'Prefeitos é que não investem', diz presidente da Vale

BRASÍLIA - Presidente da Vale, a segunda maior mineradora do mundo, Roger Agnelli, disse em entrevista ao Estadão que não se deve misturar as responsabilidades do poder público e das empresas privadas. "Se os Estados e municípios fizessem o que está escrito na Constituição, usar os royalties para investir em infra-estrutura e educação, vários prefeitos não estariam se queixando. Eles não investem."

Na reportagem, o presidente da Vale critica nominalmente o prefeito de Parauapebas Darcy Lermen, candidato à reeleição como exemplo mau exemplo na aplicação dos recursos provenientes dos royalties minerários. Leia a seguir a entrevista.

Como o senhor avalia o problema da exploração sexual de crianças?

A prática da exploração sexual infantil é nefasta, não podemos aceitar e compactuar. Mas existe uma certa confusão entre o que deve ser feito pelo poder público e pela iniciativa privada. Em Parauapebas e nas áreas em torno das operações de Carajás, o que temos feito é desenvolver com a comunidade e as prefeituras parcerias no sentido de criar projetos para saneamento, saúde, educação e tratamento de água. Temos feito parcerias também com o Ministério das Cidades e o governo do Estado. Os recursos que a gente paga de royalties são importantes para o município. Nos últimos anos, esse valor foi multiplicado por três, porque o preço do minério subiu e a CFEM (Contribuição Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) é fixada com base no preço de venda do minério. O poder público é que tem de olhar, investir mais em educação e chamar parcerias com iniciativa privada. De maneira geral, existe desvirtuamento desses recursos. Isso é o que acontece. Não falta dinheiro. Talvez faltem projetos porque falta capacitação na maioria das cidades. Vários municípios menores não têm condições de fazer projetos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Nós estamos ajudando os municípios a fazer.

Mas as melhorias não são visíveis.

Parauapebas já foi referência em termos de IDH. Tivemos a gestão de alguns prefeitos que foi calamitosa. Não se pensou em longo prazo. (...) O presidente Lula diz que tem de ter uma reforma política. Sem dúvida tem de ter, porque a gente tem de parar de pensar nas próximas eleições. Temos de pensar o Brasil para os próximos 40 anos.

Há muita exploração sexual na região. A empresa tem responsabilidade social?

Sim, em absoluto. A prostituição infantil é um problema que todos têm de atacar. A ação social da Vale é forte. Temos uma fundação com vários projetos, dentre os quais o afetivo sexual, voltado aos homens que vão trabalhar no sistema, para evitar práticas como essa. O que é preciso deixar claro é que não se pode confundir o papel do Estado com o papel da empresa. Uma empresa tem de trabalhar de forma preventiva, não pode se furtar, porque a regra do jogo é essa. Agora, o papel de polícia é do Estado. O combate à prostituição é (competência) do poder público, a participação das empresas é auxiliar. É por isso que acreditamos na importância de reforçar o papel do Estado. Há dois anos, mudamos o sistema de portaria de Carajás. Reduzimos o tempo de descarregamento de equipamentos de dois dias para três horas. A questão da prostituição infantil infelizmente é uma realidade, que repudiamos. Fico indignado ao ver esse tipo de coisa. Quando investimos em Canaã dos Carajás foi uma das preocupações. O primeiro pedido ao prefeito foi para tirar um prostíbulo que tinha na porta da cidade.

Os prefeitos cobram mais participação da empresa.

Está muito fácil, hoje, para algumas autoridades, jogar o problema no colo do governo do Estado ou da iniciativa privada. Eles têm de olhar para eles mesmos. Onde estamos não faltam recursos para os municípios. O que falta é seriedade no trato da coisa pública. Em Parauapebas, o prefeito claramente gosta de discurso, mas fazer não faz. Esse é o ponto. No discurso é campeão. Agora, olhar a questão social e do desenvolvimento social a longo prazo, fazer parcerias e respeitar o próximo, isso não faz.

Interlocutores do Planalto dizem que o presidente Lula reclama que a Vale não investe.

Você acredita?!

O sr. aceita discutir mudanças nos royalties?

Aceito, não vejo problema. No Brasil, o que menos se quer ver é o imposto subir. Quando se fala em royalties de petróleo, é bom não esquecer que a gente paga na gasolina e no diesel os maiores preços (impostos) do mundo. Não se esqueça de que a Petrobrás, bem ou mal, é monopólio. Não se esqueça que: quanto mais se carrega na carga tributária, mais paga o consumidor. Quanto mais aumenta a carga, mais se tira competitividade da indústria. O grande problema dos Estados e das empresas exportadoras está no ICMS, na Lei Kandir. Como compensar? Todos perdem. O royalty da mineração não é royalty, é uma contribuição, não é tributo. E se os Estados e municípios fizessem o que está escrito na Constituição, usar esses royalties para investir em infra-estrutura e educação, vários prefeitos não estariam se queixando. Eles não investem.

Fonte: Estadão

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