Prejuízos de R$ 1,5 bilhão cobrados dos consumidores e não das empresas de energia é tema de debate em comissão


Empresas tiram o corpo fora e sugerem política de cidadania para combater problema


* Por Val-André Mutran 

Brasília – Há tempos as empresas distribuidoras de energia elétrica, além de cobras as maiores tarifas do mundo, praticam uma cobrança abusiva na conta de perdas devido aos prejuízos dos chamados “gatos”. As fraudes causam prejuízos anuais de R$ 1,5 bilhão e quem paga a conta é o consumidor, que não aguenta mais os abusos. O tema foi pauta de uma audiência pública na comissão especial da Câmara que elabora uma proposta de Código Brasileiro de Energia Elétrica, na terça-feira (19).




Popularmente conhecidos como “gatos”, os furtos, desvios e fraudes de energia elétrica causam prejuízo anual só em 2018, de quase 15% (60 mil GWh) do total de energia gerada em média e baixa tensões, segundo dados apresentados pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).

Para solucionar tais problemas, os deputados analisam sugestões técnicas, econômicas e de cidadania. O especialista em energia do Instituto de Defesa do Consumidor, Clauber Leite, cobrou das empresas a real identificação dos autores de “gatos”, além de ações de cidadania do poder público nas áreas de maior vulnerabilidade social.

Mais cidadania
“É uma questão de mais transparência. Quem são os fraudadores? É a baixa renda mesmo? Qual é o número da baixa renda, qual é o número de grandes consumidores que estão fazendo esse tipo de ação? Aí (quando tivermos esses números), poderemos pressionar e fazer um controle social mais rigoroso. Uma saída possível para os “gatos” pode ser um projeto de mais cidadania. Eu acho que não vai funcionar tratar o consumidor só no chicote”, observou.

Em busca dessa transparência, o relator da comissão especial, deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), pediu relatório detalhado a vários órgãos públicos federais (Ministério das Minas e Energia, Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel - e Eletrobras). Andrada quer saber como o setor tem utilizado os recursos vindos de uma série de encargos embutidos na conta de luz.

Regularização fundiária
Para o presidente da comissão, deputado Lucas Redecker (PSDB-RS), a solução das perdas de energia elétrica também passa pela regularização fundiária, a cargo das prefeituras.

“Não é uma coisa atípica passar na entrada de uma vila, favela ou localidade e ver os postes cheios de fios engatados na fiação elétrica e sendo encaminhados para dentro dessas localidades. Um dos pontos que eu vejo de maior desafio é os municípios fazerem a regularização fundiária dessas localidades. E aí a companhia de energia pode trabalhar dentro dessa relação, que tem um custo distribuído para todos os consumidores”, observou.

Milicianos e traficantes
A associação dos distribuidores de energia informou que tenta enfrentar os “gatos” e demais fraudes por meio de monitoramento de dados e do uso de novas tecnologias de distribuição e medição. O presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira, admitiu a “sofisticação” das fraudes, inclusive nos medidores eletrônicos. E para o mostrar como esse problema também está ligado a segurança pública, Madureira citou o caso de algumas áreas do Rio de Janeiro dominadas por milicianos e traficantes de droga.

“Nessas áreas de risco, a empresa Light tem um acesso restrito e condicionado à autorização do poder paralelo. Lá, nós temos casos de transformadores e roladores danificados por tiro e registros de ameaça, agressão e sequestro da equipe da própria empresa. Isso aqui (mapa) dá uma ideia das mesmas áreas de risco marcadas pela presença de milícias e (de traficantes do) Comando Vermelho, Amigos dos Amigos e TCP, Terceiro Comando Puro. Isso realmente conflagra áreas onde o poder público não está presente. Então, se até a polícia tem dificuldade de entrar, como é que alguém vai entrar lá para combater perda (de energia)?”, disse Madureira.

Segundo Madureira, as empresas têm buscado parceria com as polícias para atuar em áreas violentas ou invadidas em outras regiões do país. Enquanto o Código Brasileiro de Energia Elétrica não está pronto, a Abradee pede a aprovação de um projeto de lei (PL 1917/15) que regulamenta o termo de ocorrência de irregularidade (TOI) e amplia o poder das empresas no combate às perdas de energia, sobretudo entre os clientes de maior porte.

Curiosamente, as empresas não tocaram no assunto que mais pesa na composição da tarifa: as altas alíquotas de ICMS cobradas pelos governadores dos Estados. A bitributação é francamente praticada no estado do Pará, por exemplo. Ações correm no ministério público estadual, mas na prática o consumidor é praticamente coagido a pagar a conta apresentada sob o risco de ter o serviço cortado pela concessionária.

Outra distorção são governadores populistas que autorizam a aprovação de projetos nas Assembleias Legislativas dos Estados de tarifas sociais, mas quem paga a conta é a classe média. “Fazem caridade com o chapéu alheio e isso tem que acabar”, disse o representante dos consumidores no Pará, Alcebíades Maroja, que lidera o “Movimento Todos Contra a CELPA”, com forte atuação nas redes sociais e junto aos organismos de defesa do consumidor.   

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