Novas estratégias: Reflexões sobre os quadros mundial e brasileiro para definição de novas estratégias política e de desenvolvimento para o Brasil, a partir de 2011

* César Francisco Alves

ARTIGO

A definição de novas estratégias política e de desenvolvimento para o período posterior ao término do segundo governo Lula exige, necessariamente, uma análise dos quadros atuais mundial e brasileiro resultantes, em grande parte, da crise do neoliberalismo nas economias centrais, sobretudo na dos Estados Unidos, e dos seus reflexos nas demais, especialmente na brasileira. Esta visão é compartilhada pelo Deputado João Herrmann (PDT/SP), que juntamente com seu colega de Partido, da Bahia, Severiano Alves, lideram agora a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, nos cargos de, respectivamente, 1º Vice-Presidente e Presidente.

A superação da citada crise, que ainda está longe de ocorrer e que, nas estimativas mais realistas, só deverá se concretizar a partir de 2011 (ano que, no Brasil, corresponderá ao primeiro de um novo governo brasileiro), depende, evidentemente, de decisões políticas e empresariais internas e externas.

Há dúvidas, mesmo após a adoção das primeiras medidas do governo Obama, quanto à eficácia delas para a reversão da crise da principal economia neoliberal, cuja causa básica foi a expansão excessiva do crédito para financiar o consumo de imóveis e de outros bens duráveis, por causa da redução da renda interna. A alta inadimplência e a falta de capital para manter o financiamento do consumismo e do enriquecimento fácil provocaram a quebra de instituições financeiras e/ou sua absorção por outras, assim como o aporte de recursos públicos em níveis jamais vistos, nos Estados Unidos, para tentar salvá-las, assim como às empresas de outros setores (imobiliário, automobilístico etc.). 

A crise norte-americana resultou, entre outros fatos principais, dos investimentos externos do setor industrial em países de custos baixos, dentro do processo de globalização econômica, para maximizar a produção, a produtividade e o lucro, sem a contrapartida da criação de emprego nos Estados Unidos, sendo que o financiamento ao consumo foi a alternativa adotada para ampliar a produção interna e a importação de bens de consumo.
Processos semelhantes ao norte-americano ocorreram em outros países e regiões, inclusive no Brasil, no Mercosul e na América Latina, onde as principais empresas privadas e públicas também investiram somas expressivas de recursos para aumentar sua inserção no mercado mundial. 

Se, por um lado, houve ganhos econômicos e políticos para o Brasil – inclusive quanto à sua presença em organizações multilaterais e no cenário internacional - resultantes desse processo, por outro lado, ocorreu o agravamento do quadro social, devido às taxas de crescimento econômico mais baixas relativamente aquelas de outros países, entre o final do século XX e o início do atual.

A conseqüência foi uma oferta de trabalho inferior à demanda, sobretudo nas principais áreas metropolitanas brasileiras onde estão concentradas as atividades industriais. O citado agravamento social, acompanhado do aumento da marginalidade e da criminalidade, só não foi maior por causa da política assistencialista do governo Lula que, por intermédio do programa Bolsa Família, consolidou e ampliou os criados durante os dois governos anteriores de Fernando Henrique Cardoso.

Outra medida compensatória foi a ampliação do emprego público, nos diversos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e níveis (federal, estadual e municipal), sendo que a maioria sem concursos públicos. Por exemplo, o número de Ministérios do governo Fernando Henrique Cardoso para o governo Lula aumentou significativamente, com o objetivo básico de ampliar sua base política de apoio, sobretudo no Legislativo.

Com isso, regrediu a reforma administrativa do Estado moderno, nas suas dimensões burocrática e gerencial, que visava torná-lo mais eficiente, legítimo e de bem-estar social, independentemente de o regime ser autoritário ou democrático. Esta reforma nada tem a ver com a privatização de empresas públicas ou da abertura dos seus mercados, como no caso da Petrobras, que ocorreu a partir do governo neoliberal de Fernando Collor de Mello e que foi ampliada pelo do seu sucessor Fernando Henrique Cardoso.

O falecido empresário e ex-funcionário público, Helio Beltrão, era defensor incansável da reforma administrativa do Estado brasileiro, e, ao mesmo tempo, crítico intransigente da abertura do monopólio estatal do petróleo e do gás natural, durante o regime militar no qual foi, cronologicamente, Ministro do Planejamento, da Desburocratização e da Previdência Social. Além disso, era defensor do planejamento estratégico do desenvolvimento brasileiro aproximando-se, assim, de idéias e posições de políticos do centro e da esquerda brasileira, embora tenha pertencido à Arena e ao PFL, na tentativa frustrada de viabilizar sua candidatura à Presidência da República. Depois, apoiou Aureliano Chaves na sucessão presidencial do general João Figueiredo e, em seguida, Tancredo Neves e seu candidato a Vice-Presidente, José Sarney. Este ratificou, após a morte do político mineiro, a indicação de Helio Beltrão para a Presidência da Petrobras, da qual saiu após discordar do congelamento dos preços de derivados do petróleo, que precedeu ao dos demais produtos e serviços com a implantação do Plano Cruzado. O fracasso deste abriu espaço para as políticas neoliberais dos seus sucessores Mello e Cardoso, que enfraqueceram, ao mesmo tempo, as dimensões do Estado brasileiro como gestor administrativo e empresário público, ao contrário do que era defendido por Helio Beltrão e outras lideranças empresariais, políticas e governamentais.

Portugal e Espanha, ao contrário do Brasil e de outros países periféricos neoliberais, durante os governos Mello e Cardoso, evoluíram de regimes autoritários e de economia fechada, para a democracia e para o modelo de desenvolvimento aberto à interdependência global, estimulados pela adesão de ambos à União Européia e pela privatização de empresas estatais brasileiras do setor de telecomunicações e outros, assim como pela oferta serviços públicos brasileiros (administração de rodovias etc.). Empresas públicas e privadas portuguesas e espanholas lideraram as compras de empresas estatais brasileiras, dentro de um processo estratégico definido pelos governos de Portugal e da Espanha, que contribuiu para tirar suas economias de um atraso sistêmico e inseri-las dentro do processo de globalização.

O caminho escolhido para o desenvolvimento brasileiro, de submissão passiva ao neoliberalismo - a exemplo de outros países da América Latina -, foi, em parte, alterado pelo governo Lula quanto ao seu modelo de inserção na economia globalizada. O Brasil e sua política externa vêm, desde 2003, procurando reduzir a dependência às economias centrais dos Estados Unidos e dos países desenvolvidos da Europa, sobretudo quanto ao comércio exterior.

Porém, a exemplo do governo Cardoso, o governo Lula carece de uma política de desenvolvimento, que contemple setores estratégicos (mineral etc.) ao contrário, por exemplo, daquelas existentes no governo Getúlio (antes e durante a Segunda Guerra Mundial e depois da sua eleição até sua morte) e do governo Geisel. São isoladas as posições defendidas por parlamentares do PDT, como, por exemplo, o Deputado Giovanni Queiroz, defensor intransigente da necessidade de adoção de uma política mineral. 

Além disso, o governo Lula manteve a ortodoxia em termos de políticas monetária e de juros, enquanto a fiscal caracteriza-se pelo aumento da carga tributária e da eficiência em sua arrecadação, de forma a compensar a orgia dos gastos públicos, sobretudo para financiar as despesas correntes do governo federal, enquanto afrouxa a responsabilidade fiscal dos governos estaduais e municipais (parcelamento amplo dos débitos com o INSS etc.), estimulando-os também a investir em projetos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), com objetivo eleitoral: eleger a candidata presidencial e ministra Dilma.

Há uma consciência crescente quanto à impossibilidade de se manter as atuais políticas públicas, que beneficiam alguns setores privados (bancos, montadoras de veículos, empresas exportadoras etc.), em detrimento de um desenvolvimento estratégico, que contemple também o social sem recorrer ao assistencialismmo. De nada adianta ter os bancos públicos brasileiros entre os 10 mais rentáveis das Américas, como anunciado em março corrente, se, em contrapartida, ainda há no Brasil milhões de brasileiros sem acesso à Educação, à Saúde, à Segurança e a outros bens sociais, capazes de lhes assegurar o exercício pleno da cidadania. 

A citada consciência evolui no sentido de um possível consenso entre lideranças do centro e da esquerda brasileiras sobre a alternativa mais adequada para dar início a um novo ciclo de desenvolvimento, enquanto o DEM e outros partidos mantêm suas ideologias e posições neoliberais, apesar do fracasso mundial representado pela crise atual, acompanhada do recrudescimento inevitável do protecionismo. 

Este vai agravá-la, a exemplo do que ocorreu após a Grande Depressão de 1929, quando os Estados Unidos foram também o epicentro dela, mas suas conseqüências negativas impactaram mais a Europa. Esta região se tornou o palco principal da Segunda Guerra Mundial, após o surgimento do fascismo e do nazismo, sendo que tanto na Itália quanto na Alemanha o nacionalismo foi a cimento que uniu seus povos descontentes, basicamente, com a pobreza e a falta de perspectivas, em torno de dois ditadores: Mussolini e Hitler.

Se, por um lado, é difícil se imaginar a possibilidade do surgimento de novos líderes e governos autoritários nos países centrais e em emergentes como o Brasil, onde o processo democrático encontra-se mais avançado, por outro lado, há sempre o risco do recrudescimento do nacionalismo que podem se chocar com conquistas internacionais. 

Além disso, no plano interno, há também o risco de eleição de presidente brasileiro capaz de sacrificar as conquistas obtidas no desenvolvimento brasileiro, inclusive a mais recente da estabilidade econômica (controle da inflação), ainda que esta tenha sido alcançada com altas taxas de juros, baixo crescimento econômico e reduzida oferta de trabalho.

A definição de novas estratégias política e de desenvolvimento tem de levar em consideração as experiências resultantes das trajetórias descritas dos países desenvolvidos e emergentes, sobretudo do Brasil, até a atual crise econômica mundial.

Está cada vez mais claro que só a injeção de recursos no combalido mercado financeiro mundial, do qual o brasileiro faz parte e está interligado, não será suficiente para recuperar as economias dos países centrais e periféricos, e, muito menos, para redirencioná-las no sentido de reduzir a ênfase à produção de bens de consumo duráveis, e, conseqüentemente, de diminuir a dependência da economia mundial ao petróleo, seus derivados e outros insumos. 

O PDT e suas lideranças, juntamente com as de outros partidos, precisam repensar sua estratégia política de conquista e de manutenção do poder para participar do processo de defnição de novo rumo para o desenvolvimento nacional, capaz de, entre outros fatos, acabar ou reduzir a privatização de bens e de recurso públicos, em detrimento da maior parte dos cidadãos brasileiros, conforme, aliás, vem sendo denunciado pelo Senador Cristovam Buarque, defensor, permanente, da ênfase à Educação como melhor opção para se criar novo modelo de desenvolvimento brasileiro.

Há um longo caminho a ser percorrido pelo PDT, herdeiro de tradições trabalhistas que foram transmitidas pelo falecido líder Leonel Brizola e que remontam a João Goulart e a Getúlio Vargas. Além disso, o PDT é o único partido brasileiro filiado à Internacional Socialista, que é uma associação livre dos principais partidos socialistas e social-democratas em todo o mundo, com sede em Londres, e cuja origem foi a Segunda Inernacional, fundada em 1889, pela facção marxista após a cisão da Associação Internacional dos Trabalhadores.

O PDT precisa reforçar, com base num projeto político realista, suas conquistas recentes de dois governos estaduais (Amapá e Maranhão) e de duas Assembléias (Pernambuco e Sergipe), bem como ampliar sua participação no processo de definição de uma nova estratégia de desenvolvimento do Brasil, a partir de 2010.

As reflexões acima visam estimular um debate profundo e produtivo neste sentido de todos que estejam interessados em participar do citado processo.

(*) Cesar Francisco Alves é jornalista, ex-Vice-Consul do Consulado do Brasil em Miami e Assessor Parlamentar da 2ª Suplência da Mesa-Diretora da Câmara dos Deputados.

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