Cunha espoliadora




OPINIÃO

OSIRIS LOPES FILHO

Advogado, professor de direito da UnB, ex-secretário da Receita Federal
osirisfilho@azevedolopes.adv.br

Como irmãs siamesas, a CPMF e a DRU vão sendo examinadas juntas, no propósito prorrogacionista. A CPMF, enganadora e perversa, atrai as atenções. A DRU, como não ataca diretamente o bolso e os caixas dos contribuintes, segue discretamente ignorada.

A DRU constitui a última versão de outros institutos financeiros que a antecederam e desviavam recursos tributários de suas finalidades, estabelecidas pela Constituição ou pela lei, em prejuízo das finanças estaduais e municipais. Inicialmente, a cunha desviacionista foi denominada de Fundo Social de Emergência, nome pomposo a mistificar o seu funcionamento. Não era fundo, não obedecia à sua destinação social, eis que até marmelada foi comprada com sua receita, e sua prorrogação destoava do seu caráter provisório.

Desgastada, substituiu-se a sua denominação por Fundo de Estabilização Fiscal, que encerrava maior aproximação com seu funcionamento e destinação. Havia uma amputação da partilha constitucional, em prejuízo dos estados, Distrito Federal e municípios, pois os 20% dos impostos e contribuições que estavam destinados ao Fundo de Estabilização Fiscal eram retirados em primeiro lugar, só então se realizando a partilha da arrecadação com os entes federados. Constituía dreno nos recursos, previstos pela Constituição, a serem partilhados com aqueles entes federados, por meio dos Fundos de Participação dos Estados, do Distrito Federal e o dos Municípios.

A nova versão desse desvio de recursos tributários, sob a denominação de DRU, representou vitória dos interesses estaduais e municipais contra a forma abusiva como se prejudicavam as finanças dos entes federados. Passou-se a respeitar a partilha constitucional de receitas tributárias, destinando os recursos aos Fundos de Participação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na integralidade e, somente após essa distribuição, é que se aplica o desvio de recursos estabelecidos pela DRU.

A DRU atualmente consiste em mecanismo financeiro que propicia o desvio de 20% da arrecadação de impostos e contribuições de competência da União para atender a despesas gerais da União. Na realidade, o desvio que se coloca na arrecadação da União destina-se a compor o bolo de recurso que formará o superávit primário, denominação artificial, imposta pelo FMI, para mascarar o que é exatamente o seu contrário, um déficit. É que se apura tal superávit considerando-se receitas e despesas, sem computar o pagamento pela União dos juros decorrentes da dívida pública.

Felicidade geral. Da banca internacional e dos rentistas, credores da União, por receberem os juros; do governo federal, por merecer o diploma de bom comportamento financeiro do FMI; e do presidente Lula, por reversão das expectativas, ser homenageado nos círculos internacionais.

A existência da DRU, pela amputação que produz na arrecadação das contribuições, tem levado a União, titular da competência para institui-la, a manipulá-la como se fosse imposto. No âmbito da DRU, valeria a pena, junto com a prorrogação, prever a sua extinção gradativa.

São os efeitos negativos que ela provoca: conduz a União a elevar a carga tributária por seu intermédio para dispor de recursos extras, sem dividi-los com os outros entes federados; estimula a criação de tipos tributários, pois o STF admitiu que a rigidez da competência tributária é relativa apenas aos impostos, propiciando, por conseqüência, a guerra tributária da União ao invadir as bases econômicas do ICMS e ISS, com PIS e a Cofins, em prejuízo dos estados, Distrito Federal e municípios.

Além disso, a DRU capa recursos tributários vinculados a finalidades estratégicas. Por exemplo, se toda a arrecadação da Cpfins e do PIS fosse direcionada à sua finalidade, haveria menos crise na saúde, previdência e assistência social, decorrente da falta de recursos; a própria Cide dos combustíveis, se a sua arrecadação fosse integralmente utilizada nos seus fins, proveria recursos para manutenção das estradas do país, evitando-se a necessidade de privatização, que acarreta com seus pedágios a elevação dos custos de transporte.

Mantida a DRU, seguramente haverá tentativas para elevar o seu patamar de 20% para 40%, para dar maior liberdade de programação orçamentária à tecnocracia financeira. A DRU representa rendição aos interesses financeiros internacionais e menosprezo ao atendimento dos objetivos relevantes, estabelecidos na instituição das contribuições. Merece morte lenta e gradual mas inexorável.

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