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Entrevista Shimon Peres
“O Brasil chegou à elite mundial”
O presidente de Israel disse ao Jornal Opção que apoia o Brasil como integrante do Conselho de Segurança da ONU “sem pré-condições”, que vai conhecer o Maracanã e fala de paz e amor
HERBERT MORAES - De Jerusalém, Israel
Switzerland
Shimon Peres: “Até a paz é fria. Queria que houvesse mais amor entre as nações”
Na terça-feira, 9, o presidente de Israel, o prêmio Nobel da Paz Shimon Peres, do Kadima, desembarca no Brasil para uma visita de seis dias. É a primeira visita de um presidente israelense nos últimos 40 anos. Shimon Peres vai passar por Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. A visita tem a ver com o reconhecimento, por parte do governo de Israel, de que o Brasil é uma potência econômica e que está se tornando, ao mesmo tempo, uma potência política no contexto internacional. Os judeus querem o Brasil mais próximo de Israel e mais distante do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, uma espécie de Hugo Chávez do Oriente. O correspondente da TV Record em Israel e editor da coluna Direto do Oriente, do Jornal Opção, Herbert Moraes, entrevistou o histórico líder de 86 anos com exclusividade. Shimon Peres é, seguramente, a principal figura política viva do Estado judeu.
Um dos mais atentos repórteres do País, Herbert esperava um Shimon Peres circunspecto. Descobriu um presidente risonho, falando de futebol, aberto ao diálogo e que até discorre sobre o amor.
O que o sr. espera dessa viagem ao Brasil?
No mundo globalizado você tem de estar em contato com todos os países. Principalmente os países que formam o novo mundo, como o Bric — Brasil, Rússia, Índia e China. E o Brasil vem se destacando cada vez mais como líder mundial. Há muito o que fazer e aprender por lá. Nossa relação com o Brasil é longa e muito boa. Mas este é o novo Brasil. Vocês fizeram uma reforma econômica e atingiram a elite da economia mundial, com um líder de destaque [Lula]. Queremos apresentar nossa posição à liderança brasileira. E há também os aspectos de cooperação. Não se mede um país pelo tamanho, mas pelo desenvolvimento. E há um campo fértil para cooperação entre Israel e o Brasil.
Eu ouvi que o sr. vai visitar o Maracanã, o maior estádio de futebol do mundo. É fã de futebol?
Sou fã do ponto de vista político. O futebol é uma boa via para se ensinar as crianças o caminho para a paz. Futebol é uma guerra sem vítimas. É uma competição em que se pode perder uma vez, mas não todas. É uma escola, uma linguagem conhecida pelas crianças. Nós temos em Israel muitos jogadores, inclusive do Brasil, e todos falam a linguagem da paz — que é a língua que as crianças gostam. Os olhos delas brilham quando estão jogando. Futebol é uma mensagem. Eu prefiro que os países joguem futebol do que se preocupem com o enriquecimento de urânio. Temos de começar a pensar na paz educando as crianças.
Nos últimos sete anos, o Brasil sempre votou contra Israel na ONU. O sr. acredita que é possível mudar a posição brasileira nas Nações Unidas. E o sr. apoiaria o Brasil para uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU?
Eu apoio o Brasil como integrante do Conselho de Segurança da ONU sem pré-condições. O Brasil é uma potência importante do nosso tempo e pode liderar negociações de paz. Lamento que o Brasil ainda não tenha tido esta oportunidade. Se existe um país que está lutando pela paz e pela democracia é Israel. E nós nunca pedimos para que lutassem por nós. Nem por nossa democracia, muito menos pela nossa segurança. Já tivemos nove guerras e vencemos todas. E mesmo assim não abrimos mão da paz. Devolvemos todos os territórios que conquistamos — do Egito, da Jordânia, do Líbano — e vamos devolver as terras dos palestinos. Já deixamos Gaza. Portanto, acho que não se pode igualar terrorismo e democracia. Se não diferenciarmos os países que fazem opção pela democracia ou pelo terrorismo, então não há como distinguir o que é certo do que é errado.
O sr. deve estar informado que o presidente Lula da Silva já esteve três vezes no Oriente Médio, mas nunca esteve em Israel. O sr. pretende reiterar um convite para que ele visite o seu país?
Vou convidar Lula para visitar Israel não só como presidente do Brasil mas como líder mundial. Nós temos um passado socialista em comum e conheço suas posições. Acho que ele deveria nos visitar. Sobre a ONU há um problema: existe uma maioria que é contra Israel. E não tem nada a ver com justiça nem com política. Se você juntar o bloco árabe e o bloco muçulmano, além dos afiliados, há uma maioria que sempre vai votar contra nós. Então, Israel não tem a mínima chance de ter maioria em qualquer assunto que seja votado por lá. E, com todo o respeito, não acredito que o sr. Ahmadinejad ou o sr. Muammar Kadafi [líder da Líbia] podem nos julgar com relação a direitos humanos. Eles não são os maiores defensores dos direitos humanos no mundo. Mas têm a maioria. Eles não investigariam, portanto, outros eventos como a Chechênia, o Iraque, o Afeganistão. O único lugar que querem investigar é Israel. Até mesmo no Irã, onde enforcam pessoas, não há investigação nenhuma. Em Israel não há discriminação contra as mulheres. Então, na ONU há uma contradição entre a Carta das Nações Unidas e a política que se sobrepõe a esta Carta. Por exemplo: existe um comitê de Direitos Humanos. Se têm dez debates, os dez serão sobre Israel. É injusto, não é razoável. E quem são os juízes? Que eles tenham direitos humanos em suas próprias casas. Em primeiro lugar, libertem as mulheres. Até os escravos de hoje têm uma certa liberdade. Se há escravidão no mundo, é a escravidão das mulheres. Em alguns países são escorraçadas pelos maridos e escravas deles. E onde estão os direitos humanos? Se alguém quer nos matar, é nosso direito nos defendermos.
O líder iraniano Mahmoud Ahmadinejad confirmou uma visita ao Brasil também neste mês. Pode-se dizer que a sua visita ao Brasil e à Argentina é estratégica para a política externa israelense?
Não acho. A minha visita tem como objetivo e tema principal a relação entre Brasil e Israel. Não vou conduzir debates com o sr. Ahmadinejad no Brasil. Isso, nós podemos fazer no Oriente Médio.
O fato de a Venezuela ter sido aprovada como um dos integrantes do Mercosul e de apoiar o Irã coloca em perigo a relação de Israel com o bloco, já que Israel é o maior parceiro do Oriente Médio para o Mercosul?
O problema é da América Latina— não é nosso. Se assumir o comando do Mercosul, um líder extremista pode mudar a América Latina, que já alcançou mais ou menos um status democrático e uma democracia econômica. Agora tem de se tornar uma democracia política. Mas é um problema se a economia passa a ser governada pela política para servir aos ideais do sr. Hugo Chávez [presidente da Venezuela]. A propósito, há coisas que Chávez diz com as quais eu simpatizo, como evitar cantar no chuveiro. É uma ótima idéia [risos]. Muito menos numa Jacuzzi [risos]. Ele diz que isto é antissocialismo e eu concordo. Não sou contra tudo o que diz, mas sou contrário a idéias mirabolantes de como governar o mundo.
O sr. tem um passado socialista. É fundador do Avodá, o Partido Trabalhista de Israel. O que acha desta onda socialista que varre a América do Sul?
Não acredito que a América do Sul vá se tornar socialista. A América do Sul é tolerante. Há tolerância entre brancos e negros, entre pobres e ricos e entre sociedades desenvolvidas e não desenvolvidas. Tudo isso vai ser jogado fora em nome de uma ditadura? Temos de distinguir o que é socialismo e o que é ditadura. Há muitos líderes que se dizem socialistas mas, na verdade, são ditadores. A América do Sul já sofreu com a ditadura. Não acredito que as pessoas querem isso de volta. Além do que não há como competir com o resto do mundo sob uma ditadura. Se você não tiver uma economia livre não vai desfrutar de um mercado livre. A força da Venezuela é o petróleo. Mas o petróleo tem suas limitações e coloca em perigo o pensamento dos povos que o possuem. Além de poluir o mundo, torna a economia instável. O barril de petróleo custa em torno de 140 dólares. Para quem vai esse dinheiro? Para os pobres da África? O petróleo não é produzido — é descoberto. Essa riqueza mundial é usada para fins políticos. O Brasil, por exemplo, possui alternativas não poluentes. O petróleo não é o futuro, e sim o passado. Há outras energias alternativas. Israel não tem petróleo, não temos água, não temos terras. O Oriente Médio está dividido em dois tipos de países: os que têm petróleo e os que são sagrados. Nós somos do grupo dos sagrados. Mesmo sem petróleo, nossa economia está num nível muito mais alto do que os que possuem. Há muitos judeus que dizem: “Por que Deus não nos levou para um lugar que tivesse petróleo? Por que não nos levou para onde é a Arábia Saudita e sim para um lugar onde não há nada?” Eu digo: graças a Deus. Porque o petróleo mina, estraga as pessoas. Para nós, é melhor pensar e trabalhar. E desfrutarmos de nossas conquistas e talentos.
O sr. tem uma visita agendada na Petrobrás. Pretende negociar o petróleo brasileiro?
Com relação ao petróleo brasileiro temos de ver como o Brasil vai se comportar. Se o Brasil usar o petróleo como o Irã ou a Venezuela, com o intuito de conquistar outras nações, vai estar errado. Se ajudar a combater a pobreza de outros países e sua própria desigualdade, estará agindo com justiça. Se Lula buscar eliminar a pobreza e a ignorância com a força do petróleo, o pré-sal terá sido uma bênção. O petróleo não faz política. Povos que têm petróleo fazem política. E se mesmo assim o Brasil continuar na luta contra a poluição do meio ambiente, então o achado é uma dádiva.
Presidente diz que Israel “não” vai atacar o Irã
O Irã insiste em não negociar o seu projeto nuclear. O sr. ainda acredita num acordo diplomático? Se não houver, Israel atacaria o Irã sozinho?
Israel não vai atacar ninguém. Há outras soluções e, enquanto existirem, serão preferidas. As opções diplomáticas, políticas e econômicas são as que estão valendo nesse momento. Não acredito que quando há uma situação de perigo a solução é pegar uma pistola e sair atirando.
O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, diz que não vai negociar com Israel enquanto a expansão dos assentamentos judaicos na Cisjordânia não for interrompida. Israel também já disse que não negocia com pré-condições. Como avançar em direção a um acordo de paz entre isralenses e palestinos? Ainda há chances para a paz?
Acredito 100% numa solução de paz com os palestinos. Tenho certeza de que isso vai acontecer em breve. Não acredito que será resolvido em dois anos, como espera a administração americana, mas esse prazo pode ser um começo. Talvez seja vagaroso ou até mesmo mais rápido. Mas temos de começar de alguma maneira. E o melhor é negociar do que ameaçar um ao outro. As negociações vão começar em breve.
Como o sr. vê a atuação de Binyamin Netanyahu como primeiro-ministro e o governo de direita na política israelense?
O bloco de direita continua sendo de direita, mas sem o bloco [risos]. No momento em que o primeiro-ministro aceitou a solução para dois Estados foi o fim da direita. Porque o verdadeiro debate entre a direita e a esquerda israelense era justamente a solução para dois Estados. A divisão das terras com os palestinos. No momento em que a direita abandonou a idéia do “Grande Israel” e aceitou a solução de dois Estados, o mapa mudou. Netanyahu já deixou isso claro em discurso. Acredito que ele quer a paz. Nós somos bons amigos e conversamos ontem à noite sobre isso. Ele é muito sério.
O sr. acredita que Barack Obama pode fazer a diferença no Oriente Médio? Como ganhador do Prêmio Nobel da Paz, como recebeu a notícia de que ele também ganhou o mesmo prêmio? Acha que mereceu?
Não há muito e não há pouco. Os novos ventos não podem ser medidos por pouco ou muito. Ele iniciou um processo cujo nome é esperança e boa vontade. E num curto espaço de tempo, de maneira impressionante. Ele deu um novo tom. Ele mereceu o prêmio. Ele é jovem, brilhante, veio do nada, não tem tradição política, nem experiência e mesmo assim conquistou o mundo. E de uma forma correta. Por exemplo, ele não tem as mesmas ambições do sr. Chávez. Porque o sr. Chávez quer determinar quem está certo e quem está errado no mundo e tornar-se um juiz supremo. Barack Obama disse: “Todos nós estamos certos”. Mesmo com os que estão errados, ele quer sentar e discutir de uma forma justa. Num mundo tão confuso e cheio de tensão, suspeitas e armas terríveis, onde as pessoas mal escutam umas as outras, onde prevalecem as guerras, confrontos e ameaças, o que está fazendo é um começo. Deve ser entendido como coragem. Um novo começo. Não acredito que vá resolver todos os problemas do mundo, mas pode amenizar. Aumentar a esperança. As pessoas são mais emotivas do que racionais. E as emoções e impressões têm uma grande influência nos novos tempos. A mídia tem tanta força que pode até mesmo criar situações. As ações de Obama são positivas. Se você quer ter a paz, é preciso compromisso. E temos de entender que não há quem esteja totalmente certo ou errado. É preciso o debate. A paz é como o amor: não se pode ter nenhum dos dois sem fechar um pouco os olhos. Deixe a imaginação participar. Estou aqui desde o começo deste país [Israel foi criado em 1948]. Nós passamos por momentos extremamente difíceis. Quase perdemos guerras. Eu disse ao sr. Obama: vocês são tão grandes que podem cometer qualquer erro e vão continuar grandes. Nós somos tão pequenos que, se cometermos um erro, poderá afetar toda a nossa vida. Não queremos cometer erros — até mesmo o de perder uma guerra. Se cometermos esse erro, então estamos fora do jogo. Temos de acreditar num mundo sem medo, sem armas de destruição em massa e evitar que elas caiam nas mãos de fanáticos.
Depois de 15 anos do acordo de paz entre Israel e Jordânia, os dois países ainda vivem uma relação fria. Há uma falta de perspectiva de paz com os países árabes. O sr. ainda acredita na sua visão para “o novo Oriente Médio”?
Acredito 100% na minha visão de um “novo Oriente Médio”. Não há amor nos dias de hoje. Eu gostaria que houvesse pelo menos amor entre as nações. Até mesmo na América Latina. A paz não é romântica. A paz não é perfeita. Mesmo assim, prefiro uma paz sem romantismo do que uma guerra romântica. Prefiro uma paz imperfeita do que uma guerra perfeita. O mundo árabe, emocionalmente, é contra Israel, mas de uma forma pragmática sabe que tem de fazer a paz com Israel. Eles têm de aceitar essa oferta pragmática, mesmo que não haja amor. Todas as guerras aconteceram por causa de terras. São histórias escritas com sangue, até mesmo na América Latina. Hoje, as pessoas entenderam que a ciência e a tecnologia são mais importantes do que a guerra. Exércitos não conquistam sabedoria e não podem deter a disseminação do conhecimento. Vejo isso também entre os árabes. São seres humanos como nós, que não podem deter o avanço do conhecimento e não podem se manter excluídos da nova era. Muitos jovens me perguntam o que vai acontecer nos próximos 100 anos? Em 100 anos, vai haver um novo mundo árabe e ninguém pode deter isso. Em Israel, há 1,2 milhão de árabes. A maioria era de agricultores e agora há pelo menos 60 mil acadêmicos. Não há hospitais em Israel que não tenham médicos e pacientes árabes. E o hospital continua o mesmo. Todos os problemas começam fora dos hospitais. Quando estamos doentes, vivemos em paz. Por que não podemos viver em paz quando estamos saudáveis? Tenho certeza de que a paz com os árabes vai acontecer.
O sr. está com 86 anos e em ótima forma. Viveu e participou de toda a história de Israel. Ainda espera ver a paz no seu tempo de vida? Quais são os seus planos para o futuro?
Acredito que vou ver a paz ainda em vida, até porque não pretendo morrer tão cedo [risos].Vejo mudanças profundas no futuro. Educação é a chave da luta contra as trevas. Nossos antepassados não eram idiotas. Mas não tinham nossa tecnologia. Mas, mesmo com todo o nosso avanço, os maiores desafios da humanidade ainda são um mistério. Ainda não sabemos como o nosso cérebro funciona, porque o nosso corpo muda o tempo todo, nossas células são renovadas a cada duas semanas. Quem garante que, quando as nossas células se modificam, a tradição permanece? Ainda não conhecemos o nosso cérebro porque ele é tão delicado e ainda não temos instrumentos capazes de estudá-lo de fato. Agora, com a nanotecnologia, teremos essa capacidade. Nos próximos 50 anos, nós vamos entender o nosso cérebro e alcançaremos um conhecimento que jamais imaginamos. Gostaria de estar aqui para ver tudo isso e muito mais acontecer. O mundo e o ser humano são fascinantes.
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