Levantamento recente da Transparência Brasil demonstra que o Senado é a Casa legislativa mais cara por membro entre 12 países pesquisados: a manutenção do Senado custa R$ 33,1 milhões por mandato de seus 81 integrantes. Esse dinheiro não vai todo diretamente para cada senador, mas paga uma estrutura que inclui funcionários, gráfica, TV, rádio, jornal e outros serviços basicamente voltados para a autopromoção de senadores.

Isso dá mais do que o dobro do que os Estados Unidos gastam por mandato parlamentar federal. Ao todo, o Senado brasileiro custa quase o dobro do orçamento previsto neste ano para as duas Casas do parlamento britânico, mesmo com todas as diferenças de riqueza entre o Brasil e o Reino Unido.

Embora custe mais caro que todos os parlamentos do Primeiro Mundo, talvez os serviços que as Casas legislativas brasileiras prestam sejam equivalentemente mais substanciais e relevantes. Talvez os R$ 33 milhões que pagamos por mandato senatorial valham a pena e recebamos de volta um desempenho espetacularmente notável. Mas será mesmo?

A demora em investigar as suspeitas que recaem sobre o presidente da Casa, Renan Calheiros, e a renitência que este manifesta ao se manter na Presidência da Casa demonstram que o Senado brasileiro presta aos cidadãos brasileiros uma representação de quinto mundo. Certamente não é por falta de recursos financeiros que o Senado deixa acumular, sem averiguação, indícios de que o seu presidente esteve envolvido em práticas escusas.

O projeto Excelências, da Transparência Brasil (www.excelencias.org.br), registra os históricos de todos os senadores ativos. Nada menos que 29 deles, ou mais de um terço da Casa, enfrenta ocorrências na Justiça ou em tribunais de contas. Onze desses 29 são membros ou suplentes do Conselho de Ética, instância encarregada de encaminhar a averiguação das suspeitas que recaem sobre o sr. Calheiros.

É claro que, com seu orçamento de R$ 3,4 bilhões, a Câmara dos Deputados também é uma das Casas mais caras do mundo. Sede de escândalos de corrupção de grandes proporções, quase um terço de seus membros enfrenta pendências na Justiça ou tribunais de contas. Mas, mesmo assim, a Câmara ainda é a Casa legislativa brasileira que mais coloca à disposição do cidadão informações sobre o seu funcionamento. Acessando-se o seu sítio de internet, obtém-se grande quantidade de informações sobre os deputados, de faltas às sessões plenárias a quanto eles gastam com combustíveis.

Na Casa vizinha, cujo orçamento é muito mais confortável e, portanto, poderia ser muito mais aplicada na prestação de informações, o que se consegue ao consultar a página dedicada a seu presidente é a data de aniversário. Pode-se também ler a manifestação de júbilo do sr. Calheiros com a escolha do Cristo Redentor como uma das sete novas maravilhas do mundo. Contudo, nem em sua página nem em qualquer outro lugar no sítio de internet do Senado se encontrarão dados sobre como ele gasta a verba indenizatória a que seu gabinete tem direito — verba essa que, de acordo com o noticiário, o presidente teria incorporado à renda que declarou ao Fisco.

O comportamento do Senado durante o episódio Calheiros, ao não lidar expeditamente com a questão e ao não pressioná-lo para que se afaste da Presidência até o esclarecimento das acusações, e mais o custo verdadeiramente inaudito da Casa, estimulam uma pergunta simples: para que, afinal, serve o Senado?

O fato é que não há nada que o Senado faça que a Câmara dos Deputados não faça. De que nos serve um Congresso bicameral? Não se trata de questionar a existência do Congresso. Mas será que a representação que nos é ofertada pelos congressistas eleitos, em particular no Senado, está à altura do papel que deles é esperado? Parece no mínimo arriscado responder afirmativamente.

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