Ditador cubano renuncia à presidência depois de 49 anos no poder, alegando que não tem condições físicas
A renúncia de Fidel Castro chegou ontem como o despertar de um sono leve. Cidadãos cubanos na ilha ou no exílio, lideranças mundiais e observadores em vários países já esperavam, mas não deixaram de se surpreender com o anúncio melancólico — feito em carta publicada no jornal Granma e no tablóide Juventud Rebelde, ambos órgãos oficiais do regime. Ao abrir mão do discurso público ou de declaração televisionada em rede nacional, o líder da Revolução Cubana comprovou as suspeitas de que seu estado de saúde sofre degradação acelerada. O último sinal emitido pelo próprio Fidel, de 81 anos, foi na recente visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Fontes do Planalto confirmaram ao Correio que a viagem de Lula a Havana, há mais de um mês, teve como objetivo "o último encontro com Fidel ainda presidente", entrevendo a renúncia como certa. Frágil, apesar de lúcido, o mandatário cubano confidenciou ao colega brasileiro que "estava pronto para assumir seu lugar na história". No texto de ontem (leia na página 21), escrito de próprio punho, o ditador formalizou a decisão: "Não aspirarei nem aceitarei — repito —, não aspirarei nem aceitarei o cargo de presidente do Conselho de Estado e comandante-em-chefe".
Datado de 18 de fevereiro, às 17h30 (hora local), o texto foi escrito para ficar na posteridade. Na prática, Fidel renunciou ao poder que já havia delegado interinamente ao irmão Raúl (76 anos), 18 meses antes, após ser internado às pressas por causa de uma grave hemorragia no intestino. Sua última viagem ao estrangeiro foi em julho de 2006, quando participou da Cúpula do Mercosul em Córdoba (Argentina). Em 26 de julho, visitou as províncias de Bayamo e Holguín, no leste de Cuba, para as comemorações pelo 53º aniversário do assalto ao Quartel Moncada, que marcou o início da Revolução Cubana. A intensa agenda teria provocado uma "crise intestinal aguda", segundo fontes oficiais. Mas a presença de um cirurgião oncologista em Havana meses depois alimentou as especulações de que Fidel teria câncer de cólon.
O fato é que ele nunca mais foi visto em público, apenas em fotos, gravações oficiais e publicando artigos sobre várias questões internacionais. "Meu desejo sempre foi cumprir minhas tarefas até o meu último suspiro. No entanto, seria uma traição à minha consciência assumir uma responsabilidade que exige mobilidade e dedicação que não estou em condições físicas de cumprir", explicou no texto. Ao fim de sua mensagem, o líder cubano se refere ao processo político, e diz que conta "com a autoridade e a experiência para garantir plenamente a sua substituição".
Saúde sob sigilo
A renúncia abre caminho, de fato, para que Raúl implemente reformas no país. Mas o plano de transição segue calcado no sigilo absoluto sobre a saúde de Fidel e em lentas mudanças administrativas. Até agora, todos os passos são dados para impedir qualquer vácuo de poder. Apesar de garantir, na carta, que não participará da reunião da Assembléia Nacional para escolher os 31 membros do Conselho de Estado (Poder Executivo), neste domingo, Fidel deve continuar como membro do Parlamento. A nova Assembléia Nacional, eleita no final de janeiro, tem até 45 dias para escolher o chefe do governo do país.
Desde 1976, Fidel vinha sendo eleito e ratificado em todas as eleições, que se realizam a cada cinco anos. Em mensagens que escreveu em dezembro, o ditador afirmou que não se apega ao poder, não obstrui as novas gerações e expressou constante apoio a Raúl. O irmão caçula desperta esperanças de mudanças econômicas que melhorem o cotidiano dos cubanos, e analistas dizem que a transferência formal do cargo lhe daria força para implementar tais reformas. Fidel assumiu o poder em Cuba em 1959, e transformou o país em um Estado comunista.
Durante os 49 anos no poder, ele apoiou movimentos armados de perfil comunista em toda a América Latina, inclusive no Brasil, na Ásia e na África. Mas todas as tentativas de exportar sua revolução fracassaram. Conseguiu resistir a 10 governos norte-americanos e seguidas tentativas de golpe planejadas pela Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA). A ação mais famosa foi a invasão frustrada da Baía dos Porcos, em 1961. Naquele ano, Fidel optou pelo socialismo, se alinhando com a extinta União Soviética (URSS). Os EUA embargaram a economia de Cuba, e a inteligência americana planejou matá-lo.
Fidel sempre foi alvo do amor incondicional de partidários mundo afora, mas também do ódio irrepreensível dos críticos, especialmente pelo cerceamento das liberdades civis e a execução sumária de opositores e desertores do regime. Agora, sem a imunidade que seu cargo lhe outorgava, pode até enfrentar a Justiça. O advogado Manuel Ollé, presidente da Associação Pró-Direitos Humanos da Espanha — que atua na acusação popular aberta na Audiência Nacional de Madri contra as ditaduras do Chile e Argentina —, comparou a situação do cubano à do chileno Augusto Pinochet. Segundo ele, Fidel poderá ser processado por crimes contra a humanidade, torturas e terrorismo.
Condenem-me, não importa, a história me absolverá
Fidel Castro, em outubro de 1953, durante julgamento depois do frustrado ataque ao Quartel de Moncada
Cuba: Especial Correio Braziliense - Parte I: Fidel sai de cena
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