* Por Claudio Feitosa
Uma das sabedorias dos meus tempos enuncia: quando você quiser se posicionar corretamente sobre as coisas, primeiro saiba o que defende a grande imprensa brasileira. Depois, vá para a outra margem do rio.
Sempre achei que esse negócio de Estado de Carajás servia única e exclusivamente aos interesses imediatos de alguns “arautos” das terras de cá. Os de lá (Belém) nem se davam ao trabalho de engrossar a veia do pescoço contra a ideia. Tanto eles quanto eu, achávamos que isso era coisa para as calendas gregas.
Hoje vejo que este país vai continuar a me surpreender até os fins dos meus dias – que só virá sob muito protesto! Aliás, pelo que andei assuntando, serviram-se de uma certa malandragem regimental para fazer com que o projeto fosse votado, o que só corrobora a ideia-chave segunda a qual este país se constitui como o paraíso dos malandros.
Iniciei a prosa falando mal da grande imprensa, coisa que sempre dá ibope, mas a frase ficou solta e preciso fechá-la: a grande imprensa é contra a criação dos Estados de Carajás e do Tapajós. Vou para a outra margem do rio: sou a favor.
Lúcio Flávio Pinto, caso se desse ao trabalho infrutífero de me responder, diria: “mas este argumento é raquítico, famélico, depauperado de ideias”. Ora, já que existe um Lucio Flávio imaginário no meu texto, vou aproveitar para responder, tentando usar minha parca imaginação: caro Lúcio, o Pará teve 400 anos para provar que era viável. Você não acha tempo suficiente?
Todos os dados econômicos usados para demonstrar a inviabilidade dos novos Estados são, invariavelmente, combatidos com argumentos sólidos, mostrando exatamente o contrário. Também já li coisas estapafúrdias em ambas defesas. Mas um fato é incontestável: esses dados são transitórios e absolutamente relativos.
Nesta luta de argumentos há um que – já usado acima – me parece o centro da questão: o Pará tem 400 anos; viveu grandes momentos na história econômica brasileira, protagonizando fatos memoráveis. Entretanto, a realidade que parece inamovível é a absurda diferença regional que se perpetrou por todo esse tempo.
O movimento da cabanagem de outrora e a luta pelos novos Estados de hoje se assemelham no que é central em ambas. São lutas contra a pobreza crônica, contra a discriminação, o descaso histórico e o abandono sistêmico.
A cabanagem foi o clamor mais forte contra esse estado de coisas. Sua força e memória ecoam no grito por liberdade contido na bandeira dos Estados de Tapajós e Carajás.
Aliás, é a memória da Cabanagem que faz as elites belenenses não suportarem a ideia de que alguém queira se libertar de seus tentáculos. Eles não se envergonham de expor as vísceras em público, como o exemplo recente do duelo entre Maiorana e Jáder (olha a grande imprensa aí!), mas não suportam a ideia dos novos Estados. Essas mesmas elites colocam a culpa, até hoje, tanto na cabanagem quanto na adesão à independência, como os principais fatores de desestabilização e ocaso econômico do Pará. Essa idéia-fantasma continua a morar em Belém, sobretudo nas coberturas dos Atalantas da vida.
Ora, o que tem aos cabanos, os tapajônicos e carajaenses a ver com a perda da Zona Franca para Manaus, por exemplo? Que culpa temos nós sobre a enorme descaracterização territorial imposta pela ditadura militar e seus grandes projetos?
Por todos esses anos houve governo no Pará que assistiu a tudo como cúmplice direto ou como omisso contumaz. E no fundo, esta realidade insiste e continua a fazer suas vítimas. É só observar como o governo do Pará lida com a Vale, por exemplo.
Os pactos de elites que forjaram este país foram substancialmente perversos em dois casos: Maranhão e Pará, não por acaso os dois últimos estados a integrarem a idéia de independência brasileira.
A região de Santarém, que deve seu pouco desenvolvimento a uns pares de clérigos em missões europeias de catequização, testemunhou, ao longo desses séculos, as embarcações conhecidas por gaiolas singrando o Tapajós. Dessas incontáveis viagens, não há uma sequer que não tenha a mancha do entreguismo, da dilapidação, da subserviência aos interesses estrangeiros. O caso emblemático e relativamente recente da Fordilândia é suficiente para atestar o que escrevo. Foram 400 anos de uma mesma cantilena. E quem perdeu com isso foram o povo do Pará e todo o País.
Ando por terras paraenses há 18 anos. Não há nome de rua em Belém homenageando minha família, o que não me impede de nutrir grande apreço por nossa capital. Adoro suas alamedas, suas praças, sua noite. Adoro o jeito do povo de Belém, mas, por onde já andei nesses milhões de quilômetros quadrados de Pará, só consegui observar esse “jeito paraense de ser” nos arredores de Belém. Então, eu me pergunto: o que é ser paraense? Vou a Conceição do Araguaia, é outra coisa. Vou a Tucuruí, é outra coisa. Vou a Marabá, é outra coisa. A conclusão a que chego é que há diversos Parás nestas terras. E se há muitos Parás é lógico concluir que não há como se ter apenas um.
A criação do Tapajós e de Carajás é a multiplicação de uma nação, que apenas quer ter o direito de sair de casa, depois de ter chegado à maioridade.
E se todos esses argumentos, que também a mim parecem fracos, não forem suficientes, termino com um infalível: a Globo é contra. Para o nosso bem estar mental, sejamos a favor!
* Por Claudio Feitosa (É carioca da gema, mas adora uma idéia de liberdade.)
Texto: Cláudio Feitosa, Secretário de Cultura de Parauapebas e Sociólogo
Carajás e Tapajós: a nossa cabanagem
Acompanho fatos relevantes a partir de abordagem jornalística, isenta e independente
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3 comentários:
???Não entendi o que tem a ver a cabanagem com esta história.A cabanagem foi um movimento político que mostrava a insatisfação do povo pobre e miscigenados contra a dominação portuguesa e da elite.Liberdade e igualdade até hoje não encontrada.Continuamos com bolsões de pobreza e má distribuição de justiça em todo o território nacional.Retalhar é a solução?Não acredito.Amanhã(quando?) a região mais ao sul de "Carajás" precisará se emancipar?Talvez a apresentação das teses devessem ser mais divulgadas sem paixões ou preconceitos.
Belíssimo, o texto histórico-poético do carioca Cláudio Feitosa. Partindo de um carioca que ultrapassou as fronteiras do regionalismo concentrador de riquezas e do pácto fatal entre as elites insensíveis e siamesas de Belém e do Rio de Janeiro. Fala poeticamente das belezas da Capital paraense e expõe, com equilíbrio, a dor, o sofrimento, as angústias, a falta de perspectiva e a penúria crucificante de milhões dos eternos ribeirinhos, indígenas indigentes, garimpeiros retirantes, extrativistas maláricos e refugiados que se apinham em amontoados de palafitas dos centros urbanos, levantadas contra as enchentes periódicas, dos milhares de rios, furos e igarapés do disforme território dos diversos Parás que se espalham pela floresta sem fim.A referência aos Cabanos nos remete a esse sofrimento da maioria dos paraenses abandonados a sua própria sorte.Dora a pílula quando resume a luta pela emancipação secular enquanto o esforço de um jovem pela maioridade. Metáfora histórica que se enquadra em proporcionalidade às lutas pelas Capitanias, Provìncias e Estados da Xingutânia e Tapajônia, desde há dois séculos e meio, de povos que vagam pelas florestas, desatinados pela ausência das instituições básicas republicanas, após mais de um século da proclamação.O Rio de Janeiro, a Globo e a União, o povo fluminense e brasileiro precisam muito da riqueza e do desenvolvimento da energia, da mineração, da pecuária, da biodiversidade e dos recursos naturais e divisas desses Estados novos.Falta perspectiva histórica às elites cruéis, narcisistas e nefastas representadas pela Globo, que não tem noção do que estão falando e difundindo.
Muito bom o texto, inteligente, arguto, concordo plenamente, pois parece mesmo que o Pará só é Pará para os belemenses.
Parabens.
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