Me incomoda e deve, por tabela, incomodar os leitores a notícia de que, como sempre, a incrível velocidade para acomodar os interesses da classe política não tem nem sinal de despiste ou algo que o valha.
A máxima perdura: aos amigos do Rei tudo, aos conhecidos: migalhas.
Vejam que absurdo:
E eles não mais precisarão se acorrentar
Izabelle Torres, da Equipe do Correio Brazilisense
Despesas Públicas
TCU abre brecha para que suplentes de deputados cassados possam receber salários retroativos ao momento da posse nos estados
Chicão Brigido (PMDB-AC): suplente de Ronivon Santiago, o deputado chegou a se acorrentar no plenário para tomar posse. Há anos ele tenta receber os retroativos
Políticos cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — que insistem em permanecer no cargo sob a proteção dos presidentes das duas Casas do Congresso — respiraram aliviados na semana passada. Ao responder a uma consulta formulada em 2008 pelo então presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), o Tribunal de Contas da União afirmou que os parlamentares que perdem os mandatos e mesmo assim continuam ocupando suas funções eletivas não devem ressarcir o erário pelo tempo em que receberam salários indevidamente. A decisão que beneficia os cassados pode resultar em uma verdadeira sangria aos cofres públicos.
É que na mesma resposta dada à Câmara, a Corte afirma que os suplentes de parlamentares cujos mandatos foram retirados pela Justiça devem começar a receber seus vencimentos a partir da posse, a não ser nos casos em que órgãos judiciais determinem outra data para a contagem do prazo, como a partir da diplomação, por exemplo. A brecha serviu de inspiração para suplentes que esperaram meses para assumir o cargo recorrerem à Justiça em busca das benesses concedidas aos parlamentares. É o caso, por exemplo, de Chicão Brigido (PMDB-AC). Suplente do deputado cassado Ronivon Santiago (PP-AC) na eleição de 2002, ele precisou esperar mais de um ano entre a data em que foi diplomado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Acre e o dia em que foi efetivamente empossado pela Câmara. Chicão chegou a se acorrentar numa cadeira do plenário pedindo que fosse marcada a posse. Há anos, pede o ressarcimento dos salários não recebidos por conta da resistência da Mesa Diretora em declarar a perda do mandato de Ronivon, mesmo depois da decisão do TSE.
Foi o pedido de Chicão Brigido que levou Chinaglia a questionar o TCU. De acordo com a resposta encaminhada pelo relator, Benjamin Zymler, o suplente não teria o direito de receber pelo tempo de espera, a não ser que o Judiciário decida que esses vencimentos são devidos desde o dia de declarada a cassação do titular. Na dúvida, o ex-suplente tem percorrido corredores da Câmara semanalmente para tentar resolver a pendência na esfera administrativa, mas já afirmou que pretende recorrer à Justiça se a resistência continuar. A Mesa Diretora da Câmara, por sua vez, tem dito que vai analisar o texto referente à consulta feita pelo TCU e estudar como proceder nesse caso. Deve continuar protelando a decisão porque teme abrir um precedente que pode custar caro.
Resistentes
Apesar de se beneficiarem do corporativismo e da disposição dos parlamentares de enfrentar os órgãos judiciais, não foram poucos os casos em que os cassados questionaram órgãos administrativos da Câmara e do Senado sobre a possibilidade de, no futuro, serem obrigados a devolver dinheiro ao erário. A preocupação fazia sentido, já que durante meses os órgãos bancaram, com dinheiro público, os salários de políticos cujas decisões judiciais já lhes tiraram o mandato.
Mas, de acordo com o parecer do relator da consulta no TCU, é possível supor que os cassados agiram de boa-fé ao receber os vencimentos, visto que, em tese, permaneceram trabalhando. “Se não houve culpa, exclusiva ou parcial, do parlamentar cassado em sua permanência no mandato mesmo após a decretação da Justiça Eleitoral, não há falar em o mesmo restituir ao erário os valores recebidos de boa-fé, até porque, em tese, permaneceu em suas atividades institucionais, o que afastaria o dever de ressarcir os subsídios recebidos enquanto a Câmara não declarasse a perda do mandato”, diz o voto do ministro.
Casos
O parecer do Tribunal de Contas serviu de alento a políticos que foram cassados pela Justiça Eleitoral e mesmo assim passaram meses ocupando as vagas porque as Mesas Diretoras não declararam as perdas dos mandatos. Foi o caso do senador Expedito Júnior (PSDB-RO), que apesar de o TSE ter decidido por sua cassação em junho, somente na próxima semana ele deve deixar o cargo, visto que na última quinta-feira o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a decisão da Corte eleitoral. A resistência causou indignação dos ministros do Supremo, que defendem agora uma punição para os integrantes das Mesas que resistirem em obedecer à Justiça.
Na Câmara, é longa a lista de resistências das Mesas para declarar as cassações. Além de Ronivon Santiago, outros casos engrossam essa lista. O ex-deputado Walter Brito Neto (PRB-PB) foi cassado em fevereiro de 2008 pelo TSE, mas o então presidente da Casa, Arlindo Chinaglia, só declarou a perda do mandato em dezembro, depois de o STF ter confirmado a decisão da Corte eleitoral.
Este ano, caso semelhante, mas bem menos demorado, aconteceu com o ex-deputado Juvenil Alves (PRTB-MG). Depois de ter sido cassado em fevereiro pelo TSE, o presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP), declarou a perda do mandato mais de um mês depois.
Entre resistências e um jogo de interesses de políticos cassados e suplentes à espera de entrar no seleto grupo de brasileiros beneficiados pelas benesses dos cargos públicos, caberá à Câmara analisar se abrirá precedentes e torcer para não levar a culpa pelos cofres públicos terem de pagar uma conta alta, que resulta do conhecido corporativismo entre os políticos.
Anos de brigas
Memória
A polêmica em torno do mandato do deputado Ronivon Santiago (PP) começou antes de ele tomar posse na Câmara dos Deputados. É que logo depois de diplomado, em 2002, o parlamentar recém-eleito chegou a ser preso em Brasília, a pedido do Ministério Público. O órgão conseguiu comprovar na Justiça que Santiago estaria coagindo testemunhas no processo em que era acusado de compra de votos.
Logo depois da soltura, o parlamentar foi empossado e deu início a uma verdadeira guerra para tentar se manter no cargo. Colecionou derrotas desde então. Em 20 de julho de 2004, o TRE do Acre julgou procedente a representação do Ministério Público Eleitoral e cassou o seu diploma de deputado, determinando a diplomação do suplente, Chico Brigido (PMDB).
Em agosto de 2004, no entanto, uma medida cautelar assinada pelo então ministro do TSE Humberto Gomes de Barros suspendeu a decisão do TRE até que a tribunal superior julgasse os embargos de declaração em favor do parlamentar. Santiago ganhou sobrevida no Congresso. Nove meses depois, o TSE negou todos os seus recursos e manteve a decisão da Corte do Acre.
Apesar disso, a Mesa Diretora da Câmara ignorou a decisão e resolveu consultar a CCJ da Casa sobre a admissibilidade da decisão do TSE. Dias depois, a CCJ afirmou que a cassação teria de ser declarada, mas nem mesmo assim a decisão foi cumprida.
Ronivon Santiago recorreu ao STF e somente em 8 de dezembro a Corte julgou o caso, determinando a posse imediata do suplente, que veio a acontecer em 21 de dezembro.
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