Editorial com a visão do Correio Braziliense sob o título: O ''vício insanável da amizade'' repoem parte de minha indignação de ser vizinho de um criatura detestável sob o ponto de vista ético-político. Leiam.
Haverá outro round na próxima quarta-feira, mas o deputado acusado de usar R$ 140 mil da verba indenizatória da Câmara para pagar serviços das próprias empresas — sem nem sequer comprovar a prestação do que afirmara — obteve mais do que a absolvição do Conselho de Ética. Por nove votos a quatro, além de uma abstenção, seus pares foram além: aproveitaram o caso não para uma reação exemplar contra condutas suspeitas, mas, ao contrário, para abrir caminho a uma anistia geral. A lógica é simplória: como a prática só foi proibida em abril, está limpo quem cometeu o deslize antes. Absurdo ainda maior é que, por esse entendimento, o que não é proibido se torna eticamente aceitável. Embora em direito público o que não está permitido de forma expressa está proibido.
Estranha para o cidadão comum, a elasticidade de certos conceitos éticos parece tão incorporada na Casa que o Código de Ética prevê ato incompatível com o decoro parlamentar e ato atentatório ao decoro, como se fosse admissível atentar contra a compostura, a decência. Para o primeiro caso, a pena é de cassação ou suspensão (com o corte dos rendimentos) do mandato; para o segundo, apenas a suspensão de prerrogativas parlamentares, deixando o deputado com uma espécie de mandato meia-sola, em que ele preserva o assento, mas fica impedido, por exemplo, de discursar. Está aí a saída aventada para o novo julgamento do dono do castelo.
Para quem ainda não se deu conta, aquele que contratou a própria empresa com dinheiro público para cuidar da segurança pessoal é o mesmo que omitiu da declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral uma propriedade em forma de castelo avaliada em R$ 25 milhões. Há mais: Edmar Moreira (sem partido-MG) também é suspeito de se apropriar de contribuições previdenciárias dos empregados da sua empresa de vigilância. Denúncia feita em 2007 pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, estima em R$ 1 milhão a dívida do parlamentar com o INSS.
O rico histórico encerra fato emblemático. Vice-presidente da Câmara, eleito corregedor-geral da Casa — portanto, responsável maior pela preservação do decoro parlamentar —, Moreira assumiu a função anunciando que não encaminharia processos de cassação de colegas ao Conselho de Ética. “Temos o vício insanável da amizade”, justificou. A explicação singela, que à época o levou à renúncia ao cargo, ecoa desde então, agora amplificada em muitos decibéis pela decisão do órgão sobre o uso irregular que ele fez da verba indenizatória. É o feitiço a favor do feiticeiro.
Favorável à cassação do mandato, o relatório de Nazareno Fonteles (PT-PI) está sepultado. Na quarta-feira será votado outro parecer contra o deputado mineiro, desta vez de Hugo Leal (PSC-RJ), favorável à aplicação de pena alternativa. A aposta, contudo, é de que também esse seja derrubado e prevaleça a absolvição total, um final inteiramente feliz para o conto de fadas do dono do castelo, conforme script acertado nos bastidores. Resta a esperança de que os eleitores impeçam a reedição eterna dessa história, escalando atores mais bem qualificados para a próxima temporada.
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