Carlos Ayres Britto assume TSE e diz preferir encarar o desafio de estender as regras da propaganda eleitoral às novidades da Internet

Foto: U.Dettmar/ASICS/TSE















Um ministro antenado com seu tempo é um justo resumo do novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Carlos Ayres Britto que assumiu há pouco substituindo Marco Aurélio Mello.

Nesta entrevista, concedida com exclusividade ao site Última Instância, Ayres Britto diz preferir encarar o desafio de estender as regras da propaganda eleitoral às novidades da Internet do que simplesmente ignorá-las. “Quando o direito ignora a realidade, a realidade dá o troco e passa a ignorar o direito”.

Ao contrário do ministro Marco Aurélio Mello, que se dispôs a discutir sobre questões gerais presentes na mídia durante sua presidência no tribunal, Britto avalia que sua relação com a imprensa deve ser mais cautelosa.

“Cada cabeça uma sentença. Eu tenho o estilo de me comunicar bem com a imprensa, na medida da necessidade de levar ao público o conhecimento daquilo que ao público interessa”, disse.

Britto defendeu a modificação de regras em ano eleitoral, desde que essas alterações sejam por força de interpretações das leis já existentes.

“Os fatos são tão dinâmicos que nos propiciam ver uma velha regra por um ângulo normativo novo. Isso é o que se chama de atualizar as interpretações do direito. Isso é possível.” Sobre as proibições às campanhas eleitorais, o ministro disse acreditar que não se pode inibir demasiadamente o contato do candidato com o eleitor. “Eleição é também uma festa democrática, um momento de exaltação do civismo e da soberania popular.”

Durante cerca de 40 minutos, Ayres Britto respondeu às perguntas sem deixar de atender as ligações de seu celular. “Quando se tem filhos não se pode desligar”, disse, bem-humorado, ao mesmo tempo em que se preocupava com a clareza das respostas das perguntas. “Eu não sou fácil de entrevistar, mas sou sincero.”

Leia o perfil do novo presidente do TSE

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Última Instância — Quais os principais desafios que espera enfrentar no comando do TSE e como pretende solucioná-los?

Carlos Ayres Britto — Sou uma pessoa de espírito aberto, sempre disposto a converter dogmas em problemas e, por conseqüência, em desafios. A minha predisposição é de encarar o que vier. À Justiça Eleitoral está reservado um papel tão fundamental quanto insubstituível, que é acima de tudo planejar, executar e julgar o processo eleitoral brasileiro a cada dois anos.
O desafio é conciliar o direito com a vida, que é cambiante, surpreendente, irreprimivelmente.

Vale dizer que o vínculo entre a classe política e a população é umbilical e o povo merece o melhor. O nosso papel na Justiça Eleitoral é impedir a degradação dos sistemas políticos em última análise. Essa contribuição eu tenho certeza que darei com o melhor da minha vocação, do meu empenho. É uma honra muito grande servir à Justiça e ao povo mediante o exercício da presidência do Tribunal Superior Eleitoral.

Última Instância — O ministro Marco Aurélio Mello esteve muito presente na mídia, comentando diversos assuntos. O senhor pretende manter essa relação com a imprensa?

Carlos Ayres Britto — Cada cabeça uma sentença. O homem é o estilo, o estilo é o homem, dizia Buffon. Eu tenho o estilo de me comunicar bem com a imprensa, na medida da necessidade de levar ao público o conhecimento daquilo que ao público interessa.

Última Instância — A Resolução 118, que impede a obtenção de certidão de quitação eleitoral para aqueles que tiverem as contas desaprovadas, muda completamente o cenário anterior. Essa regra deve valer para essas eleições?

Carlos Ayres Britto — Meu estilo é de evitar comentários sobre questões processuais ainda pendentes de julgamentos. Uma vez proferida a sentença, me sinto à vontade para debulhar o respectivo conteúdo e aclarar para o público o significado da decisão. Prefiro aguardar o julgamento do colegiado, mas lembro: a Justiça Eleitoral é mais dinâmica do que os outros ramos do Poder Judiciário, porém, sem prejuízo daquele mínimo de segurança jurídica enquanto elemento conceitual do próprio Estado de Direito.

Última Instância — Há uma discussão sobre impedir candidaturas pela existência de processos criminais. Qual a opinião do senhor sobre isso?

Carlos Ayres Britto — Já temos uma decisão formalmente proferida pelo TSE na matéria. O TSE, por quatro votos a três, entendeu que o direito à presunção de não culpabilidade em matéria penal se comunica à esfera eleitoral. O que prevalece neste momento é essa decisão.

Admito, porém, que o tema é muito importante e deverá tornar à apreciação do TSE sob a forma de processo formal e aí, se for o caso, teremos a oportunidade de reestudar a questão, agora sob nova composição dos ministros do TSE. Inclusive já se anuncia o revolver do tema sobretudo a partir do Tribunal Regional do Rio de Janeiro. Aguardemos, portanto, esse relançar das teses prós e contras.

Última Instância — Como foi o voto do sr. neste caso?

Carlos Ayres Britto — O meu voto foi no sentido de que no ordenamento jurídico constitucional existe uma regra implícita de habilitação da Justiça Eleitoral para apreciar a vida pregressa do candidato quando do pedido de registro da candidatura dele. A Constituição fala de candidato no sentido coloquial de cândido, puro, pessoa depurada do ponto de vista ético.

Não se pode deixar de reconhecer que o povo merece o melhor em termos de representante e esse melhor começa por uma vida pregressa, livre de números avultados de processos criminais e ações de improbidade administrativas.

Pelo meu voto, há duas modalidades de inelegibilidade. Uma é a inelegibilidade originária, que se afere quando da apreciação do pedido de registro de candidatura e outra é a inelegibilidade superveniente que já pressupõe o exercício cargo pessoalmente ou por um terceiro cônjuge ou parente. É preciso trabalhar com a inelegibilidade relacionada à vida pregressa do candidato e neste caso, a inelegibilidade muda de nome e passa a se chamar condição de elegibilidade.

Última Instância — Há uma expectativa grande quanto à resposta do TSE sobre a propaganda eleitoral pela Internet, bastante usada na última eleição. É possível que mesmo nessa fase do ano eleitoral os ministros limitem a propaganda ao site dos candidatos?

Carlos Ayres Britto — Esse é outro tema recorrente, porque a mídia ampliou suas fronteiras para abarcar também a comunicação eletrônica. É um desafio que temos pela frente de saber até que ponto é possível estender a essa mídia eletrônica, hoje globalizada, as regras usuais de regulação da atividade midiática em tema eleitoral.

O fato é que já tivemos uma Idade Média e agora estamos no centro de uma Idade Mídia a desafiar o direito para uma devida regulação que signifique acima de tudo preservar o postulado da paridade de armas por igualdade de meios entre os disputantes de cargo eletivo. É um tema fascinante a desafiar nosso senso de Justiça material e nossa capacidade de interpretar o direito como um todo.

Última Instância — Há um parecer neste caso que diz "o que não é previsto é proibido". Qual é a opinião do sr. sobre essa conclusão?

Carlos Ayres Britto — Eu parto de um pressuposto como operador jurídico: quando o direito ignora a realidade, a realidade dá o troco e passa a ignorar o direito. Isso é extremamente perigoso. Sou uma pessoa muito atenta à realidade e procuro buscar respostas normativas para tudo que acontece empiricamente. Muitas vezes o ordenamento jurídico não padece de déficit de normatividade. Nós os seus intérpretes é que padecemos de um déficit de interpretatividade.

Eu nunca respondo que o direito não tem resposta para isso. Eu procuro por todos os meios buscar no ordenamento jurídico uma resposta normativa para todo e qualquer problema. A priori eu não descarto a ausência de norma jurídica.

Eu procuro queimar a pestana para não deixar o real sem revestimento normativo e isso é uma questão de estilo. Neste caso, eu acredito que o direito tem sim como se aplicar aos novos fenômenos midiáticos, mas vamos ouvir o Colegiado e buscar a contribuição dos pares, que são pessoas muito experientes e muito comprometidas com o processo democrático. Vamos aguardar.

Última Instância — O telemarketing também foi questionado nessa consulta. É possível impedir o uso dessa ferramenta mesmo sem que haja qualquer regulamentação sobre o assunto?

Carlos Ayres Britto — O nosso a priori lógico é preservar a igualdade entre os competidores da preferência do eleitor e tudo que significar um desequilíbrio nesse processo competitivo desperta da nossa parte uma reação, ou seja, uma postura reativa desfavorável. Onde quer que se ache um meio desequilibrador da disputa eleitoral favorecendo um e desfavorecendo outros, desperta em cada um de nós uma reação.

O papel da Justiça eleitoral é, entre tantas outras coisas, velar por esse equilíbrio, essa paridade competitiva. Aqui e ali, seja qual for o meio, o processo ou o instrumento, onde se dê um desequilíbrio evidentemente injusto, passa a suscitar uma reação da Justiça eleitoral. A minha postura priorística é essa, mas vamos esperar que o caso aflore no Colegiado para uma discussão coletiva e um equacionamento também coletivo da questão.

Última Instância — Há alguma previsão para que essa consulta entre na pauta e seja respondida pelos ministros?

Carlos Ayres Britto — Não que eu saiba.

Última Instância — Como ocorreu com a verticalização, mudar as regras em ano eleitoral pode criar uma insegurança jurídica muito grande. Há regras que permitem essas mudanças?

Carlos Ayres Britto — A Constituição tem o conhecido princípio da anualidade, impeditivo de alteração no processo legislativo eleitoral. A lei que alterar o processo eleitoral pode entrar em vigor na data da sua publicação, mas somente se aplica à eleição que ocorrer até um ano da data de vigência dessa lei.
Mas é a lei, não a interpretação da lei. Nós podemos dar a lei uma interpretação atualizada, mais correta, mais consistente do que a interpretação anterior. De maneira que isso não muda a lei, muda a percepção do seu conteúdo e da sua finalidade. Os fatos são tão dinâmicos que nos propiciam ver uma velha regra por um ângulo normativo novo. Isso é o que se chama de atualizar as interpretações do direito. Isso é possível. A Constituição não proíbe.

Pelo contrário, a Constituição, feita para a realidade, se deseja conciliada com essa realidade permanentemente. Eu volto a dizer que quando o direito ignora a realidade, a realidade costuma dar o troco. Esse descompasso entre o direito e a realidade é o que de pior pode haver para a vida social.

Eu sei que isso para quem não é da área jurídica significa insegurança, instabilidade, mas é isso mesmo. Não se pode crucificar no madeiro de uma ortodoxa segurança toda idéia de avanço, toda idéia de progresso, toda idéia de modalidade social. Então a idéia de avanço, de progresso, de mobilidade social passa a prevalecer sobre a idéia também válida e louvável de segurança. O avanço e a segurança vivem em permanente fricção, em permanente tensão e o nosso papel é esse, de ir conciliando.

Chega um ponto em que você muito formalisticamente, para homenagear a segurança, refreia o avanço da vida. Isso não está correto. Outras horas você percebe que aquele avanço corresponde a uma idéia cujo tempo chegou. Então a gente modifica a interpretação do direito e concilia o direito com a vida. Isso no direito eleitoral é particularmente recorrente.

Última Instância — As regras firmadas nas últimas eleições limitaram bastante a propaganda eleitoral, proibindo showmícios e distribuição de brindes. Também nessas eleições foi eleito um número significativo de cantores, atletas e pessoas com alguma projeção na mídia. A restrição do livre debate pode ter relação com esse resultado?

Carlos Ayres Britto — Nós transitamos sempre em matéria eleitoral sobre um fio de navalha, porque há valores a considerar negativos e positivos. De uma parte é preciso mesmo impedir o estardalhaço, a agressividade apelativa do candidato, praticamente assediando e sufocando o eleitor e assim impedindo que ele disponha daquele mínimo de tempo, de espaço e reflexão para decidir livremente, conscientemente.

De outra parte, não se pode inibir demasiadamente esse contato do candidato com o eleitor, que afinal eleição é também uma festa democrática, um momento de exaltação do civismo e da soberania popular.

A cada eleição nós nos debruçamos sobre novos valores, novos processos de interação do candidato com os eleitores e esse dinamismo por vezes estonteante. A Justiça Eleitoral é sempre orientada para a depuração ética e democrática do processo eleitoral. O que nos impele, nos impulsiona e que nos move é essa preocupação com o aperfeiçoamento do processo democrático sobre dois preponderantes vetores: o vetor democrático e o vetor ético. Daí que antecipar soluções é sempre temerário. A Justiça Eleitoral mais que todas as outras é como que orteguiana, para lembrar Ortega y Gasset, filósofo espanhol, que nos legou a frase "eu sou eu e as minhas circunstâncias".

É impressionante como em matéria eleitoral a vida é incomumente surpreendente a exigir de nós uma cuidade visual, um senso material de Justiça, uma devoção à causa pública, sobretudo à causa democrática. Por isso nós viramos as madrugadas julgando, analisando cada peculiaridade, cada singularidade.

Última Instância — No segundo semestre, o TSE deve julgar governadores, como Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Luiz Henrique (PMDB-SC), e alguns senadores por crime eleitoral. Como deve ser o comportamento do tribunal nesses casos?

Carlos Ayres Britto — Há uma seletividade natural quanto à importância dos processos. Há uma gradação natural no plano da importância dos processos pela repercussão geográfica e popular dos nossos julgamentos. Quando julgamos um presidente da República, temos consciência de que a decisão é mais impactante para a sociedade e para a geografia do país do que a decisão sobre um governador, porque temos 27 governadores.

Por outro lado, quando julgamos um governador, também temos consciência de que aquela decisão é mais impactante do que o julgamento de um prefeito, porque nós temos 5.624 prefeitos. Isso é natural.

Nós temos três governadores sob julgamento, de Santa Catarina, Maranhão e da Paraíba. Claro que nossas atenções sobre esses três processos serão ainda mais focadas e cuidadosas, por essa diferença natural na própria representatividade popular. Eu estou com dois deles, do Maranhão e da Paraíba, e era minha intenção julgá-los antes da minha posse, porém surgiram fatos novos.

O tribunal passou a interpretar que o vice-governador tem direito a citação pessoal para integrar a lide como litisconsortes necessário, e, portanto, podendo arrolar testemunhas próprias, independentemente daquelas arroladas pelo governador do Estado.

Tive que tomar novas providências no plano processual e isso, pelo que parece, vai me impedir de julgar esses dois processos até o dia 6. É assim mesmo, nada a reclamar.

Última Instância — E qual a expectativa para a tramitação desses processos?

Carlos Ayres Britto — Eles tramitarão como já estão tramitando, com prioridade. Todo juiz quando vai proferir uma sentença pensa no reflexo social da sua decisão. Não que ele seja refém da sociedade, mas ele se preocupa sim com a interferência do Poder Judiciário no cotidiano da população.

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