A Reforma Política do Governo

* Marcos Coimbra

O esforço que o governo está fazendo, é claro, não é inútil. Mas há muito mais que precisa ser feito, se queremos, de fato, uma reforma política
Embora tenha preferido começar pelas questões do financiamento público exclusivo das campanhas e da lista partidária fechada nas eleições proporcionais, o governo tem uma visão mais ampla do que seria a reforma política possível no Brasil de hoje. Elas fazem parte de um conjunto maior de propostas, que tem, pelo menos, outras cinco.

As duas são, no entanto, as mais importantes, com a possível inclusão de uma terceira, a de fixação de uma cláusula de desempenho para os partidos políticos, abaixo do qual perdem direitos. Essa foi uma preocupação que esteve presente no debate político faz algum tempo, até ser sepultada pelo Judiciário. Na época, atendia pelo nome de cláusula de barreira.

As demais lidam com assuntos de grande significado, mas propõem mudanças nem sempre muito significativas nas regras em vigor. Ou então, misturam dimensões estruturais com aspectos relativamente secundários. Sobre as regras a respeito das coligações entre os partidos, por exemplo, o governo vai na direção correta, propondo que só sejam permitidas nas eleições majoritárias. Ao discuti-las, no entanto, se estende é na alteração da sistemática de distribuição do tempo de televisão e rádio destinado aos partidos. Afinal, o que é mais importante?

Uma parece reação à grita que se generalizou ano passado contra o registro de candidatos de “ficha suja”, que respondiam a processos que não haviam transitado em julgado. Apesar de protestos de magistrados e promotores, reclamações da imprensa e perplexidade dos eleitores, a Justiça Eleitoral foi obrigada a aceitar que todos eram livres para disputar, até os condenados por crimes graves, desde que lhes restasse algum recurso. Na proposta do governo, essa possibilidade diminui em muito.

Outra acrescenta uma nova conduta ilícita na lista do que não pode ser feito nos processos eleitorais: obrigar um eleitor a votar de determinada maneira. Pelo texto da proposta, é vedado “ameaçar ou constranger alguém” para que vote ou apoie um candidato em uma eleição.

Não deixa de ser extraordinário constatar que nossa legislação eleitoral nunca se preocupou com isso, apesar da violência ser uma das mais óbvias e tradicionais fontes de distorção do sistema político. Quem nunca viu ameaças e constrangimentos, nunca viu uma eleição no Brasil, especialmente em cidades pequenas e no meio rural.

Chama atenção que, na exposição de motivos que encaminha essa proposta, outra referência à eleição de 2008 seja feita, agora de maneira explícita. Lá, se diz que sua necessidade é corroborada pelo “recente episódio que revelou a atuação de milícias” no Rio de Janeiro.

A última é apenas aparentemente técnica. Ela dispõe sobre a fidelidade partidária e reconhece que recentes decisões do Judiciário mudaram a discussão sobre o que isso quer dizer no Brasil. Ao fixar a tese que os mandatos pertencem aos partidos, o STF e o TSE quiseram acabar com o “troca-troca” de legendas, nem que fosse na marra.

Pela proposta do governo, no entanto, cria-se uma “janela”, de um mês antes das convenções partidárias, na qual o eleito por um partido é livre para mudar para outro por “motivos ideológicos”, assim podendo disputar as eleições seguintes pelo novo. Faz sentido, mas é curioso que uma proposta a respeito de fidelidade partidária abra a possibilidade de infidelidade.

Será que essas sete propostas, capitaneadas por duas que enfrentam forte desaprovação na opinião pública (que não gosta da ideia de votar sem saber em quem e desconfia que o financiamento público exclusivo nunca vai existir), formam um todo integrado? Imaginando que todas viessem a ser aprovadas do modo como foram encaminhadas, em quanto melhoraríamos?

É difícil dizer, mas é pouco provável que em muito. Em algumas, o governo, até compreensivelmente, cedeu tanto que deixou quase tudo igual, como na cláusula de desempenho. Em outras, reagiu topicamente ao que identificou como anseios da população, como quando deixou que o clima da eleição mais recente as influenciasse. Em outras ainda, se conformou em aceitar o que veio do Judiciário nos últimos anos. Em pelo menos uma, deixou uma esperteza pairando no ar, como na janela de infidelidade.

O esforço que o governo está fazendo, é claro, não é inútil. Mas há muito mais que precisa ser feito, se queremos, de fato, uma reforma política.

* Marcos Coimbra Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi No Correio Braziliense de hoje

Um comentário:

Anônimo disse...

A reforma política para ser séria terá que começar pelo voto distrital. Lista fechada é no mínimo "MAQUINAÇÕES" daqueles que não querem largar a "teta" e se perpetuar no poder. Ora, o eleitor e contribuinte deverá policiar o seu candidato e verificar de fato se o que está sendo proposto é de interesse da sociedade, a fim de evitar que a defesa dos próprios interesses se sobreponham ao da coletividade, como ocorre atualmente.

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