Cuba: Especial Correio Braziliense - Parte III: Tristeza em Cuba, alegria em Miami

Moradores da ilha caribenha destacam inteligência do líder. Exilados celebram "fim do reinado de terror"

O técnico em informática Brandys Roberto Cabrera Graverán nasceu em 1959, quando Fidel Castro e Camilo Cienfuegos forçaram a fuga do ditador Fulgêncio Batista e decretaram o início da Revolução Cubana. Talvez por isso esse morador de Havana de 49 anos demonstre serenidade ao falar do afastamento do Comandante. "Nós recebemos a notícia com naturalidade e senso comum", afirmou ao Correio. Na opinião dele, os últimos 50 anos têm sido de mudanças na ilha caribenha. "Fidel cometeu erros e acertos, mas sempre contava com o apoio da maioria da população", acrescentou. Ao ser questionado se o ex-presidente era um ditador, esse cidadão cubano adota a cautela. "Penso que Fidel é um homem de seu tempo, de uma grande visão revolucionária, um líder que cometeu erros que não destoaram de seus princípios", comentou. Para Graverán, o maior erro de Cuba foi ter copiado o sistema socialista europeu.

Em Sanctí Spiritus, cidade situada na região central da ilha, Oscar Alfonso Sosa também encarava a renúncia de Fidel com tranqüilidade. Aos 40 anos, o repórter do jornal Escambray Digital considerou "muito sábia" a decisão do político e lembrou que Cuba "marcha" bem. "Agora vamos desfrutar de sábias reflexões, de uma conferência magistral de sabedoria política", comemorou. Sosa ressaltou que Fidel não opina sozinho sobre os rumos da ilha, mas faz parte de um conjunto de "companheiros" responsáveis pelas decisões nacionais. "Não creio que ninguém se submeta a prescindir de tanta sabedoria e experiência", alertou. O jornalista acredita ser muito prematuro falar em fim da era Fidel e também rejeita a pecha de ditador para o ex-chefe de Estado. "Não creio que alguém que tenha dedicado sua vida à frente de um país e pelo bem-estar dos cidadãos seja um ditador", justificou-se, admitindo que a história enalteceu poucos personagens como Fidel.

Omar López Montenegro, de 53 anos, contou à reportagem ter provado os dissabores da ditadura castrista. "Fui preso pela última vez em 19 de abril de 1992 e sofri torturas na Via Marista, quartel-general do exército de Cuba", disse o fundador do Movimento Pró-Direitos Humanos em Cuba, há 16 anos exilado em Miami (Estados Unidos). "Levei tapas, fiquei em uma cela sem janelas, me privaram de sol, banho e sono. Os interrogatórios ocorriam a qualquer hora. Quando saí de lá, estava com atrofia muscular e não conseguia caminhar por 20 metros", lembrou. Para o ativista da Fundação Nacional Cubano-Americana (FNCA), a renúncia de Fidel encerra um "capítulo obscuro" na história de Cuba, um "reinado de terror" de quase 50 anos.

De acordo com Montenegro, a saída do presidente cubano representa uma oportunidade histórica para o início de uma guinada pela democracia no país. Ele sustenta que o momento é ideal para a oposição interna promover sua agenda política, sem medo de perseguição. O exilado comentou que a pobreza é a primeira base da discriminação econômica produzida pelo regime. "As pessoas que trabalham não têm permissão para obter bens, não podem pagar com pesos cubanos. Como a marginalização era determinada pela vontade do governo de Fidel, o povo estava condenado à miséria", opinou.

Comemoração
Parte dos 750 mil cubanos saiu às ruas de Miami para uma comemoração tímida. No fim de semana passado, milhares fincaram no gramado de um parque da cidade cerca de 100 mil cruzes brancas, um monumento ao êxodo de Cuba. O químico José Miguel Hernández, de 53 anos, fugiu da ilha em 1993, graças a uma argentina-sueca. O governo sueco condedeu-lhe asilo político e, 11 meses depois, ele pôde retirar as filhas e a mulher da ilha. Em 2003, trocou a Europa pela Flórida. "Estão fazendo um show por causa da renúncia de Fidel, que já não tinha poder. Algumas pessoas estão nas ruas, com cartazes, e os meios de comunicação dão mais atenção ao fato do que às eleições presidenciais nos Estados Unidos", observou.

Hernández duvida que a notícia represente uma abertura política. "Os regimes totalitários têm um sistema muito compacto de proteção", disse. O químico exilado lembrará de Fidel como um títere, um homem que distorceu as leis do marxismo, empobreceu a população, desenvolveu um sistema stalinista de repressão, copiou as teorias mais funestas do governo totalitário e destruiu a cultura cubana. "Cuba vai necessitar de muitos anos para levar seu povo pelos caminhos da tolerância e da democracia", concluiu.

Quando esta guerra acabar, começará para mim uma guerra muito maior e mais longa: a guerra que vou lançar com eles. Me dou conta de que esse vai ser meu destino verdadeiro
5 de junho de 1958, de uma carta escrita em Sierra Maestra

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