Gastronomia – a iguaria japonesa

Nem o bife de Kobe escapa da ''pirataria''

Lílian Cunha, De São Paulo (Valor)



















Já pensou pagar R$ 160 por um quilo de bife, esperando saborear a carne de Kobe, do boi japonês wagyu, e, na primeira mordida, notar que gosto e textura são iguais a de um filé qualquer? Pois é isso o que está acontecendo no Brasil, segundo Sadao Iizaki, presidente da Associação Brasileira de Criadores de Bovinos da Raça Wagyu. "Tem muito criador que cria de qualquer jeito o animal cruzado, com nelore, angus ou simental, e sai por aí dizendo que vende bife de Kobe", diz o executivo, também vice-presidente da divisão de cosméticos da Yakult e responsável pela criação de 300 cabeças wagyu puríssimas mantidas pela empresa em Bragança Paulista, no interior paulista.
















O problema, segundo Iizaki, não é o cruzamento do boi. Mas sim a qualidade da carne, que muitas vezes não tem nada a ver com o famoso bife de Kobe. A iguaria, considerada uma das mais caras do mundo, é conhecida por sua maciez, uma vez que a gordura do animal não se concentra em capas, como acontece nos bovinos comuns. A capa é a faixa de gordura, que se vê, por exemplo, por fora da picanha quando é servida em espetos. Na carne de Kobe, essa capa é bem fina. A gordura, na verdade, não fica concentrada, e sim espalhada entre as fibras musculares. Por isso um bife de Kobe cru parece um mármore, cheio de ranhuras.

"Além disso, a gordura não é saturada. É bem mais leve e clara", explica Rogério Satoru Uenishi, superintendente técnico da associação. No preparo, a gordura amacia a carne, derrete, e torna o prato mais suculento.

Mas não é só o fato do boi ser da raça wagyu, seja ele raça pura ou cruzado, que determina a qualidade da carne. "A criação é fundamental", afirma Iizaki. Depois de desmamado, o bezerro wagyu, com idade entre seis e oito meses, vai a confinamento. O animal passa a viver em uma espécie de estábulo com cerca de 15 metros quadrados, com outros dois ou três bezerros da mesma idade. A pouca mobilidade é essencial para definir a maciez da carne. "Dar saquê, cerveja, ou fazer massagem no era um misticismo de antigamente no Japão. Hoje a alimentação é só feno, ração e água", diz Uenishi. Depois de pelo menos 16 meses nessa vida, o gado vai para o abate, que deve ser feito quando a rês tem entre 24 e 30 meses (600 quilos).

Isso, porém, não acontece entre todos os 30 criadores de gado wagyu do Brasil, segundo a associação. Por isso, a entidade, em conjunto com o Ministério da Agricultura e a Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Botucatu começaram há poucos meses os trabalhos para definir a padronização do bife de Kobe brasileiro. Os critérios serão, em princípio, a marmorização da gordura (quanto mais espalhada melhor), sua cor (quanto mais clara melhor) e a tonalidade vermelha da carne (as intermediárias são as mais valorizadas). A análise é feita com o animal vivo, por meio de um aparelho especial de ultra-sonografia desenhado para a tarefa. Uma segunda análise é feita logo após o abate, separando-se parte do lombo da área da costela do bicho.

O padrão, que leva em conta também os componentes químicos da carne e da gordura (ácidos graxos insaturados) deve ser definido dentro de um ano ou dois, e sancionado pelo Ministério. "Aí, os preços da carne serão definidos por sua qualidade e não pela genética do boi", afirma Iizaki

No Brasil hoje, há um rebanho formado por 800 cabeças de raça pura e cerca de 10 mil cruzados. Enquanto o custo de criação do boi wagyu é de pelo menos três vezes o do animal comum, o cruzado sai 50% mais barato, ou uma vez e meia a despesa do tradicional. O mesmo se aplica aos preços de reprodutores e embriões "sexados" (com gênero definido). A raça foi trazida ao Brasil em 1992, pela Yakult. Como o Japão, maior criador mundial com 5 milhões de reses, não permitem mais a exportação desse gado, para proteger os produtores locais, a Yakult passou a vender sêmen, embriões e animais, além da carne. No entanto, a empresa não divulga dados do negócio.

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