Editorial - Ataque ao bolso dos motoristas
O Ministério da Justiça quer aumentar o valor das multas de trânsito em até 70%. O projeto de lei que deverá ser enviado ao Congresso nas próximas semanas será parte de um pacote de medidas que o Ministério da Justiça, a Polícia Rodoviária e o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) preparam para "atualizar" a legislação brasileira de trânsito.
O objetivo é o de reduzir o número de acidentes e de mortes nas estradas e ruas do País. Em 2007, o número de feridos em acidentes nas estradas federais aumentou 10% e o número de mortos, quase 11% em relação a 2006. Nos 61 mil quilômetros de rodovias federais, houve 123 mil acidentes que causaram 6.840 mortes e ferimentos em 75 mil pessoas.
Considerado como um dos mais avançados do mundo, o Código de Trânsito Brasileiro não foi integralmente aplicado em seus dez primeiros anos de vigência, comemorados no último dia 22. Faltaram ações de fiscalização permanentes para obrigar ao cumprimento das normas, e muitas medidas essenciais para a segurança do trânsito, como a inspeção das condições mecânicas dos veículos, não foram sequer regulamentadas.
As autoridades também não cumpriram os dispositivos da lei que obrigam a aplicação de pelo menos 95% da vultosa arrecadação das multas em educação de trânsito e na melhoria da malha viária.
O governo não cumpriu integralmente a parte que lhe cabia. O Ministério da Educação, por exemplo, passou esses dez anos tentando encontrar uma fórmula para incluir a Educação no Trânsito na grade curricular dos cursos de níveis médio e fundamental, conforme determina o Código. Não conseguiu. Tivesse iniciado a educação das crianças há dez anos, hoje certamente haveria muito menos jovens motoristas irresponsáveis.
Existe ainda uma disputa entre governos estaduais e municipais e entre estes e a própria União, que adia indefinidamente o cumprimento do estabelecido no Código em relação à inspeção veicular, apontada por especialistas em segurança no trânsito como fundamental para a melhoria das estatísticas de acidentes no País. Enquanto a vistoria não é realizada, aumenta o número de carros sem condições mínimas de segurança nas ruas e estradas do País. Nesses últimos dez anos, a frota nacional cresceu 7% a cada período de 12 meses.
Por sua vez, as condições de conservação das rodovias, principalmente as federais, são deploráveis. Aos buracos e à falta de sinalização somam-se as curvas e trechos mal planejados e mal dimensionados em estradas de grande movimento.
Em vez de eliminar esses problemas, criados por descaso e omissão, as autoridades preferem lançar mão do meio menos eficiente para tentar controlar o avanço do número de acidentes e de mortes no trânsito - a punição pecuniária dos infratores. Por isso, há quem acredite que, com a elevação do valor das multas, a que o governo visa é apenas rechear os cofres públicos.
Se aprovado o aumento das multas, o motorista que for flagrado dirigindo em velocidade 20% acima do permitido terá de pagar R$ 933 pela infração. Hoje a multa é de R$ 572,00.
No pacote há propostas ainda mais abusivas e de legalidade mais que duvidosa, como a instituição de multas de valor proporcional ao preço de mercado do veículo. O ministro da Justiça, Tarso Genro, em entrevistas nos últimos dias, demonstrou ser um entusiasta da idéia e propôs até a criação de multa com o valor integral do veículo.
Alarmados com a proposta, advogados lembram que, pela Constituição, o confisco de veículos somente pode ser autorizado por juízes após o devido processo legal.
O número de acidentes de trânsito é, de fato, alarmante. Mas não é com punições pecuniárias que as autoridades conseguirão reduzir esse número. Segurança no trânsito se obtém com educação, informação, conscientização, orientação e punição, também.
Apenas o medo de pagar multas elevadas não mudará o comportamento dos motoristas.
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