Impunidade no TCU: 15 anos para julgar um processo

POLÍTICA
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Lúcio Vaz - Da equipe do Correio

Auditoria

Multas aplicadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) levam mais de 15 anos para serem julgadas. Recursos protelatórios e falta de profissionais qualificados atrasam a recuperação dos recursos públicos

No último dia do governo Sarney, em 28 de fevereiro de 1990, a Companhia de Financiamento da Produção (CFP) firmou acordo que resultou no perdão de 57% do valor da dívida da Sociedade Algodoeira Maria Amélia. Em agosto deste ano, 17 anos mais tarde, o Tribunal de Contas da União (TCU) aplicou débito de R$ 51 milhões ao ex-presidente da CFP, Orlando Roriz, e mais três ex-diretores da estatal, para recuperar os supostos prejuízos causados aos cofres públicos. Mas eles já apresentaram “recurso de reconsideração” e anunciam que vão recorrer à Justiça se perderem de novo. Avaliam que a decisão final sairia em cinco ou 10 anos. Qualquer que seja o veredito, Orlando Roriz avisa: o seu patrimônio disponível não chega a 1% desse valor.

O caso não é exceção no TCU. O excesso de recursos protela as decisões durante anos. Entre 8.807 processos com sentença definitiva analisados pelo Correio, 1.805 tramitaram em prazo entre cinco e 10 anos. Outros 174 foram concluídos em mais de 10 anos. Foram necessários 14 anos para julgar pelo menos 14 processos. O mais longo durou 18 anos e 10 meses. Condenou sete servidores do extinto Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) por concessão fraudulenta de aposentadorias.

Relatório das atividades do TCU apenas no 3º trimestre deste ano registra a aplicação de multas e débitos a 476 responsáveis, no valor total de R$ 182 milhões. Os débitos de apenas três processos somam R$ 90 milhões. Os números são expressivos, mas a análise desses casos mostra que será difícil recuperar o dinheiro desviado. Isso também não é novidade. Segundo as estatísticas do tribunal, apenas cerca de 2% das multas e débitos aplicados são recuperados. Na lista dos novos devedores estão políticos, servidores públicos de altos escalões e empresas que nem existem mais.

Orlando Roriz, ex-prefeito de Luziânia, hoje com 74 anos, tem disponível para ressarcimento da dívida a casa onde mora, no centro da cidade, e mais “uma casa velha”. Ele também tem uma fazenda, mas informa que “está hipotecada” numa ação em que foi fiador. Se perder o último recurso no TCU, vai recorrer à Justiça. “Ah! Temos que ir, porque nenhum de nós tem condições de pagar”, comenta Orlando, primo do ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz.

Previdência
As fraudes contra a Previdência continuam. No último trimestre, só a ex-servidora Verônica Vieira de Souza foi responsabilizada por débitos no valor total de R$ 15,8 milhões. Ele incluiu dezenas de pessoas na folha de pensões do Ministério da Fazenda entre 1993 e 1998. Algumas pessoas cediam seus nomes para receber o benefícios em troca de metade da pensão. A outra metade era da servidora. Mas ela não vai pagar nada. Já morreu. Os beneficiados vão responder solidariamente por cerca de R$ 16,5 milhões.

Em 1997, a prefeitura de Humaitá (AM) celebrou convênio com a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) para obras de recuperação na BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, entre os Kms 606 e 640. O contrato, valor aproximado de R$ 11 milhões, foi firmado com a empreiteira Britex. Após uma auditoria preliminar, o processo foi transformado em tomada de contas especial em 2003. Em julho deste ano, o TCU aplicou débito de R$ 23,7 milhões ao ex-prefeito Renato Pereira Gonçalves, a engenheiros e fiscais da prefeitura e à empreiteira Mangaval, de propriedade de um dos sócios da Britex.

O tribunal apontou irregularidades como revestimento com qualidade e espessura inferiores às registradas no diário de obras e existência de rachaduras na camada superior do asfalto. O prefeito afirma que a prova da sua inocência é que a estrada está em operação até hoje. E avisa que voltará a disputar a prefeitura de Humaitá no próximo ano, com uma ressalva: “Não vou disputar, vou ganhar, porque o povo quer me eleger”. Sobre a empreiteira que fez a obra, informa: “A Britex desapareceu. O dono ficou maluco, brigou com os sócios e criou a Mangaval”.

Silêncio
Outro débito de grande porte, no valor de R$ 11,8 milhões, foi aplicado a Renato Pereira Simões, ex-secretário de Ação Social do Rio de Janeiro, por “malversação de recursos” do seguro-desemprego. Os recursos foram liberados pelo Ministério do Trabalho em 1995. Após várias tentativas infrutíferas, o TCU conseguiu citar o responsável em outubro de 1999. “Considerando que ele se manteve em silêncio e estando caracterizada a situação de revelia do responsável”, o tribunal decidiu pela irregularidade das contas de Simões em agosto deste ano.

O ex-deputado Wigberto Tartuce (PP) recebeu, em agosto, débito de R$ 2,2 milhões por irregularidades na execução do programa de educação profissional financiado com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) no Distrito Federal, em 1999. Foram aplicados R$ 24 milhões por intermédio de 50 entidades. “Todo mês eu recebo um ou dois novos processos. Demora porque desmembraram em 72 processos. Só para tirar cópia eu levo 15 dias”, protesta o ex-parlamentar. Ele afirma que, após tudo concluído no TCU, vai recorrer à Justiça. Outro político condenado pelo tribunal foi Antônio Belinati, ex-prefeito de Londrina (PR). Ele terá que pagar R$ 1 milhão por desvio de recursos da merenda escolar no município em 2000. Hoje, ele é deputado estadual pelo PP do Paraná.

Vício
O processo sobre a construção de uma unidade mista de saúde em Goiandira (GO) chama atenção não pelo valor debitado ao ex-prefeito Neusmar Vaz de Santana (R$ 543 mil), mas pela sua morosidade. O convênio com o Fundo Nacional de Saúde foi firmado em 1993. Já em 1995, auditoria do ministério apontou irregularidades como redução da área da obra de 1.332 metros quadrados para 440 metros quadrados, superavaliação do terreno e vício na licitação. Foi apresentada a defesa do ex-prefeito, mas novas diligências do ministério teriam sido cumpridas somente após seis anos.

A primeira decisão da Segunda Câmara do TCU saiu em 2005. Após três tentativas de notificação, o acusado foi informado do débito por edital, mas não recolheu a quantia devida. Em julho deste ano, as contas de Santana foram julgadas irregulares.

No 3º trimestre, o TCU aplicou 476 multas no valor de R$ 182 milhões

Apenas 2% das multas aplicadas costumam ser recuperadas pelo governo

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