Confira os prinicipais trechos da entrevista com Garibaldi Alves nas páginas amarelas de Veja.
Foto: Antonio Cruz/ABr
Veja – O senhor assumiu a presidência de um Congresso desgastado pelo escândalo que culminou com a renúncia de Renan Calheiros e paralisado pelo excesso de medidas provisórias do governo. Qual é o seu diagnóstico?
Garibaldi – O Congresso deixou de votar, de legislar, de cumprir sua função. É uma agonia lenta que está chegando a um ponto culminante. Essa questão das medidas provisórias é emblemática da crise do Legislativo, que não é mais uma voz da sociedade, não é mais uma caixa de ressonância da opinião pública. Está meio sem função. O Congresso está na UTI, e ninguém do mundo político percebe que esse desapreço pelo Poder Legislativo é uma coisa que está minando as suas bases de sustentação e que a qualquer hora poderá haver um momento de maior tensão, de crise entre os poderes. À medida que o Legislativo abre mão de suas prerrogativas, o Executivo invade espaços. Precisamos inverter essa tendência.
Veja – Mas o desgaste do Congresso não decorre só da questão política. Nos últimos anos, os escândalos se sucederam e o Legislativo pouco fez para punir os envolvidos. Essa aparente leniência com a corrupção não ajuda a construir uma boa imagem do Congresso...
Garibaldi – Essa leniência tira a autoridade do Legislativo. Hoje, o Congresso só quer atuar na fiscalização de outros poderes, através das CPIs, mas esquece que precisa antes fazer uma faxina dentro de casa. Por exemplo: precisamos ter coragem de encarar a opinião pública na questão dos subsídios, dos vencimentos dos parlamentares.
Veja – O que o aumento do salário dos congressistas tem a ver com isso?
Garibaldi – Se eu fosse chamado agora para uma reunião, diria: vamos definir um salário justo para os parlamentares. Na hora, poderia me desgastar pela falta de credibilidade do Legislativo. Mas o parlamentar precisa de um salário maior, com menos penduricalhos, compatível com outros poderes. Não digo nem com o Executivo, que não é modelo para isso, já que um ministro ganha 8 000 reais líquidos. Hoje, o Legislativo está emparedado, intimidado, e ninguém quer enfrentar essa questão. Mas é uma questão justa.
Veja – Em sua avaliação, a absolvição do senador Renan Calheiros foi uma decisão correta dos senadores?
Garibaldi – A absolvição de Renan penalizou o Legislativo. Mas é uma questão difícil. Quero ter todo o cuidado de falar de uma pessoa que era colega. Quer dizer, é colega. Ele anda aparecendo menos, mas ainda está lá. Pelo coleguismo, todos têm cuidado, pensam muito antes de decidir. Eu até hoje não sei qual punição ele merecia. É difícil julgar um par, é um julgamento muito político. Eu tive duas posições. No primeiro julgamento, fui a favor da cassação. No segundo, fui contra. Esse tipo de julgamento é um dilema para o Legislativo. Mas, sem dúvida, prevaleceu mesmo a imagem da impunidade.
Veja – Analistas dizem que a imagem péssima do Legislativo, principalmente em razão dos casos de corrupção, tem atraído cada vez mais pessoas desqualificadas para a política. O senhor concorda com isso?
Garibaldi – A política hoje é o seguinte: quem já entrou sem dinheiro tenta sobreviver. Mas quem é liso não tem mais vez. Só vão entrar os endinheirados ou quem está atrás de mais dinheiro.
Veja – Como fazer para resgatar a imagem do Congresso?
Garibaldi – Não quero dourar a pílula. A situação está muito difícil. A discussão das medidas provisórias pode ser uma retomada de caminho. Câmara e Senado estavam funcionando como
duas entidades distintas e, agora, começam a se reunir, a tentar falar a mesma língua. Eu gostaria de ver até o fim do meu curto mandato, em fevereiro, sinais dessa reação. Há muita gente boa no Congresso, mas a maioria está desanimada. Muita gente está lá apenas para aprovar umas emendazinhas e conseguir uns cargos para se reeleger. A maioria dos parlamentares segue a lógica de votar com o governo, liberar as emendas, emplacar um cargo para um aliado e colher os dividendos nas eleições seguintes. Os políticos se contentam com isso e, sem saber, fazem um mal danado ao Legislativo. A Casa pode desmoronar do jeito que vai.
Veja – O Palácio do Planalto utilizou um dossiê com gastos secretos do presidente Fernando Henrique para tentar intimidar a oposição e inviabilizar a CPI dos Cartões. O senhor acha que a revelação do dossiê vai fazer com que a CPI ande?
Garibaldi – O episódio do dossiê foi bom para dar um alento a essa comissão, para a investigação pegar. Tem de investigar, tem de abrir tudo. Fernando Henrique fez uma carta para Arthur Virgílio pedindo para abrir todas as suas contas. Lula devia seguir o exemplo e fazer uma carta para o Romero Jucá (líder do governo no Senado) para abrir tudo isso aí. Não há nenhum problema de segurança nacional. Não vejo como essas despesas possam ameaçar um governo. Usar argumento de segurança nacional é coisa de ditadura, de regime autoritário. Essa tese não combina com a democracia. O lixo do presidente da República não é diferente do lixo de nenhum contribuinte. A mordomia faz parte do poder. Lula como presidente da República e eu aqui como presidente do Senado temos direito a uma certa mordomia. Mas isso deve ser totalmente transparente.
Veja – A maneira mais comum de o governo do PT tentar evitar uma investigação no Congresso é apelar para a tese de que o governo anterior fez o mesmo. Essa disputa para ver quem errou primeiro não provoca uma descrença na classe política?
Garibaldi – Ajuda muito a desmoralizar os políticos. Não quero dizer que não se deva comparar uma administração com a outra. Mas comparar seus feitos, não comparar para ver quem é pior, quem fez o errado antes. Há um nivelamento por baixo. O que a população espera é que se corrija o erro, não que se faça a exaltação do errado. Lá no Nordeste, há um dito popular assim: todo mundo calça 40. Significa que são todos iguais. Quando vejo essa troca de acusações entre PT e PSDB, lembro logo da frase. Todos eles calçam 40.
Veja – Mas o senhor é do PMDB, partido que esteve ao lado dos tucanos, hoje apóia os petistas e, assim, vai se perpetuando no poder, independentemente dos governos, há vinte anos. O seu partido também não calça 40?
Garibaldi – Dentro do PMDB há uma corrente que quer nadar contra essa maré. Mas essa prática do fisiologismo termina nivelando todo mundo por baixo. A imagem hoje é a de que quem é do PMDB não presta. É uma injustiça generalizar, todo partido tem gente fisiológica e gente séria, mas o meu partido deu motivos. Para enfrentar isso, o partido precisaria oferecer a outra face, a face boa. Mas qual será essa face boa, essa ilha de excelência?
Veja – Qual?
Garibaldi – Pensando em 2010, é difícil o partido tirar um candidato dessa massa sem lideranças. O PMDB não tem candidato. Ou vai de Aécio Neves, se ele vier para o partido, ou não tem ninguém. Poderia ser o Sérgio Cabral, mas ele está encontrando muitas dificuldades no governo do Rio.
Veja – Há alguma chance real de o governador de Minas, Aécio Neves, trocar o PSDB pelo PMDB?
Garibaldi – Eu não sou um dos articuladores desse projeto. Mas, se der certo, eu embarco nessa candidatura.
Veja – O presidente Lula aposta em Dilma Rousseff como sua candidata à sucessão e deu a ela o comando do PAC, para tentar fazê-la decolar. Lula e o PAC são suficientes para fazer de Dilma a próxima presidente?
Garibaldi – Se Dilma é a mãe do PAC, a candidatura dela vai depender dos filhos. Se esse PAC crescer mesmo, se esses filhos chegarem aos 16 anos e se tornarem eleitores, com o título no bolso, ela terá chance. Agora, se Dilma permanecer apenas com esse papel de coordenadora e o PAC não for esse canteiro lindo de obras, for só uma sigla, vai ser difícil demais emplacar.
Veja – O senhor acha que o PT, na hipótese de não encontrar um candidato ideal à sucessão, pode lançar uma ofensiva para dar um terceiro mandato a Lula?
Garibaldi – Pode, sim. Cada cidadão tem sua opinião, e eu vou dar a minha: eu não acredito que Lula vá topar essa parada. Ele está com uma imagem que não foi fácil conquistar, muito melhor do que quando ele iniciou essa luta para chegar à Presidência e ouvia gente dizendo que ia sair do país se ele ganhasse. Não houve debandada, não houve crise na economia. O presidente não vai querer jogar tudo isso fora por uma aventura do terceiro mandato. O que ele pode é querer voltar na eleição seguinte.
Veja – Qual o ponto forte do governo Lula?
Garibaldi – É uma coisa óbvia. Lula é um homem que foi fiel, pelo menos no imaginário popular, às suas origens. Chegou à Presidência, manteve a política econômica e voltou-se para a população mais pobre. Expandiu as bolsas e deu mais assistência aos pobres. Não sei se no futuro esses programas vão ser considerados bons, já que no interior do Nordeste muita gente não quer mais trabalhar porque está recebendo essa Bolsa Família. Prefere o dinheiro fácil a pegar no cabo da enxada. Agora, para a fome não há outra receita a não ser encher a barriga. Por isso o Lula é popular. Por isso não há quem possa hoje subir à tribuna do Senado e dizer que o Bolsa Família não é um bom programa.
Veja – E os pontos fracos?
Garibaldi – O problema é que Lula vê as coisas com um certo maniqueísmo. Tudo o que ele faz é bom. E quem fala mal dele, até quando é uma crítica bem-intencionada, é ruim. Então, ele passou a ser um divisor de águas, um dono da verdade. É lógico que existem falhas no governo dele. A reforma agrária dele não é boa. Ele não segura a exacerbação do MST. A política de Lula para o homem do campo é muito ruim. No Nordeste não tem mais ninguém vivendo direito da agricultura. Não existe grande produtor, não existe médio e o agricultor familiar só planta para subsistência. Outra falha é a falta de política de desenvolvimento regional, de investimento nas vocações econômicas das regiões.
Veja – O senhor foi relator da CPI dos Bingos, que desvendou uma série de escândalos no governo. Como o senhor avalia a corrupção no Executivo?
Garibaldi – O governo Lula foi muito frágil com a corrupção. Adotou uma política, para mim errada, de dizer que ninguém errou, que os corruptos foram vítimas de complôs, de circunstâncias. Sempre criando atenuantes. E se você cria atenuante cria impunidade. O próprio presidente adotou essa política muito compassiva com os auxiliares. Se o presidente não pune, não manda apurar, abre a porta para mais corrupção. Lula deveria ter cortado o mal pela raiz. Como não cortou, ficou sem condição de debelar a corrupção.
Veja – O senhor deve ouvir falar de reformas tributária e política desde que entrou na vida pública. Por que elas nunca saem?
Garibaldi – O país precisa muito de reforma política, previdenciária e tributária, mas já desperdiçamos muitas oportunidades. Lula e Fernando Henrique foram eleitos e reeleitos com grandes votações, tinham condições de enfrentar as resistências, mas não se empenharam. Isso só se faz no começo do governo, quando a popularidade é alta. Eu culpo essa falta de coragem dos últimos governantes para enfrentar essas questões mais a fundo. Isso é coisa para estadista. E falta estadista em nosso país.
Veja – Há alguma chance de aprovar a reforma tributária que está no Congresso até o fim do governo Lula?
Garibaldi – Este ano parece ser péssimo no Congresso por causa da eleição. Aparentemente, ninguém aposta um real que a reforma tributária saia. Mas eu aposto que essa reforma tributária, que não é a ideal, pode sair se o governo se empenhar com ela, for tolerante e dialogar com todos os lados envolvidos.
Páginas amarelas: Garibaldi Alves
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Congresso Nacional,
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